terça-feira, 20 de setembro de 2022

Certezas só no fim

 

Mas venham o José Milhazes e o Nuno Rogeiro para traduzirem as notícias da esperança, a lavar-nos diariamente a alma… e a figura de um extraordinário animador da sua luta, que nunca desistiu, como é esse herói Zelensky, mais todos os países que se lhe aliaram com material de guerra estimulante e mais os chefes ocidentais, a começar pela Presidente da Comissão europeia, Ursula von der Leyen que têm sempre apoiado esse herói na sua “rebeldia” contra a figura monstruosa do russo Putin… venham todos esses e mais um Deus poderoso e justiceiro… e recomecemos a viver… até ao monstro seguinte, que a inteligência humana favorece, no seu contínuo avanço técnico…

As nossas opiniões decidem-se na Ucrânia

Se Putin não for derrotado na Ucrânia, a próxima década de 30 pode bem lembrar os anos 30 do século passado.

RUI RAMOS Colunista do Observador

OBSERVADOR, 16 set 2022, 00:2137

É fácil verificar como, na guerra da Ucrânia, as previsões andaram sempre atrás dos acontecimentos, mudando conforme o resultado dos combates. Em Fevereiro, perante a invasão russa, nenhum especialista esperava que a Ucrânia resistisse: era uma questão de dois ou três dias, diziam os mais bem informados, enquanto mediam o comprimento do comboio de blindados russos a serpentear irresistivelmente em direcção a Kiev. Agora, em Setembro, depois de a Ucrânia ter reconquistado a região de Kharkiv, já temos analistas a prever uma vitória do exército ucraniano, superiormente armado e motivado, contra um exército russo afinal com falta de ânimo e de armamento.

Não digo isto para achincalhar quem, a cada instante, tem de avaliar a situação com as informações disponíveis naquele momento. Digo isto apenas para lembrar que as guerras são assim: uma vez acabadas, é relativamente fácil explicar porque é que as coisas se passaram como se passaram; enquanto duram, porém, são uma surpresa constante, com todas as reviravoltas no terreno a provocar fatalmente reviravoltas de comentário e de análise. Em nenhum outro caso, como numa guerra, funciona tão claramente a regra de Keynes: quando os factos mudam, mudam as nossas opiniões.

Sucede que a evolução de uma guerra não determina apenas previsões e análises. Afecta também algo de mais fundamental: as visões do mundo. A derrota da Alemanha e da Itália em 1945 não acabou com os fascistas, nem o descalabro da União Soviética em 1991 acabou com os comunistas, mas depois dessas duas datas passou a haver respectivamente muito menos fascistas e muito menos comunistas. Para muita gente, como memoravelmente notou H.L. Mencken, as manifestações de poder são sempre mais persuasivas do que quaisquer argumentos. Por isso, as guerras foram um ponto final de muitos debates ideológicos: quem ganha, e enquanto ganha, passa a ter razão.

Vimos algo parecido durante a campanha contra o fundamentalismo islâmico. Enquanto o Estado Islâmico conquistou território na Síria e no Iraque, por volta de 2014 e 2015, não faltaram entusiastas ao fundamentalismo para cometer barbaridades no Ocidente. Desde que o Estado Islâmico foi destruído, entre 2017 e 2019, os atentados no Ocidente diminuíram. Entre outras razões, certamente porque ideologias associadas a derrotas atraem menos seguidores.

É por isso que na Ucrânia está mais em causa do que a integração europeia ou a política energética alemã. Está em causa tudo isso, sem dúvida, mas estão também em causa as nossas preferências políticas e ideológicas. A ditadura neo-soviética de Vladimir Putin pretende ser uma alternativa existencial ao Ocidente, como foi a velha União Soviética. É quase certo que usaria uma vitória na Ucrânia para demonstrar que o é. E há já quem esteja preparado para nesse caso descobrir virtudes às suas ideias e métodos. Na Europa, comunistas e esquerdas anti-capitalistas mal disfarçam, atrás de uma cínica condenação genérica da guerra, a sua simpatia por um ditador determinado a abalar a ordem internacional em que estão ancoradas as democracias liberais e as economias de mercado. Nos EUA, algum conservadorismo, descrente em relação à possibilidade de fazer valer os seus valores através do debate, parece fascinado por um “regime forte” supostamente decidido a pôr termo à “decadência moral. Se Putin ganhasse na Ucrânia, uns convencer-se-iam de que as democracias estão vulneráveis, e outros de que as ditaduras são muito mais eficazes. O neo-sovietismo de Putin, alinhado com o comunismo chinês, poderia aspirar a ser moda. Talvez a próxima década de 30 lembrasse os anos 30 do século passado.

Os soldados da Ucrânia estão a decidir, não só por onde vão passar as fronteiras, mas o que muita gente, sempre susceptível às causas bafejadas pelo sucesso, vai pensar amanhã. Esperemos que os factos ajudem as boas opiniões. Como dizia o general MacArthur, nada substitui a vitória.

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COMENTÁRIOS:

Carlos Chaves: Caríssimo Rui Ramos, nem todos temos a capacidade de ver mais além daquilo que nos é óbvio. Nesta e noutras crónicas suas fica evidente, de como um historiador como o Rui, não está só virado para o estudo do passado, mas antes pelo contrário, dá-nos pistas para o futuro ensinando-nos a raciocinar para além do evidente. Obrigado por mais uma excelente crónica.            Carlos Quartel: As democracias, enquanto regimes de paz e tranquilidade, têm tendência para fazerem cedências nos princípios, a troco de um bom negócio ou na tentativa de segurar a paz. Fizeram-no com Hitler, vendendo a Checoslováquia e repetiram-no com Putin, tolerando a Geórgia e a Crimeia, só acordando com a Ucrânia.  Mais uma lição que nos diz que  devemos ser intolerantes, activos e duros com ditaduras e ditadores. Estes e estas só podem ser travados com  a força. Os princípios da liberdade, da tolerância, da livre diversidade de opiniões, da alternância no poder não são algo que possa ser metido na gaveta por uma oferta de gás ou petróleo a bom preço. As comodidades vêm depois, primeiro está a liberdade......              Eduardo Cunha: excelente crónica.              José Manuel Pereira: Quando leio as crónicas do Rui Ramos aprendo sempre algo novo o que é coisa que muito gosto.        António Cézanne > Liberales Semper Erexitque: É mesmo o melhor que tem a fazer, aprender russo e dar corda aos sapatos rumo a Moscovo porque acabe como acabar esta guerra, do lado de cá não vai ter grande futuro com essa libertinagem na língua. A não ser que dobre a língua e meta a viola no saco. Simples!        Luis Sarmento: Muito bom texto. O passado já mostrou que contemporizar não é solução. O Rui Ramos aponta bem que o resultado desta guerra definirá o nosso futuro e o dos nossos filhos. Parafraseando John Lukaks, a Ucrânia pode não ter ganho a guerra em fevereiro, mas decidiu não perdê-la e isso é muito importante e uma lição para o mundo. É certo que a guerra imporá dificuldades à Europa, mas também é certo que estas terão um custo muito menor que o custo que nos seria imposto com uma vitória de Putin. As dificuldades europeias serão apenas uma pequena parte do custo suportado pelos ucranianos e uma boa parte dos benefícios da resistência Ucraniana serão usufruídos pelos europeus.                  Nuno Bastos > Eduardo L: "Apologista dum tipo de democracia diferente da do ocidente"? Esta frase diz tudo sobre a sua visão de Putin, ao bom estilo do PCP. Quanto ao Donbass, essas supostas "aspirações legítimas" foram artificialmente criadas em 2014, depois da revolta de Maidan, em Fevereiro desse ano, que levou à fuga do então presidente ucraniano Viktor Ianukovytch. A Rússia anexou a Crimeia e começou a distribuir passaportes em massa no Donbass e a instigar e armar milícias pró-russas, criando um problema que não existia.              Paulo Orlando: Deveríamos todos reler J. R. R. Tolkien. Não é por acaso que os ucranianos denominam os russos como Orcs. As gerações pós II Guerra estão embriagadas de boa vida, despojadas de valores milenares desconhecendo os custos dos seus caprichos e apenas se preocupam por causas artificiais bem arquitectadas. Só vão reagir quando os Orcs lhes entrarem pelas casas adentro. Haja algum hobbit que os inspire a lutar antes que seja tarde.              myname Eduardo L: Mesmo que as alegadas  "aspirações legítimas à autonomia das regiões do leste" fossem autênticas e não forjadas pelo Kremlin tendo em vista uma futura anexação pela Rússia das ditas regiões (como fica agora bem evidente), isso seria sempre uma questão interna da Ucrânia na qual a Rússia, ou qualquer outro país, não tinha, não tem, que se imiscuir. Imaginemos que o Algarve tinha aspirações autonómicas (reais ou forjadas) e que esse facto gerava uma contenda com o poder central. Isso legitimava que os vizinhos Espanhol ou Marroquino invadissem Portugal sob o pretexto de virem defender as populações Algarvias? Apenas existem duas explicações possíveis para determinados tipos de argumentação que vamos vendo por aí sobre os mais variados temas: ou quem os brande é cronicamente "estúpido" ou então faz dos outros "estúpidos". Não existe uma terceira hipótese            António Pais: A Europa tem tudo a ganhar ou tudo a perder com esta guerra. Não há espaço para dúvida.       Madalena Sa: Óptima crónica!

 

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