… Sob as vestes de um terrorista branco, para
usarmos uma imagem de humilde carisma, adequado à nossa condição lusa, de fraca
relevância e menos ainda a cinéfila. Sobram os exemplos inadequados a uma
mudança de cor de pele, na questão dos filmes. É preciso honrar cada pele, sem
desenraizamento provocatório. Salvo nos carnavais, é claro, onde tudo se
permite, com palhaçada efusiva, mas trata-se dos States, na Meca do Cinema e de
tudo quanto é explosivo. Como sempre, Alberto Gonçalves acerta no alvo da sua temática anti-demagógica,
com a graça desenvolta de sempre. Não resisto a reescrever um comentário de
apreço de Jorge Carvalho: «Melhor não me podia acontecer que começar o dia com o
café da manhã a ler este delicioso artigo do AG de escárnio e maldizer jocoso
sobre o ridículo wokismo expressão máxima do actual Hollywood. Já ganhei o dia.
Parabéns e obrigado Alberto.»
A “racialização” de Hollywood
É óbvia a tendência para empregar
actores negros em papéis consensual ou evidentemente “brancos”. A chatice é que
o mundo ameaçaria explodir à mera sugestão de um actor branco “ser” Martin
Luther King.
ALBERTO GONÇALVES,
Colunista do Observador
OBSERVADOR,17 set
2022, 00:2186
Notei algum rebuliço pelo facto de se
entregar a uma actriz negra o papel de Pequena Sereia. Antes de me envolver na excitação, fui investigar o
que é a Pequena Sereia. Desisti ao perceber que é uma bonecada da Disney.
Não é que eu não goste da Disney. Sucede que preferia ser levemente
molestado num beco escuro por uma tribo de campistas do Bloco a ter de consumir
qualquer dos produtos que essa empresa produziu nos últimos 50 anos (salvo o
“Uma História Simples”, do David Lynch, que deve ter sido engano).
Voltando
ao tema, pelos vistos a Pequena Sereia era branca e agora é negra. E? Tendo
andado afastado dos estudos de criptozoologia, não me recordo de que cor são as
sereias. Também é natural que as haja de várias cores e subespécies, como os
atuns. E o pormenor de serem um bicho (meio bicho, vá) mítico faz com que, em
matéria de pigmentação, o céu seja o limite. Por mim, tudo bem. O
importante é que as crianças fiquem contentes.
Das
crianças brancas, vermelhas, castanhas e amarelas, não sei. Ao que consta,
as crianças negras ficaram felicíssimas. Li não sei onde que, ao saber
da nova sereia, uma criança negra correu radiante para a mãe: “Ela é igual a
mim! Ela é igual a mim!” Para a petiza em questão, todos os negros são iguais.
Descontando o leve aroma a racismo, é bonito, quase comovente. Eu próprio me
senti assim quando descobri que a voz do Homem do Bussaco pertencia a um
caucasiano. Foi há meia dúzia de anos, mas a minha mãe não compreendeu as
razões da algazarra.
Qual
o problema de negros desempenharem papéis cinematográficos antigamente
desempenhados por brancos, incluindo sereias, unicórnios, os Estrumpfs do
“Avatar” e o Monstro do Lago Ness? Nenhum. Se não estou em erro, uma das
características do cinema é que as pessoas façam daquilo que não são. Por
muito que isto possa chocar os distraídos, De Niro não era realmente
taxista, boxeur ou chefe da Máfia. E Denzel Washington nunca foi piloto
comercial, activista ou advogado. O primeiro é um cavalheiro que emite
opiniões imbecis e o segundo é o melhor actor em actividade (Robert Duvall
reformou-se, presumo). E, logo que lhes paguem, ambos fingem ser coisas
diferentes.
O problema não é esse. Um dos problemas é a questão da plausibilidade. Convém que o actor ou a actriz escolhidos para uma
personagem convençam o público de que, durante duas horas, eles “são” a
personagem em causa. Se esta for uma sereia, uma sardinha, o Bigfoot ou um
gatafunho da Marvel, a tarefa não é complicada. E, desde que os intérpretes
sejam competentes e as idades compatíveis, continua a não ser difícil
aceitá-los em papéis ficcionais “realistas”, de cirurgiões a mendigos. O
caso é mais delicado nos papéis de figuras da História, a grande ou a pequena. Em princípio, não se põe uma adolescente com 1,50m a
simular Lincoln, ou um velhinho surdo a fazer de Whitney Houston. E é um
nadinha esquisito que se ponha uma negra a interpretar Ana Bolena.
No entanto, a consorte (e que sorte)
de Henrique VIII numa série da HBO é mesmo negra, liberdade criativa tolerável
se não implicasse novo problema, o da unilateralidade. Explico: é óbvia a tendência para empregar actores
negros em papéis consensual ou evidentemente “brancos”. Descontada a
irreverência infantil do exercício, daí não viria mal ao mundo. A chatice
é que o mundo ameaçaria explodir à mera sugestão de um actor branco “ser”
Martin Luther King ou um escravo anónimo do século XVIII. Mudar a “etnia” da rainha de Inglaterra é um acto
arrojado, “branquear” na tela a rainha de Sabá seria comparável ao Holocausto.
Ou pior: constituiria o crime de “apropriação cultural”.
Além
de particularmente estúpido, a “apropriação cultural” é um conceito
deliciosamente vago. Ao contrário
do que poderia parecer, não se verifica se, por exemplo, um índio da Amazónia
veste calças ou um chinês come um hambúrguer. Ou uma negra americana interpreta
uma monarca britânica. Por motivos insondáveis, a “apropriação cultural”
somente pode ser cometida por brancos, os responsáveis por cada calamidade na
Terra. (Em fita recente, e decerto medonha, “The Woman King”, vende-se a
patranha de uma guerreira africana que exorta o seu reino do Daomé a
desobedecer aos ingleses e a abolir a lucrativa colaboração no tráfico de
escravos; patranhas à parte, a exortação veio de Londres, e a abolição foi
temporária.)
Se
deixarem à solta o movimento “woke”, e em Hollywood já deixaram, às tantas será
impossível a um actor branco arranjar emprego excepto na recriação de Goebbels,
ou literalmente a servir às mesas. Jordan
Peele, de quem não voltarei a consumir um produto, já afirmou que jamais terá
um protagonista branco. No limite, um branco nem sequer poderá vestir a pele
(sem trocadilho) de outro branco. Recentemente, a escolha de James Franco,
filho de um português e de uma judia russa, para interpretar Fidel Castro,
filho de espanhóis, suscitou polémica. Dado que privilegiam o berreiro em
detrimento das leituras, acredito que os defensores da pureza racial pensem que
o Carniceiro de Havana possuía sangue Azteca, e pretendam preservar imaculada a
sua memória. Além de divertida, a “racialização” em curso é
assustadora. E demasiado
semelhante a tempos passados, ou que se julgava passados. Na essência, um
tempo em que actores negros não conseguiam trabalho por serem negros não difere
de um tempo em que o conseguem apenas por serem negros.
Eles
lá sabem. Por mim, não verei “A Pequena Sereia” (sendo tão pequena, não
mereceria a interpretação de uma anã?). Não por causa da cor da actriz, claro.
É que as sereias sempre foram associadas a tempestades, naufrágios e desgraças
afins. Hoje, para cúmulo, associam-se à Disney.
HOLLYWOOD CINEMA CULTURA RACISMO DISCRIMINAÇÃO
COMENTÁRIOS:
Alexandre Barreira: Pronto. Estou a ver o "filme". O problema é o Costa não ser o Passos Coelho! klaus muller: Realmente, a Ana Bolena da HBO não me convenceu e ,
apesar de não me considerar racista, foi unicamente por ela ser negra. Nem
cheguei ao fim do primeiro episódio. Um casal meu amigo, muito woke, disse-me
que se eu insistisse, ao fim de algum tempo já não me faria confusão ver uma
negra no papel duma rainha inglesa do século XVI. Mas não estive para isso. Paul C. Rosado:
Nem um tostão
para lixo woke. Disney não entra cá em casa. É a única forma de acabarmos com
esta loucura. Jorge Carvalho: Melhor não me podia acontecer
que começar o dia com o café da manhã a ler este delicioso artigo do AG de
escárnio e maldizer jocoso sobre o ridículo wokismo expressão máxima do actual
Hollywood. Já ganhei o dia. Parabéns e obrigado Alberto Andre Ramos :
Ainda há-de
chegar o dia em que o Hitler será representado por uma actriz negra lésbica
para confortar todos os wokes. já que o rigor histórico não interessa. Tiago Marques >
klaus muller: Existe uma maneira de responder às hbo deste mundo,
deixar de subscrever. Eu já o fiz. Paulo Cardoso: Esgotado o filão operário vs
capital e tendo a história provado que a versão deles era a errada, há que
encontrar novos temas fracturantes para dividir e reinar. O tema raça, é o
preferido deles. Tem a (grande) vantagem de, os que eles aliciam com os amanhãs
que cantam (a raça negra), ser a maioria em termos numéricos e apresentar uma
inquestionável tendência de crescimento. Resumindo e simplificando, maior
probabilidade de votos. Pelo caminho encantam uns brancos ociosos, enfadados
pelo bem estar conquistado pelos seus antepassados e atemorizam outros que, com
medo de não venderem o que quer que seja que produzam, alinham no conto do
vigário. Em Hollywood, abundam estas duas espécies. Censurado sem
razão: A sociedade
ocidental está a imbecilizar. Nem sei porque ddenzel Washington não é considerado
supremacista branco. As posições políticas que tem são as de um ser
humano dotado de inteligência que apenas coloca as coisas no seu devido lugar.
A mesma posição tem morgan freeman (homem livre, curioso não?) . A ideologia
esquerdalha é a mais abjecta, racista, xenófoba é intolerante que jamais
existiu. Infelizmente a imbecilidade não paga imposto. Estaríamos ricos. José Paulo C Castro: A Disney, com a
antropomorfização dos animais nas suas animações, fomentou o movimento
animalista e vegan. Agora, com as novas agendas, quer fomentar outros
movimentos baseados em mitos urbanos. É uma estratégia clara de afastar essas
populações futuras, cada vez mais urbanas, da realidade natural e histórica, o
que as torna e mantém clientes de uma indústria que sempre foi baseada na
fantasia. Sendo a Disney, podemos considerar isto uma estratégia comercial
vantajosa que usa e tem efeitos colaterais políticos. Solução: promover a
National Geographic em casa, em vez do canal Disney. É melhor como educação e
não promove a imbecilidade urbana. João Ramos: É caso para dizer « preto no
branco » muito bem AG , como de costume, não há nada que bata umas quantas
verdades bem ditas, este artigo devia de ser « escarrapachado » a cada esquina
da decadente Hollywood e nas « ventas » dos patetas woke… Vitor Batista
> klaus muller: O mesmo fiz eu, porque já não
tenho pachorra para esta "wokices". José Ramos:
Quando
descobri, há umas semanas no You Tube, uma Ana Bolena negra, fiquei arrepiado
pela obscenidade histórica, digo, histérica, dos "wokes". Ao ponto a que o disparate
chegou nestes estranhos tempos de loucura, ou melhor, de imbecilidade
institucionalizada! Mudei então para o Porn-Hub e dediquei uma boa meia hora a
apreciar as performances de Ana Foxxx. Também é negra, também é Ana e tem, de
certeza, muito mais autenticidade que a Bolena do sr. Lynsey Miller, "com
o 'historiador' Dan Jones como produtor executivo", leio ali. Além disso,
a menina Foxxx, tenho a certeza, representará muitíssimo melhor do que a sra.
Jodie Turner-Smith, que tenciono jamais ver em qualquer filme ou série. Talvez algum "historiador" se
lembre de escolher Ana Foxxx, quem sabe!, para interpretar Catarina, a Grande.
Ficaríamos por certo bem servidos.
MF A: Nota-se que
voltou de férias com as baterias recarregadas! Uma delícia de artigo. Vítor Prata: Mais um excelente texto sobre um tema que merece
reflexão de gente inteligente e não neopreconceituosa. Alberto Pereira:
Vá lá não terem posto um homem a
interpretar a Ana Bolena...
Rui Lima: O
grande parte da esquerda ganha a vida com as questões raciais
introduziram o racismo puro e duro na sociedade, entre nós a maioria
vivia sem reparar e pensar na a Cor, não olhamos a tez do
tradutor só queríamos uma boa tradução. Outro aspecto da esquerda o abandono dos trabalhadores
para abraçar todas as causas fracturantes o líder comunista Fabien
Roussel está a ser flagelado por defender os trabalhadores disse na
festa “Humanité “ o equivalente da festa do Avante na
sexta-feira 9 de setembro que "a esquerda deve defender o trabalho e
não ser a esquerda de subsídios e mínimos sociais e outras causas “Foi atacado
violentamente por toda a outra esquerda estava a fazer o jogo da
extrema-direita. Exemplo
da reação de um deputado de esquerda o trabalho é "um valor de
direita", diz Sandrine Rousseau, o trabalho e o Homem branco são os
grandes inimigos da esquerda dos nossos dias. O Ocidente caminha para o buraco
negro ou branco?
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