Já se falava disso nos tempos de Jeová, que
destruiu A Torre da ambição humana, para confusão das línguas, pois Jeová não é para graças. Outras tentativas foram feitas, no século XX, com
uma cadela – Laika - a servir de primeira vítima espacial,
sendo Gagarin, o primeiro dos novos tempos, a viajar no espaço, e Armstrong, o que deixou a marca do seu
sapato na Lua e se referiu ao primeiro passo ali, como grande passo para a
Humanidade. Missões a Marte, projectos vários, eis-nos lançados na nova Torre da
nossa ambição, não sabemos até quando, desta vez a afastar perigos que do espaço
chegam. Espantoso tudo isso. Um agradecimento a Marta Leite Ferreira, por mais esta informação
sobre o admirável mundo novo dos conquistadores do espaço, neste caso, dos
afastadores dos perigios que do espaço chegam.
Entretanto, tudo isso já aconteceu, e,
aparentemente, não houve efeitos da colisão com o Dimorfos. Será?
Agência espacial americana vai colidir
uma nave de 308 milhões de dólares na lua de um asteróide. É a primeira
experiência de defesa espacial, mas pode ser precisa daqui a 150 anos.
MARTA LEITE FERREIRA: TEXTO
OBSERVADOR, 24 set
2022, 12:22
Um
dia pode deixar de ser uma história de Hollywood. Um dia, um astrónomo vai
franzir as sobrancelhas, intrigado por um ponto brilhante que apareceu
repentinamente nas imagens do telescópio. Vai passar o dedo no ecrã e não, não
será apenas uma poeira no ecrã do computador, nem um insecto inconveniente nos
radares. Um pouco por todo o mundo, outros astrónomos estarão a deparar-se com
a mesma paisagem pré-apocalíptica: um asteróide com dezenas de quilómetros
de diâmetro em rota de colisão com a Terra.
O
cenário é tão realista que a agência espacial norte-americana investiu 324,5
milhões de dólares para colidir uma nave espacial (que custou 95% desse
valor, 308 milhões de dólares) num corpo celeste que nem sequer representa
uma ameaça para a Terra, só para testar se esta tecnologia de defesa espacial
funciona mesmo. O alvo,
Dimorfos, é uma lua com 160 metros de comprimento que orbita o asteróide 65803
Didymos — esse, sim, considerado um objecto potencialmente perigoso, porque
pode vir a colidir com a Terra (a sua rota em torno do Sol cruza com a da
Terra) e provocar danos consideráveis no planeta.
DART, acrónimo de
“Double Asteroid Redirection Test”, partiu
da Terra em novembro de 2021 e viaja pelo espaço a quase 24 mil quilómetros por
hora. Não tem mais nada a bordo além de uma câmara de alta resolução, que também funciona como
bússola, e um pequeno satélite da Agência Espacial Italiana que será libertado
na quinta-feira — cinco dias antes do impacto — para observar a colisão. Na noite de segunda para terça-feira, quando se
estiver a aproximar da pequena Dimorfos, nada a desacelerará: às 00h17 de
27 de setembro, vai embater contra contra o alvo a seis quilómetros por segundo e
fica assim cumprida a missão desta milionária nave espacial. O momento será gravado por um pequeno
satélite italiano, que transmitirá as imagens do impacto e da nuvem de poeiras
para a Terra. Em 2024, uma missão da Agência Espacial Europeia
seguirá novamente para Dimorfos para estudar o que aconteceu à lua depois da
colisão.
▲ Missão
HERA, da Agência Espacial Europeia, vai aproximar-se do asteróide em 2026 para
descobrir se a tecnologia para desviar corpos celestes funcionou.
“É
uma missão suicida, uma missão kamikaze”, descreveu ao Observador o astrónomo e divulgador de ciência José
Augusto Matos. DART é a primeira experiência científica concebida
para perceber como é que, no dia em que um asteróide estiver em rota directa
contra a Terra, se pode desviar a ameaça.
Na
verdade, o mal encontra-se à espreita: há centenas de objectos próximos da
Terra que nos podem atingir nos próximos tempos; e o mais provável é que o
inimigo seja algum corpo celeste na vizinhança do planeta — não um corpo
interestelar vindo da infinitude do espaço que, com todo o azar do universo, se
alinha com a Terra. “Se queremos saber se há algum asteróide perigoso a
caminho, temos de conhecer aqueles que estão aqui perto”, resume José Augusto
Matos.
A
lua aproximar-se-á de Didymos e precisará de menos quatro
minutos e 12 segundos para cumprir
uma volta completa ao asteróide — cuja órbita, por sua vez, também será
perturbada. Será uma prova de que esta técnica consegue mesmo desviar a
órbita de um corpo celeste sem o destruir por completo,
Nuclear, sim, mas só como solução
extrema
Sim,
a opção mais destrutiva e bélica está em cima da mesa: uma das teorias
para aniquilar um objecto em rota de colisão com a Terra é fazê-lo explodir com
recurso ao nuclear ou a detonadores instalados por naves. Mas essa é uma
opção que pode ser exagerada se o corpo celeste não for tão grande quanto isso
— e potencialmente mais perigosa, uma vez que pode desintegrar-se em partes
mais pequenas que viajam em direção à Terra e espalham o caos pelo planeta se
sobreviverem ao escudo da atmosfera.
A outra possibilidade, pelo menos em
tese, é empurrar a ameaça para fora do caminho. Se tudo correr como esperado, após o impacto da nave
espacial DART, a órbita de Dimorfos em torno do asteróide principal, que tem
apenas 780 metros de comprimento, vai mudar: a lua aproximar-se-á de
Didymos e precisará de menos quatro minutos e 12 segundos para cumprir uma
volta completa ao asteróide — cuja órbita, por sua vez, também será
perturbada. Será uma prova de que esta técnica consegue mesmo
desviar a órbita de um corpo celeste sem o destruir por completo, dispensando a
utilização de tecnologia mais destrutiva no espaço, como a energia nuclear. E
que um dia, quando a Terra estiver sob ameaça, se o corpo celeste em rota de
colisão for detetado atempadamente, é possível que o desastre nos passe ao
lado.
▲ Dimorfos,
em destaque na ilustração, é o satélite natural do asteróide Didymos.
O
cenário não é muito iminente graças à nossa própria pequenez: a Terra é um
alvo demasiado pequeno para que, na imensidão do espaço, seja comum ser
atingido por corpos celestes ameaçadores. Além disso, por ser um planeta
pequeno, o campo gravitacional não é muito atraente de outros corpos celestes: Júpiter,
um gigante gasoso, funciona
como um íman para esses impactos, e livra os pequenos planetas rochosos de
serem mais massacrados.
A verdade é que, mesmo assim, o
desastre está sempre à espreita. Neste momento, e segundo a Agência Espacial
Europeia, há 1.416 asteróides próximos da Terra em risco de colidir com o
planeta no futuro. “Tem havido um esforço muito grande para fazer uma
catalogação dos asteróides que podem ser perigosos para a Terra. Esse esforço
vai continuar, o catálogo ainda não está completo, ainda precisamos de mais
recenseamento”, descreveu José Augusto Matos. E
de um olhar de lince: basta uma perturbação na rota causada pela passagem de
outro corpo celeste para, de um momento para outro, um asteróide que estava
longe do percurso terrestre entrar num caminho de colisão.
As
agências espaciais organizam todas estas ameaças numa escala em função do risco
de impacto — a Escala Técnica de Ameaça de Impacto de Palermo. As contas são feitas com base no tempo que falta para o
impacto, no tamanho do corpo celeste e na velocidade a que viajará no momento
da colisão; e comparadas com o risco médio de impactos aleatórios na Terra —
isto é, o risco médio representado por objectos do mesmo tamanho ou maiores ao
longo dos anos até a data do impacto potencial. E demonstram, por exemplo, que
a 1 de outubro deste ano, às 00h28, o asteróide 2009TB pode colidir
com o planeta a 14,44 quilómetros por segundo. Alertas semelhantes repetem-se
quase todos os meses.
Mas
a 24 de setembro de 2182 às 21h24 tudo pode mudar. Um asteróide com 484 metros
de comprimento pode colidir com a Terra a uma velocidade de 12,68 quilómetros
por segundo. É o maior risco de colisão, e a mais próxima no tempo, entre todos
os corpos celestes já sondados pelos cientistas.
24
de setembro de 2182 às 21h24: o momento de maior risco
Há duas boas notícias. Em primeiro
lugar, o 2009TB é extremamente pequeno: tem apenas cinco metros de comprimento,
por isso seria facilmente consumido pela atmosfera assim que entrasse em
colisão e não causaria danos em terra. Em
segundo, o asteróide recebeu uma classificação de -7.06. É um valor
muitíssimo baixo: afinal, uma classificação de -2 indica que o impacto é apenas
1% tão provável de acontecer como o risco médio, o valor 0 significa que o
risco é semelhante ao médio e uma classificação de +2 simboliza que o risco é
100 vezes maior do que a média. Trocado por miúdos, na próxima sexta-feira
podemos estar descansados. E, pelo menos de acordo com as informações mais
recentes dos cientistas, será assim por mais de 150 anos.
Mas a 24 de setembro de 2182 às 21h24
tudo pode mudar. Um
asteróide com 484 metros de comprimento pode colidir com a Terra a uma
velocidade de 12,68 quilómetros por segundo. É o maior risco de colisão, e
o mais próximo no tempo, entre todos os corpos celestes já sondados pelos
cientistas: na Escala de Palermo, Bennu ocupa a classificação de -1.59. Sim, o
número continua a estar abaixo de zero, o que indica uma probabilidade de
impacto que não é extraordinariamente elevada.
▲ O
asteróide Bennu, visitado pela sonda OSIRIS-Rex em 2018, é o que
representa o mais risco de colisão com a Terra NASA/GODDARD/UNIVERSITY OF ARIZONA
Mas
é elevada o suficiente para, em dezembro de 2018, a NASA ter enviado para este
mundo uma sonda — a OSIRIS-Rex — que recolheu 60 gramas de material rochoso com
um braço metálico. A amostra
está agora a caminho da Terra e deve chegar a casa em setembro de 2023 com
informação útil para, daqui a longas décadas, nos sabermos defender deste corpo
celeste em forma de diamante com 490 metros de diâmetro. O
segundo maior risco de impacto é com 29075 1950DA, um asteróide com 1,3
quilómetros de diâmetro que viaja a 17,99 quilómetros por segundo e que pode
colidir com a Terra a 17 de março de 2880 às 00h48. Tem uma classificação de
-2,12 na Escala de Palermo.
Se
for necessária uma estratégia de defesa espacial contra estes asteróides, o
empurrão que a missão DART vai dar ao Dimorfos não bastaria para desviá-los da
rota. Seria necessária muito mais energia. Quanta? Ainda não se sabe, mas
as agências espaciais planeiam descobrir: “Um
asteróide mais coeso, resistente a um choque, terá um comportamento. Um mais
poroso, menos coeso, terá outro”, sintetizou José Augusto Matos. Sobre Dimorfos, as respostas só chegarão daqui a
quatro anos, quando a missão europeia Hera observar a lua.
EXPLORAÇÃO
ESPACIAL ESPAÇO CIÊNCIA
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