Aos feitos pátrios, certamente, pelo mundo, embora não só, pois também os homens do mundo lhe merecem atenção tamanha. E, como afirma o seu amigo Adriano Lima é cada vez mais apurado o requinte da sua expressão plástica, de acordo com a referência histórica, que prima pela multiplicidade dos referentes a merecer-lhe a atenção e o regozijo, sobretudo pela sua história, que envolve os lugares e os nomes conhecidos, como também o genérico inominado, soldado ou navegador desconhecido, igualmente corajoso e lutador, a colherem todos o destaque que aquele lhes dá, com a emoção de quem se sente já apenas um sobrevivente dos que prezavam a sua História - a qual tende não só a ser menosprezada como a ser definitivamente esquecida - ou sagazmente aproveitada, como recentemente aconteceu, para serem achincalhados esses que a defenderam, por quem, rasteiramente a ultrajou, desculpabilizando-se, junto das populações visitadas, das prestações menos humanas, naturalmente, em tempo de terrorismo acicatado pelos papões do mundo, e em defesa da estabilidade própria. Por isso estamos gratos ao Dr. Salles da Fonseca, pelos seus textos sinteticamente expressivos de saber e de intenção crítica.
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO 06.09.22
Ficou célebre a frase de Vasco da Gama
em que ele disse que «Há homens para tudo, até para andar ao mar».
Foi já no século XX que o meu avô
conheceu um Comandante da Marinha Mercante que, em serviço, usava habitualmente
um chicote.
* * *
Nem
todas as ondas foram sempre cavalgadas por nobres cavalheiros e heróis, também
as houve galgadas por plebeus, vilões e quejandos «de quem só Deus sabe»…
Seria bonito dizer aqui que é
gloriosa a saga de um povo que cavalgou os mares para conquistar o mundo mas a
realidade não se fica por aí: moldou-se pela necessidade do ganho de dimensão
que nos permitisse a defesa contra a cobiça do vizinho ibérico, pela fuga da
fome causada por terras curtas e magras, enfim, por aqueles que, depois de
algumas doses de carrascão do Cartaxo, adormeciam à porta das tabernas
lisboetas e acordavam com o balanço das naus fazendo já parte das tripulações.
E, contudo, todos serviram a causa.
Uma das maiores fraudes intelectuais
que hoje podemos cometer é o julgamento da História ao abrigo dos actuais
conceitos éticos, nomeadamente a questão da escravatura.
O
Império que os nossos navegantes construíram foi eminentemente comercial e
marítimo. A componente terrestre foi sobretudo uma consequência, não um
propósito. As especiarias e os escravos eram as «commodities» de então
que os nossos mareantes compravam ali para vender acolá… e os mares não tinham
fim…
Quem foram os comerciantes
portugueses que colaboraram na reconstrução de Jakarta depois de vizinhos
malignos a terem arrasado? Quem foram esses embarcadiços que colaboraram na
saga do dente de Buda no regresso a Candi? Quem foram, Cavalheiros ou de
outras condições, que criaram e fizeram funcionar os 17 hospitais de apoio à
rota da Índia entre Tavira e Baçaim? Quem foram os soldados e marinheiros
algarvios daquém e dalém mar em África que se perderam com Gaspar e com Miguel
Corte Real nas imensidões do Atlântico Norte? Quem foram os que morreram com
Bartolomeu Dias? Tantos… muitos mais do que todos aqueles que ficaram na História.
E, contudo, todos eles fizeram História. Então,
já que o «Padrão dos Descobrimentos»
celebra os feitos dos gloriosos, façamos da Torre de Belém o «Memorial ao Navegante Desconhecido».
6 de Setembro de 2022
Henrique Salles da Fonseca
Adriano
Miranda Lima 07.09.2022 12:4: Assinalo essa curiosa mas credível metáfora: ficava-se a dormir à porta
das tabernas com uma grande bebedeira e acordava-se a bordo de uma nau balouçando sobre as ondas. Outros chegavam das terreolas e de
repente trocavam a enxada pela corda das enxárcias. E a maior parte não sabia nadar, pelo que o
"grito de homem ao mar" lançado a bordo de uma nau não seria mais que
uma formalidade. O homem ao mar o mais certo seria um homem morto. Depois, como não tenho estômago de marinheiro, calculo
o sofrimento por que passariam esses infelizes até o conseguirem obter. Mas se
uma qualidade inegável do português é a espantosa capacidade de adaptação,
assim se explica a superação dos transes por que passámos para nos tornarmos os
maiores navegantes do planeta naquela era em que todos os outros temiam os
adamastores e monstros marinhos. A História só pode ser justa para esses indómitos
marinheiros. Um abraço. Adriano
Lima
Anónimo 07.09.2022 16:14: É abominável a escravatura, mas classificar o que se
passou há séculos com olhos do presente é, como dizes, Henrique, uma fraude
histórica. Temos que
assumir o passado com o que foi de bom, de menos bom ou até mau. Não será,
por acaso, que o conhecido engenheiro naval “Álvaro de Campos”, na sua
"Ode Marítima", saúda os “Homens que erguestes padrões que destes
nomes a cabos! / Homens que negociastes pela primeira vez com pretos!” (…) “Que
trouxestes ouro, missanga, madeiras cheirosas, setas/ De encostas explodindo em
verde vegetação!”, mas também “Que primeiro vendestes escravos de novas
terras!” (…) “Homens que saqueastes tranquilas povoações africanas, / Que
fizestes fugir com ruído de canhões essas raças,” / (…). Pessoas
avançadas no Tempo, perfilhando Valores futuros, aperceberam-se cedo da
ignomínia que era a escravatura e lutaram, com risco da sua própria vida,
contra ela, como o Padre António Vieira, sobre o qual tu és autor de um livro. Não fomos os primeiros a acabar com
a escravatura, mas estivemos entre os primeiros. De início, no rectângulo
europeu, com o Marquês de
Pombal, e depois no Império, com o Marquês de Sá de Bandeira. Já uma vez escrevi no teu blog que, uma das minhas
recordações de infância, é a estátua a este, sita na Praça D. Luís I, onde eu
brincava, que tem como figura ornamental uma ex-escrava, com uma criança ao
colo, apontando para cima, para o Marquês, e com as grilhetas nos tornozelos
quebradas. Sei que os Ingleses foram os primeiros a abolir a escravatura e
tornaram-se, com a sua armada, “polícias” do mundo para evitar que ela
continuasse, mas ficar-me-á sempre a dúvida se esse comportamento foi por adopção
precoce de Altos Valores, ou se foi por a Revolução Industrial ter
possibilitado prescindir desse tipo de mão-se-obra. Seja como
for, nós abolimos a escravatura na ponta da pena, enquanto outros só o
conseguiram, como os EUA, pela ponta das baionetas. Como hoje comemoram-se os 200 anos de Independência
do Brasil, também me lembrei que o País Irmão extinguiu gradual e tardiamente a
escravatura, designadamente pela pena da Princesa Isabel, filha do
Imperador D. Pedro II, e há quem
diga que isso apressou a queda do Império, por ir contra os interesses dos
latifundiários. Como se vê, a escravatura e a sua extinção são fenómenos
mais complexos do que aparentam, e soubemos que nessos dias ela existiu, a
nível de Estados, embora sob outros rótulos. Espero que ainda não subsista
por aí. Sobre a tua sugestão última, depois do vandalismo
ignorante que o Monumento aos Descobrimentos impunemente foi alvo, por cautela
deixaria a Torre de Belém queda. Grande
abraço. Carlos Traguelho
Adriano Miranda Lima 07.09.2022 18:13: Este post dá pano para muita manga e a questão da escravatura
é uma. Em posts anteriores houve ocasião, e por mais de uma vez, de censurar os
que pretendem julgar a história da escravatura segundo os códigos e preceitos
morais da actualidade.
Quanto aos ingleses, parece demonstrado, como o Dr. Carlos Traguelho lembra,
que a sua militância para a abolição da escravatura foi, efectivamente,
determinada por factores não directamente relacionados com o humanismo.
Como se eles, nesta matéria e em tudo o que se prende com os seus interesses
vitais, tenham lições a dar aos outros! Um abraço Adriano Lima
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