domingo, 18 de setembro de 2022

Ou Samora Machel…


… Sob as vestes de um terrorista branco, para usarmos uma imagem de humilde carisma, adequado à nossa condição lusa, de fraca relevância e menos ainda a cinéfila. Sobram os exemplos inadequados a uma mudança de cor de pele, na questão dos filmes. É preciso honrar cada pele, sem desenraizamento provocatório. Salvo nos carnavais, é claro, onde tudo se permite, com palhaçada efusiva, mas trata-se dos States, na Meca do Cinema e de tudo quanto é explosivo. Como sempre, Alberto Gonçalves acerta no alvo da sua temática anti-demagógica, com a graça desenvolta de sempre. Não resisto a reescrever um comentário de apreço de Jorge Carvalho: «Melhor não me podia acontecer que começar o dia com o café da manhã a ler este delicioso artigo do AG de escárnio e maldizer jocoso sobre o ridículo wokismo expressão máxima do actual Hollywood. Já ganhei o dia. Parabéns e obrigado Alberto.»

A “racialização” de Hollywood

É óbvia a tendência para empregar actores negros em papéis consensual ou evidentemente “brancos”. A chatice é que o mundo ameaçaria explodir à mera sugestão de um actor branco “ser” Martin Luther King.

ALBERTO GONÇALVES, Colunista do Observador

OBSERVADOR,17 set 2022, 00:2186

Notei algum rebuliço pelo facto de se entregar a uma actriz negra o papel de Pequena Sereia. Antes de me envolver na excitação, fui investigar o que é a Pequena Sereia. Desisti ao perceber que é uma bonecada da Disney. Não é que eu não goste da Disney. Sucede que preferia ser levemente molestado num beco escuro por uma tribo de campistas do Bloco a ter de consumir qualquer dos produtos que essa empresa produziu nos últimos 50 anos (salvo o “Uma História Simples”, do David Lynch, que deve ter sido engano).

Voltando ao tema, pelos vistos a Pequena Sereia era branca e agora é negra. E? Tendo andado afastado dos estudos de criptozoologia, não me recordo de que cor são as sereias. Também é natural que as haja de várias cores e subespécies, como os atuns. E o pormenor de serem um bicho (meio bicho, vá) mítico faz com que, em matéria de pigmentação, o céu seja o limite. Por mim, tudo bem. O importante é que as crianças fiquem contentes.

Das crianças brancas, vermelhas, castanhas e amarelas, não sei. Ao que consta, as crianças negras ficaram felicíssimas. Li não sei onde que, ao saber da nova sereia, uma criança negra correu radiante para a mãe: “Ela é igual a mim! Ela é igual a mim!” Para a petiza em questão, todos os negros são iguais. Descontando o leve aroma a racismo, é bonito, quase comovente. Eu próprio me senti assim quando descobri que a voz do Homem do Bussaco pertencia a um caucasiano. Foi há meia dúzia de anos, mas a minha mãe não compreendeu as razões da algazarra.

Qual o problema de negros desempenharem papéis cinematográficos antigamente desempenhados por brancos, incluindo sereias, unicórnios, os Estrumpfs do “Avatar” e o Monstro do Lago Ness? Nenhum. Se não estou em erro, uma das características do cinema é que as pessoas façam daquilo que não são. Por muito que isto possa chocar os distraídos, De Niro não era realmente taxista, boxeur ou chefe da Máfia. E Denzel Washington nunca foi piloto comercial, activista ou advogado. O primeiro é um cavalheiro que emite opiniões imbecis e o segundo é o melhor actor em actividade (Robert Duvall reformou-se, presumo). E, logo que lhes paguem, ambos fingem ser coisas diferentes.

O problema não é esse. Um dos problemas é a questão da plausibilidade. Convém que o actor ou a actriz escolhidos para uma personagem convençam o público de que, durante duas horas, eles “são” a personagem em causa. Se esta for uma sereia, uma sardinha, o Bigfoot ou um gatafunho da Marvel, a tarefa não é complicada. E, desde que os intérpretes sejam competentes e as idades compatíveis, continua a não ser difícil aceitá-los em papéis ficcionais “realistas”, de cirurgiões a mendigos. O caso é mais delicado nos papéis de figuras da História, a grande ou a pequena. Em princípio, não se põe uma adolescente com 1,50m a simular Lincoln, ou um velhinho surdo a fazer de Whitney Houston. E é um nadinha esquisito que se ponha uma negra a interpretar Ana Bolena.

No entanto, a consorte (e que sorte) de Henrique VIII numa série da HBO é mesmo negra, liberdade criativa tolerável se não implicasse novo problema, o da unilateralidade. Explico: é óbvia a tendência para empregar actores negros em papéis consensual ou evidentemente “brancos”. Descontada a irreverência infantil do exercício, daí não viria mal ao mundo. A chatice é que o mundo ameaçaria explodir à mera sugestão de um actor branco “ser” Martin Luther King ou um escravo anónimo do século XVIII. Mudar a “etnia” da rainha de Inglaterra é um acto arrojado, “branquear” na tela a rainha de Sabá seria comparável ao Holocausto. Ou pior: constituiria o crime de “apropriação cultural”.

Além de particularmente estúpido, a “apropriação cultural” é um conceito deliciosamente vago. Ao contrário do que poderia parecer, não se verifica se, por exemplo, um índio da Amazónia veste calças ou um chinês come um hambúrguer. Ou uma negra americana interpreta uma monarca britânica. Por motivos insondáveis, a “apropriação cultural” somente pode ser cometida por brancos, os responsáveis por cada calamidade na Terra. (Em fita recente, e decerto medonha, “The Woman King”, vende-se a patranha de uma guerreira africana que exorta o seu reino do Daomé a desobedecer aos ingleses e a abolir a lucrativa colaboração no tráfico de escravos; patranhas à parte, a exortação veio de Londres, e a abolição foi temporária.)

Se deixarem à solta o movimento “woke”, e em Hollywood já deixaram, às tantas será impossível a um actor branco arranjar emprego excepto na recriação de Goebbels, ou literalmente a servir às mesas. Jordan Peele, de quem não voltarei a consumir um produto, já afirmou que jamais terá um protagonista branco. No limite, um branco nem sequer poderá vestir a pele (sem trocadilho) de outro branco. Recentemente, a escolha de James Franco, filho de um português e de uma judia russa, para interpretar Fidel Castro, filho de espanhóis, suscitou polémica. Dado que privilegiam o berreiro em detrimento das leituras, acredito que os defensores da pureza racial pensem que o Carniceiro de Havana possuía sangue Azteca, e pretendam preservar imaculada a sua memória. Além de divertida, a “racialização” em curso é assustadora. E demasiado semelhante a tempos passados, ou que se julgava passados. Na essência, um tempo em que actores negros não conseguiam trabalho por serem negros não difere de um tempo em que o conseguem apenas por serem negros.

Eles lá sabem. Por mim, não verei “A Pequena Sereia” (sendo tão pequena, não mereceria a interpretação de uma anã?). Não por causa da cor da actriz, claro. É que as sereias sempre foram associadas a tempestades, naufrágios e desgraças afins. Hoje, para cúmulo, associam-se à Disney.

HOLLYWOOD   CINEMA   CULTURA   RACISMO   DISCRIMINAÇÃO 

COMENTÁRIOS:

Alexandre Barreira: Pronto. Estou a ver o "filme". O problema é o Costa não ser o Passos Coelho!                  klaus muller: Realmente, a Ana Bolena da HBO não me convenceu e , apesar de não me considerar racista, foi unicamente por ela ser negra. Nem cheguei ao fim do primeiro episódio. Um casal meu amigo, muito woke, disse-me que se eu insistisse, ao fim de algum tempo já não me faria confusão ver uma negra no papel duma rainha inglesa do século XVI. Mas não estive para isso.                Paul C. Rosado: Nem um tostão para lixo woke. Disney não entra cá em casa. É a única forma de acabarmos com esta loucura.               Jorge Carvalho: Melhor não me podia acontecer que começar o dia com o café da manhã a ler este delicioso artigo do AG de escárnio e maldizer jocoso sobre o ridículo wokismo expressão máxima do actual Hollywood. Já ganhei o dia. Parabéns e obrigado Alberto              Andre Ramos : Ainda há-de chegar o dia em que o Hitler será representado por uma actriz negra lésbica para confortar todos os wokes. já que o rigor histórico não interessa.              Tiago Marques > klaus muller: Existe uma maneira de responder às hbo deste mundo, deixar de subscrever. Eu já o fiz.            Paulo Cardoso: Esgotado o filão operário vs capital e tendo a história provado que a versão deles era a errada, há que encontrar novos temas fracturantes para dividir e reinar. O tema raça, é o preferido deles. Tem a (grande) vantagem de, os que eles aliciam com os amanhãs que cantam (a raça negra), ser a maioria em termos numéricos e apresentar uma inquestionável tendência de crescimento. Resumindo e simplificando, maior probabilidade de votos. Pelo caminho encantam uns brancos ociosos, enfadados pelo bem estar conquistado pelos seus antepassados e atemorizam outros que, com medo de não venderem o que quer que seja que produzam, alinham no conto do vigário. Em Hollywood, abundam estas duas espécies.                Censurado sem razão: A sociedade ocidental está a imbecilizar. Nem sei porque ddenzel Washington não é considerado supremacista branco.  As posições políticas que tem são as de um ser humano dotado de inteligência que apenas coloca as coisas no seu devido lugar. A mesma posição tem morgan freeman (homem livre, curioso não?) . A ideologia esquerdalha é a mais abjecta, racista, xenófoba é intolerante que jamais existiu. Infelizmente a imbecilidade não paga imposto. Estaríamos ricos.              José Paulo C Castro: A Disney, com a antropomorfização dos animais nas suas animações, fomentou o movimento animalista e vegan. Agora, com as novas agendas, quer fomentar outros movimentos baseados em mitos urbanos. É uma estratégia clara de afastar essas populações futuras, cada vez mais urbanas, da realidade natural e histórica, o que as torna e mantém clientes de uma indústria que sempre foi baseada na fantasia. Sendo a Disney, podemos considerar isto uma estratégia comercial vantajosa que usa e tem efeitos colaterais políticos.  Solução: promover a National Geographic em casa, em vez do canal Disney. É melhor como educação e não promove a imbecilidade urbana.                 João Ramos: É caso para dizer « preto no branco » muito bem AG , como de costume, não há nada que bata umas quantas verdades bem ditas, este artigo devia de ser « escarrapachado » a cada esquina da decadente Hollywood e nas « ventas » dos patetas woke                Vitor Batista > klaus muller: O mesmo fiz eu, porque já não tenho pachorra para esta "wokices".           José Ramos: Quando descobri, há umas semanas no You Tube, uma Ana Bolena negra, fiquei arrepiado pela obscenidade histórica, digo, histérica, dos "wokes". Ao ponto a que o disparate chegou nestes estranhos tempos de loucura, ou melhor, de imbecilidade institucionalizada! Mudei então para o Porn-Hub e dediquei uma boa meia hora a apreciar as performances de Ana Foxxx. Também é negra, também é Ana e tem, de certeza, muito mais autenticidade que a Bolena do sr. Lynsey Miller, "com o 'historiador' Dan Jones como produtor executivo", leio ali. Além disso, a menina Foxxx, tenho a certeza, representará muitíssimo melhor do que a sra. Jodie Turner-Smith, que tenciono jamais ver em qualquer filme ou série.       Talvez algum "historiador" se lembre de escolher Ana Foxxx, quem sabe!, para interpretar Catarina, a Grande. Ficaríamos por certo bem servidos.             MF A: Nota-se que voltou de férias com as baterias recarregadas! Uma delícia de artigo.             Vítor Prata: Mais um excelente texto sobre um tema que merece reflexão de gente inteligente e não neopreconceituosa.               Alberto Pereira: Vá lá não terem posto um homem a interpretar a Ana Bolena...             Rui Lima: O grande parte da esquerda  ganha  a vida com as questões raciais introduziram  o racismo puro e duro na sociedade, entre nós a maioria vivia  sem reparar e pensar na  a Cor, não olhamos a tez  do tradutor  só queríamos uma boa tradução. Outro aspecto da esquerda o abandono dos trabalhadores para abraçar todas as causas fracturantes  o líder comunista  Fabien Roussel está a ser flagelado por defender os trabalhadores disse  na festa  “Humanité “ o equivalente da festa do Avante    na sexta-feira 9 de setembro  que "a esquerda deve defender o trabalho e não ser a esquerda de subsídios e mínimos sociais e outras causas “Foi atacado  violentamente por toda a outra esquerda  estava a fazer o jogo da extrema-direita. Exemplo  da reação de um deputado de esquerda o trabalho é "um valor de direita", diz  Sandrine Rousseau, o trabalho e o Homem branco são os grandes inimigos da esquerda dos nossos dias. O Ocidente caminha para o buraco negro ou branco? 

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