Alberto Gonçalves troça, ao seu modo ambíguo, mas o certo é que a singeleza do nosso queixume já vem nas trovas de amigo e continuaram no fado, é, pois, pecha antiga… e, em concomitância, a da ambição de mudança, que também se foca por cá, com a nossa inteligente Amália a expressá-lo: “Havemos de ir a Viana”. Tudo se resolverá, pois, a seu tempo e a contento, como nas próprias “Flores de verde pino”, com uma natureza compincha e maternal, dando esperanças de que o amigo “será vosco ant’o prazo saído”… Esperemos, pois, sem queixume. Até porque, como afirma AG, os pensionistas encarregar-se-ão de ir falecendo e o “après moi le déluge”, também muito nosso, ir-se-á impondo no nosso mundo e no nosso mando, como sempre foi, e até sempre, enquanto o “sempre” nos pertencer…
Os portugueses queixam-se de quê?
Em 2024, com
jeito, inúmeros pensionistas já faleceram. E se a população activa nem assim se
satisfaz, que emigre para ver como elas mordem na Moldávia.
ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador
OBSERVADOR, 24 set
2022, 00:2172
Os portugueses queixam-se de quê? Ganham,
por enquanto, o 23º melhor salário médio da Europa, bem acima dos habitantes do
Kosovo e da Moldávia, coitados. Para cúmulo, exibem o 28º maior poder de
compra de todo o continente, é verdade que aquém da Roménia e do Chipre, mas um
pedacinho além do Montenegro e a milhas do Cazaquistão, pobrezitos. Não
admira. Por cá, a inflação está só meio pontinho percentual acima da média
da Zona Euro, que rondou em Agosto uns reles 9,1%. A propósito, desde o
início do ano que só em 16 membros da mencionada Zona o preço dos alimentos
aumentou menos que em Portugal. E, salvo os restantes 26, também somos o país
da UE em que os índices de pobreza aumentaram menos: sublinhar os 2,3 milhões
de pobres é uma atitude populista e que visa esquecer os 7 milhões e tal de
remediados ou francamente ricos.
Os nossos privilégios não têm fim.
Graças a taxas que não excedem os 60% do preço final, e apesar da natural
ganância das gasolineiras, o gasóleo, da última vez que vi, era para aí o
35º mais barato da Europa (e a gasolina a 37ª). E não promete piorar
muito. Para cúmulo, somos o 23º país da UE
com menos impostos na hora de comprar um carro, e nem vale a pena falar no
pouquíssimo que custa mantê-lo. De resto, o automóvel particular é
apenas uma opção, felizmente em desuso. Boa parte de algumas cidades de
certas regiões do litoral dispõem de uma excepcional rede de transportes
públicos, os quais, se não estiverem em greve ou avariados, funcionam
impecavelmente. E não preciso recordar a invejável e pertinente rede de
ciclovias.
A habitação? Não me façam falar da habitação. Até ver, a subida do preço das casas nunca chegou
aos três dígitos. E, embora não haja dados explícitos (não interessa aos
estrangeiros que estas coisas se divulguem), acredito que uma moradia geminada
na Moita continua a ser um pedaço menos dispendiosa que uma “penthouse” em
Berlim ou Paris. O agravamento das prestações, decorrente das taxas de
juro a cargo do BCE que o exemplar governo tenta contrariar com generosidade,
dificilmente ultrapassará as centenas de euros mensais. E refiro-me a apartamentos
de gabarito, estilo T2 e tal. Não acredito na subida vertiginosa da prestação
de um óptimo estúdio com 35 m2 em Cabeceiras de Basto. E um estúdio que estará
quentinho no Inverno: a electricidade é a 30ª mais barata da Europa. O
gás natural, suponho, idem. E um cobertor polar, acabei de constatar, compra-se
por 8€ em loja da especialidade.
Que
mais querem? Como se as benesses não fossem bastantes, o governo admite
eventuais dificuldades e tira do próprio bolso uma substancial ajuda para que
os cidadãos, os que não são bilionários e auferem 2700 euros, possam enfrentar
algum imprevisto. São dois mil milhões, quase metade do que se investiu
– e bem – na TAP, quase um terço do acréscimo em receita fiscal que, por causa
da inflação, o Estado arrecadou – e bem – no primeiro semestre do ano. Em
Outubro, que está à porta, os pensionistas receberão pensão e meia, a classe
trabalhadora receberá 125 euros para esbanjar no que lhe apetecer. Somente
a má-fé pode lembrar que, assentada a poeira dos cálculos, os primeiros vão
perder 200, 400 ou 600 euros por ano a partir de 2024, e que 125 euros é uma
fracção do que o fisco arranca regularmente aos segundos. Em 2024, com jeito, inúmeros
pensionistas já faleceram. E se a população activa nem assim se satisfaz, que emigre
para ver como elas mordem na Moldávia.
Para
lá de traírem a pátria, os que emigrarem mostram imprudência. Esta semana, os
profetas da desgraça, que teimavam na falência da segurança social, foram
informados de que as reformas do futuro rondarão os 40%, quiçá
50% dos últimos salários. Alguém arrisca perder tamanho maná? E ninguém, de perfeito juízo, abandonará o melhor
SNS do mundo, dado que as urgências fechadas neste ou naquele hospital não
comprometem as que permanecem abertas. Nem o melhor sistema educativo do
mundo, o que se comprova pela irrisória quantidade de alunos que reprovam e
pela quantidade de professores que, apesar de insuficientes, ainda existem. Nem
os melhores lares de idosos do mundo, logo que não haja feridas abertas e
formigas. Nem os melhores estudos do mundo para o melhor novo aeroporto de
Lisboa do mundo. Nem o melhor clima, a melhor comida, o melhor vinho, as
melhores feiras medievais, as melhores rotundas e as melhores alucinações do
mundo.
Nem, sejamos francos, o melhor
governo. Nisso, não
há dúvida de que tivemos sorte, aliada ao mérito dos que, na hora do
voto, escolheram com sensatez. Liderado por um estadista de dimensão rara, e
composto por personalidades da confiança do estadista e do ISCTE, é um governo
que não mente ao povo excepto sempre que os factos arriscam promover a
instabilidade política e social. Um governo que vai penalizar os lucros
excessivos das empresas – quais? – que ousam desgostar do prejuízo. Um governo
que assegura a “transição energética” e a “transição digital”. Um governo que
prescreve a “convergência”, nem que seja com a Nicarágua. Um governo que
batalha pela igualdade de “género” e do que calha nas Forças Armadas e onde
calha. Um governo que bloqueia o avanço da “extrema-direita”. Um governo que
garante a carga fiscal e a justiça redistributiva. Um governo que sabe o que
quer e que sabe o que é preferível nós querermos. Em suma, um governo que dá
esperança.
Não
significa isto que, no limite, os portugueses não se vejam forçados a refrear
ligeiramente a vida de abundância que levam desde que o PS virou a página da
austeridade. Caramba: houve a pandemia e há a guerra. Na pandemia, um vírus
danado encerrou sozinho comércios, indústrias, blocos operatórios e as áreas dos
supermercados destinadas a livros e brinquedos. A guerra explica as chatices
que sobram. E nem invoco as alterações climáticas, essas bandidas. Temos de
aceitar a realidade. Não temos de comer todos os dias. Mas importa agradecer,
sobretudo ao dr. Costa, os dias em que comemos.
Os portugueses queixam-se de quê? De nada. Aliás, os portugueses não
se queixam. Perante a imensa miséria que nos espera, isso é notável, para não
dizer doentio. E para não dizer desumano.
CUSTO DE
VIDA ECONOMIA GOVERNO POLÍTICA
COMENTÁRIOS
Margarida Rosa: observador
censurado. O Alberto Gonçalves fez a pergunta certa. De facto, o ministro da
saúde e os seus secretários de estado não sabem resolver os problemas da saúde?
Não há problema, cria-se um Ministério da Saúde nº 2 e pagamos os salários a
todos os que trabalham no Ministério da Saúde nº 1 e
os que trabalham no Ministério da Saúde nº 2. jorge espinha: eu sei que o tom é irónico, mas os portugueses não
se podem queixar. Quase 2/3 do parlamento está nas mãos da Esquerda há 7 anos.
Os maiores centros urbanos são manchas rosas e vermelhas. Foi o que escolhemos.
Isto para não falar que o Cds fez hara kiri, o psd foi liderado nos últimos
anos por uma nulidade e a "lufada de ar fresco " o CHEGA não serve
para mais nada para além de insuflar o ego do camara Ventura. E a cerejinha? O
Celinho, claro. Temos o que merecemos. Carlos Almeida:
Muito bem! Adorei o sarcasmo. Alberico Lopes: Alberto: que crítica mais corrosiva! Agora se percebe
porque foi saneado do DN! Oxalá que o Observador continue a dar-lhe espaço para
nos deliciar com o que escreve! E que são verdades indesmentíveis ! Parabéns,
mais uma vez! Paulo Silva: E você, ainda acredita nos glutões?... (fraseado de um comercial a uma marca de detergente nos
anos 80) Já
aqui se recordou e bem, quem com ferros mata, com
ferros morre. A narrativa dos esquerdoidos de que as crises só têm dor
por manifesta má vontade da direita - com eles é tudo um mar de rosas indolor -
está a virar-se contra eles e a levar com um banho de realidade. As crises
estão cheias de espinhos, em especial as que trazem o odor fétido dos
ilusionismos rosa-choque-escarlate. Agora choram?!… Vá lá, não sejam piegas! Paulo Cardoso:
Perfeito, Alberto. Só ficou por referir
uma razão mais, para os portugueses não terem razão em se queixarem: temos o
presidente mais atento, coerente, visionário, isento, comedido no discurso e
pertinente nas intervenções, que algum povo do planeta alguma vez teve. Luís Marques: Alberto Gonçalves esqueceu-se de referir que temos a
sorte de ter um governo que reforma o SNS com a criação de um novo tacho
prontamente ocupado por um boy. É genial! pedro santos:
👏👏👏 super 👌 De
leitura obrigatória João
Floriano: Os portugueses queixam-se de barriga
cheia, essa é a verdade mais verdadeira. Queixam-se de barriga cheia de 7
anos de governação socialista e de esquerda em que tudo desmoronou: SNS,
Educação, Justiça, combate à pobreza e à exclusão, Segurança Social, Forças da
ordem, convergência com os restantes países da UE........ Aliás na questão da
educação estou a cometer um erro grave de apreciação. Temos as melhores escolas
do mundo porque os alunos tiram altas classificações no final do ano mesmo
quando não tiveram professores. E temos também avançado e muito no terreno da
protecção animal. Para além de termos um partido completamente devotado ao bem
estar dos animais, cuja utilidade na Assembleia é por demais evidente a
escrever relatórios, pulgas, baratas, ratos e formigas são verdadeiras mascotes
a alegrar o dia a dia dos utentes dos lares das Misericórdias que
se divertem a ver quem se coça mais. Os portugueses queixam-se de barriga cheia
de miséria e mesmo tendo sido pouco inteligentes na maioria absoluta que deram
ao PS. mereciam muito melhor e sobretudo mereciam ser respeitados. Carlos Chaves:
Apesar do discurso oficial, vá lá que
já abandonaram o “vai ficar tudo bem”, que somos os melhores do mundo, esta
“prova do algodão” com números, rankings e episódios lancinantes que o Alberto
nos trás aqui hoje, mostra exactamente o contrário. Obrigado Alberto por
estar do lado daqueles como eu, que por vezes se pergunta, se somos só nós (e
poucos) que estamos a ver o enorme engodo com que nos querem apanhar, quando
nos é evidente o desastre que nos está a acontecer.
Maria
Melo: Muito boa a crónica de diagnóstico
mordaz! E
a solução é? Soluções
urgentes são necessárias… quais? Por exemplo, acabar com o Socialismo! Temos
como Ministro das Finanças um indivíduo sobre o qual recaem fortes “suspeitas” de corrupção passiva na aquisição de um andar
de luxo, que alegadamente foi quase oferecido, ou com o preço de um T0 naquela
zona. Temos um PM que também faz estes negócios. Não se queixem
não! Nem façam nada! Afundem ainda mais Portugal! Não vão ser as alegadas
“alterações climáticas “ que vão submergir Portugal, são os votantes na
esquerda e os abstencionistas.
Ricardo Dias: Seria bom que
mais jornalistas escrevessem artigos como este, que contrastem os factos reais
com a ficção socialista. Infelizmente a esmagadas maioria dos agentes da
imprensa não passam de porta-vozes do socialismozinho medíocre, retrógrado,
mesquinho que destruiu este país nos últimos 40 anos. Qualquer cidadão que
tenha a audácia de acusar a teia de corrupção instalada neste país, seja a que
nível fôr, é logo alcunhado de fascista de extrema-direita. Só não ouço ninguém
acusar o (des)governo total em que vivemos como aquilo que é: uma organização
de extrema-esquerda em total caos. Fora com o incompetente do António Costa e
dos seus amiguinhos corruptos. Está na hora de pôr ordem neste país, que merece
bem melhor que esta cambada de incompetentes e descarados ladrões. Maria Tubucci:
Grande AG, domina com mestria a língua
“socialistês”, que traduzida para português é sempre o contrário do que afirma.
Só lhe faltou mesmo dizer, que temos o melhor PM do mundo e arredores, toda a
sua ação é para melhorar a vida dos portugueses, os seus. Como se pode observar
pelos índices internacionais, estamos nos primeiros lugares dos países menos
bons e toda a gente sabe que os primeiros lugares são sempre bons. Aliás, o Xôr
PM, do alto do seu modesto T1, suportado por uma obesidade, graciosa, contempla
a massa amorfa que se esgadanha para se conseguir sustentar, perdão, para
agraciar o regime com o seu esforço e com imensa satisfação pessoal, diz para
si próprio,” Estou feliz, quero ficar aqui, no meu Portugal e contemplar o
Universo.” Regina
Nabais Menezes: Fantástico
texto, como é são quase sempreObrigada, Inteligente, mordaz e bem humorado.
Obrigada, Senhor Jornalista Adalberto Gonçalves. 👏👏👏 Maria
Silva: Excelente!
(como sempre). Obrigada,
AG, por não se cansar e continuar a dar voz a tantos como eu que (pelo
menos) há 2 anos não nos conformamos com as grandes incoerências e o imenso
"estado de coisas" em que abunda a incompetência, mediocridade
e, o mais grave, a imensa falta de respeito que tudo isto revela pelo povo
português. O
pior é que não vejo alternativa.... José Ramos Há algum tempo que Alberto Gonçalves não usava, com
tanta precisão e crueza, o aguçado punhal florentino que eu tanto lhe gabava no
DN, quando esse era um jornal plural e não a folha que é hoje. Belos e justos
golpes, AG. Parabéns. Alice
No País das Maravilhas: Será
o ADN selectivo da mansidão paralisante dos portugueses que nos trouxe até
aqui?...ou seremos apenas um povo simplesmente acomodado, onde em terra de cegos quem tem olho é rei? É
realmente um caso de estudo!
Maria Soares: Muito bom!
Nenhum comentário:
Postar um comentário