As ”verdades como punhos” referidas por António Barreto, no seu texto do Público de 3/8/22 – “Euros Caídos do Céu” - sobre o nosso eterno jeito vivencial, de uma esperteza saloia jamais mudada, na forma de construirmos a vida, sob a forma de enriquecimento repentino, apoiado quer em exploração dos donos das riquezas sobre os subordinados, quer em fugas de ordem vária tantas vezes já focadas, e que AB resume, na sua forma magistral, de sequência na progressão dos dados, não dando hipótese de transpor parágrafos, amputando um pensamento progressivamente certeiro – pelo que me atrevo a transcrevê-lo na íntegra:
«Basta
ler jornais, ouvir rádio e ver televisão. O PRR está aí para gastar. Apesar da guerra
na Ucrânia, da persistente pandemia,
do rescaldo dos fogos florestais e da balburdia inédita do SNS,
mau grado estas e outras grandes dificuldades, um sinal está já visível no
firmamento: euros
para distribuir. Benefícios a administrar. Subsídios a espalhar. Não
obstante a inflação, talvez até por isso mesmo, toda a gente se prepara para
gastar. O que não é mau, nem defeito. Só que… para gastar, é preciso criar
riqueza!
É
um dos grandes mitos da história e da política nacionais: os portugueses são
incapazes de criar riqueza! Trabalham
(e muito) com o dinheiro dos outros, mas os lucros vão-se. Trabalham (ainda
mais) no estrangeiro ou sob as ordens dos outros, mas os rendimentos
desaparecem. Trabalham (com gosto) graças aos dinheiros que os outros (a União
Europeia) nos enviam, mas gastam muito e investem pouco. Se,
finalmente, há momentos de prosperidade, é sempre graças ao estrangeiro. Foram
os recursos e as matérias-primas de África, da Ásia e da América Latina. Ou os empréstimos ingleses e franceses. Ou ainda
os investimentos alemães, ingleses e americanos. Foi a
emigração para o Brasil, a América do Norte e agora a Europa. Assim como
tivemos a Europa em todas as suas
versões: a EFTA
(Associação Europeia de Livre Comércio), a CEE (Comunidade Económica Europeia),
agora a UE (União Europeia). São,
finalmente, oligarcas chineses, russos e angolanos. Verdade é que os
rendimentos e as riquezas que vêm do estrangeiro ficam nas mãos de poucos ou ao
estrangeiro regressam.
Os
mitos não ficam por aqui. As grandes empresas portuguesas (indústria, bancos e
serviços) são estrangeiras na origem ou à chegada. A maior parte das grandes
empresas e dos grandes serviços privatizados e reprivatizados, depois da
revolução de Abril, ficou nas mãos de estrangeiros, tendo as empresas sido
desvalorizadas e descapitalizadas. Estas empresas são submetidas aos interesses
das multinacionais. Os estrangeiros só investem em Portugal em condições
leoninas, exigem benefícios excepcionais, condições especiais e facilidades
fora do normal.
Mas há mais. Os grandes empresários portugueses são podres de
ricos, têm o dinheiro lá fora, pagam poucos impostos, são iletrados e egoístas, situam-se sempre à direita e sobretudo
dependentes do Estado e dos favores políticos. Os trabalhadores portugueses são analfabetos e
mandriões, só mandados à força e dirigidos por estrangeiros, têm inveja dos
ricos e não defendem as suas empresas.
As classes médias, as mais prejudicadas de todas, são miseráveis, detestam os
ricos e os pobres, não sabem poupar, querem fugir para o estrangeiro. Todos
eles, empresários, trabalhadores e classes médias, só pensam em si, não têm
consciência do bem comum e acham sempre que tudo o que é estrangeiro, vive no
estrangeiro ou vem do estrangeiro é sempre melhor.
Finalmente, o Estado cobra impostos a
mais, gasta tudo consigo próprio e com os seus funcionários, que aliás são mal
pagos. É incapaz de bem gerir e bem administrar. É vítima
permanente da corrupção, está nas mãos dos interesses, das corporações, dos
sindicatos e das empresas privadas. Não é capaz de bem administrar a saúde, a
educação, a segurança social e a justiça, sectores onde reina a desigualdade social
e nos quais o Estado português gasta mais do que a maior parte dos Estados
europeus. Mas é nesses mesmos sectores, onde se revela um permanente caos, que
os mais desfavorecidos são sistematicamente preteridos.
Portugal
nunca soube criar riqueza de modo durável e estável. Nunca investiu com o
sentido do tempo e das gerações futuras. Os Portugueses quiseram sempre ganhar
depressa, muito e rapidamente, explorando e roubando se fosse necessário, desde
que fosse no estrangeiro e fácil. Especiarias, escravos, açúcar,
ouro, pedras preciosas, café, diamantes, petróleo e outras matérias-primas
fizeram riquezas fáceis e rápidas, mas frágeis e inconstantes.
Muito do que precede é mentira. Ou
enganador. E muito é verdade. Ou factual. Mas o problema é real: há
incapacidade para criar riqueza em Portugal.
Pelo menos em proporção do que se gasta, do que se necessita ou do que se
espera. A
legislação de atracção de investimentos estrangeiros é tosca, insuficiente,
parola e venal. A actuação dos governantes e dos empresários junto dos
meios financeiros mundiais dedicados ao investimento é medíocre e pedinte. As condições legais e fiscais de desenvolvimento de uma
actividade lucrativa em Portugal são difíceis, pouco atraentes e até
repelentes. Os parceiros portugueses para grandes empresas e grandes
investimentos estrangeiros são pouco experientes, muitas vezes tacanhos e quase
sempre débeis. O Estado
português, que cresce pouco, mas engorda muito, não tem agilidade para atrair
investimento, ser flexível, garantir estabilidade e segurança. O Estado
refugia-se no que sabe fazer, a burocracia, a corrupção e o favoritismo.
O PRR, Programa de Recuperação e
Resiliência (designação europeia estúpida e saloia), é sinal exacto de que vêm aí Euros. Como
se sabe e viu, não é a primeira vez que tal acontece. O governo faz propaganda
todos os dias e anuncia medidas que são um verdadeiro bodo aos pobres. A
oposição de centro e direita tenta antecipar-se e já propôs gastar, ainda mais
do que o governo pretende, com a saúde, a educação, a segurança social, os
idosos, os pobres, os sem abrigo, os imigrantes, os grupos do rendimento
mínimo, os desempregados… A esquerda quer gastar ainda mais, evidentemente,
liquidando, de passagem e preferência, a economia privada. Todos, aliás, governo, direita e esquerda, exigem uma
acção imediata para contrariar a inflação, minimizar os efeitos dos aumentos do
custo de vida e apoiar os aumentos das rendas de casa. Mas
poucos, muito poucos, propõem ou exigem que se crie riqueza.
A pergunta é simples: quem vai pagar?
Aonde há recursos financeiros para distribuir, para pagar as benesses e os
benefícios, para sustentar aumentos de salários, subsídios e pensões, assim
como para custear o aumento das despesas com a saúde, a educação e a segurança
social? É tão estranho vivermos num país onde a principal preocupação é a de
gastar dinheiro, mas nunca ou quase nunca de fazer dinheiro, criar negócios,
desenvolver actividades e, numa só palavra, criar riqueza!
Uma coisa sabemos: gastar sem criar
pagar-se-á muito caro dentro de pouco tempo.
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