sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Um texto pertinente


Este de João Távora, defensor das monarquias, como garante de uma permanência pátria mais respeitável e digna de consenso. Mas já são poucas as monarquias, adeptos que são os Homens dos conceitos de igualdade e liberdade que põem em causa, em grande alarido, valores e respeitos, que os povos nórdicos mantêm, talvez, por educação e orgulho próprios ... ou frieza superior, em paralelo com o seu clima.

 

A pátria com figura humana

As monarquias existem porque a esmagadora maioria das pessoas não comungam dos ressentimentos sociais e das ideias políticas dos danieis oliveiras e das carmos afonsos da vida.

JOÃO TÁVORA Presidente da Direcção da Real Associação de Lisboa

OBSERVADOR, 15 set 2022, 00:1633

«Ver o rei na sua força calma é ver a pátria com figura humana»
António Sardinha

A esquerda radical, numa reacção pavloviana, reagiu poucos dias depois da morte da rainha Isabel II incomodada com o espectável dilúvio mediático resultante do acompanhamento das cerimónias fúnebres e de transição na monarquia – pena é que não tenhamos mais oportunidades de abordar o tema subjacente. Nesse sentido, são exemplos os artigos de Daniel Oliveira no Expresso e Carmo Afonso no Público que, vexados, verberam contra a forma de governo monárquica, desprezando o facto de os países onde o sistema vigora serem dos melhores exemplos de avanço democrático.

Carmo Afonso usa até uma abordagem original, congratulando-se com os azares dos monárquicos em Portugal, como com a expropriação dos bens da Casa de Bragança por Salazar, do “perfil humilde” e “discreto” do Duque de Bragança, não referindo a abolição da monarquia constitucional portuguesa e a instauração de uma república, ditatorial, violenta e sempre minoritária no apoio popular, pela força das armas, ou o cobarde assassinato do Rei Dom Carlos e do seu jovem filho o Príncipe Real dois anos antes, práticas políticas que a colunista por certo aprova.

Como os antigos jacobinos ou os soviéticos mais tarde, os dois colunistas acreditam profundamente que a natureza humana, onde ancora a atracção das pessoas pela instituição monárquica e os seus rituais, é moldável. A construção de um “homem novo” que “considere a existência de famílias reais uma afronta” é um idealismo perigoso que, estranhamente, no século XXI ainda seduz demasiados activistas da nossa praça. Como no final da monarquia em Portugal, são poucos, mas ruidosos.

Percebe-se como a morte de Isabel II tenha colocado na ordem do dia e inundado o espaço público com relatos, imagens e testemunhos insuspeitos sobre as qualidades do regime monárquico. Afinal a “rainha de Inglaterra” fez a diferença. Não sei se será surpresa para os progressistas constatarem que sempre que se mudaram os regimes à força, apesar do sangue derramado, não conseguiram mudar as mentalidades como tinham idealizado. Ao menos o sonho de John Lennon no seu castelo de marfim, ficou-se por uma bonita e inconsequente canção: continuarão a existir países, religiões, propriedade, paraíso e inferno… enquanto existirem pessoas.

Ora, as monarquias existem porque a esmagadora maioria das pessoas não comunga dos ressentimentos sociais e das ideias políticas dos danieis oliveiras e das carmos afonsos da vida. Do Daniel Oliveira, que se faz distraído confundindo votos com legitimidade, sabe-se que se viu obrigado a arrumar o seu passado político no PCP numa gaveta funda quando não era mais possível esconderem-se os milhões de vítimas do comunismo que professava. Nesse sentido convém responder à pergunta: qual a razão dos noticiários darem tanta atenção às exéquias da rainha de Inglaterra e à transição em curso na coroa britânica? Porque o público é sensível e adere ao drama humano e à beleza estética que emana desta poderosa instituição e dos seus rituais. Porque a instituição real é profundamente humana, até nas suas contradições. E o povo britânico (para não ir mais longe) identifica-se esmagadoramente com a Família Real como se fosse a sua.

Mas que isso não aflija os revolucionários de serviço: ao contrário das ditaduras progressistas, as monarquias são reféns da vontade popular, e assim persistiram ao longo dos séculos com uma extraordinária capacidade de adaptação. E perseverarão enquanto as nações permanecerem humanizadas, alicerçadas em famílias e em comunidades livres, a resistir ao individualismo radical, que tudo fractura e atomiza numa epidemia de microcausas, guerreando-se, enfim, numa barbárie que sempre espreita a oportunidade para vingar.

Em homenagem à era isabelina tudo e mais alguma coisa já foi dito nos jornais, rádios e televisões, e o assunto continuará a ser escalpelizado durante os próximos dias, pelo que duvido que consiga dizer aqui alguma coisa de verdadeiramente original. Além da grande admiração que nutro pela rainha e pela coroa britânica, que no mundo se mantém estandarte dos valores ocidentais da liberdade e da democracia com que me identifico incondicionalmente, como monárquico, tem sido para mim particularmente reconfortante assistir, no debate que acompanha as impressionantes cerimónias, ao enorme consenso sobre a qualidade e pertinência das monarquias da velha Europa civilizada. Já é para mim um mistério por que domesticamente são tão poucos os que retiram daí as devidas ilações.

Impressionou-me particularmente a chegada do Rei Carlos III a Buckingham, no seu primeiro contacto com a população perplexa, após a morte da sua querida mãe. Sentia-se ali um misto de dor e de esperança na continuidade, personificada pelo novo rei. Uma projecção da transcendência aspiracional que é cimento das comunidades robustas. Impressionou-me adivinhar nessa multidão a grande diversidade de etnias e culturas que compõem por estes dias o Reino Unido e o enriquecem e que nem por isso deixaram de partilhar o mesmo sentimento de perda e a mesma confiança na continuidade.

Curioso é como o Reino Unido, que enfrentou tantos desafios trágicos e tormentas nos últimos 70 anos, se, por um lado, perdeu um império, afirmou-se como uma potência cultural no mundo inteiro, muito desproporcional ao seu peso geopolítico. E a mensagem subjacente, nas artes, na literatura, no desporto, na música popular, no audiovisual, vem sendo genuinamente boa: é de civilização.

O reinado de Isabel II, a Rainha global, deixa ao planeta inteiro esse legado. Já o Rei Carlos III tem todas condições para contribuir para que o Reino Unido enfrente, tal como o seu nome o indicia, as tempestades que se perfilam adiante daquela complexa realidade multinacional e multicultural: sejam os separatismos ou a crise económica que se espera que seja muito dura. Mas de quem tenho mais pena é das republiquetas revolucionárias do sul da Europa, que não souberam resistir ao canto das sereias dos revolucionários, convencidas que estão que é possível moldar a natureza humana e as suas afeições. Nem que seja à força.

Coitados de nós, que temos aquilo que merecemos.

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COMENTÁRIOS:

José Paulo C Castro: Portugal é um reino. Acabou em 1910. Agora, temos a República Portuguesa, que é coisa diferente, dissolvente e insolvente, destinada a desaparecer suavemente na importação de ideias estrangeiras de país.  A única vitória real (e errada) da RP foi pôr o povo Português a jurar e respeitar a bandeira com cores erradas. As cores de uma associação maçónica e seu partido. De resto, o caminho é tornar-se a província europeia chamada Portugal, depois a região lusófona da Europa (ou da província Hispânica europeia) e ficar uma memória. Não vai sequer ser a região do mundo onde mais se fala a língua portuguesa. Todo esse caminho dissolvente é diferente de ter uma identidade, ser uma pessoa inteira entre as Pátrias, enfim, ser um reino. Acho que os britânicos percebem isso muito bem, por isso não vão deixar cair a sua identidade.            Lily Lx: Não é comparável o carinho que a monarquia britânica recebe, nesta hora, com o carinho que qualquer político português desta República recebeu nas suas cerimónias fúnebres. Tentaram vender o Dr. Soares como o pai da democracia portuguesa. Não foi bem vendido, porque a despedida do Dr. Soares não interessou a quase ninguém, exceptuando às suas famílias (de sangue e política).               José Paulo C Castro > Caetano Brandao: As casas reais têm património público suficiente para se sustentarem. Excepto a portuguesa que foi expropriada numa fundação pública... senão também tinha. Está mais que provado que as casas civis republicanas gastam mais ao erário público do que as reais. E com menos proveito.               José Paulo C Castro > mario jorge correia guimaraes: A monarquia não é uma nomeação sem créditos. É uma regra de sucessão que define o cargo, quer a aleatoriedade do cargo, quer a permanência do mesmo, evitando o vazio de poder. Os créditos vêm dessa regra e da estabilidade que traz. Não têm nada a ver com o titular do cargo. Isabel II não imaginava que seria rainha quando era criança. Também não escolheu, apenas aceitou. Já a escolha, traz uma rotatividade e oscilação ao cargo, dependências e divisões. Que consiga resultar em pessoas com mérito, essa é a ilusão... A verdade é que você não sabe quem vai ser o chefe de Estado português em 2027, enquanto Espanha tem uma razoável ideia de quem o será em 2045 e até em 2060, se calhar. E não perde democracia nenhuma nisso.            Ark NabuL > Caetano Brandao Se calhar o resultado de um referendo no UK para substituir a monarquia pela república teria um resultado "ridículo". Relativamente ao dinheiro, tanto quanto sei, e é pouco, a monarquia, pelo menos a inglesa, gera muita receita. Pelos menos, os dados de 2017 assim o indicam.

 

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