segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Um texto enviado pelo Ricardo.

 

De que, naturalmente, gostei, com ressalvas, todavia. E acrescento outro do OBSERVADOR, da mesma Ruth Manus de quem já tenho transcrito textos, que me agradam pela simplicidade e sensibilidade dos seus conceitos. O texto que o Ricardo me enviou, não consegui alinhá-lo, como o que retiro do Observador, por ter um asterisco atrás, que não me permite a manipulação, para lhe reduzir o tamanho.

É claro que também amo o meu país - nas vozes magníficas de tantos cantores, e na expressividade da sua apresentação, de que destaco Ana Moura, entre tantos de hoje, António Zambujo também como outros que passaram na minha vida, Amália sempre, Tonicha igualmente… além das vozes expressivas que têm vindo a público em programas televisivos, e tanto da sua música e danças populares, do Minho ao Algarve, passando pelo cante alentejano, pelo vira minhoto, e o corridinho algarvio e pelos fados de Coimbra. Da literatura portuguesa - dos cantares de amigo aos sonetos da Florbela, com a admiração enternecida pelos génios literários que foram Camões, Pessoa, com a graça de um Eça, a sagacidade de um Garrett passeante na sua terra, de um Vieira eloquente como ninguém, até mesmo tantos escritores de hoje, colaboradores em jornais ou outros… Sim, julgo que todos sentimos simpatia, por esse povo festivo que sem grande preparação técnica, mistura nas danças velhos e novos, com alegria e flexibilidade, sem grande preocupação pela harmonia estética de outras danças populares estrangeiras, que procuram igualmente o artifício igualitário das suas roupagens. Mas é um povo que nitidamente não recebeu, desde os seus inícios, a educação indispensável, mais reservada a classes de ordenação superior, segundo as distinções desde sempre existentes, e isso provocou um atraso que só desejamos que possa ser ainda reparado, apesar das más políticas educativas actuais.

Sim, somos gulosos, oferecemos diariamente não tanto programas culturais, mas programas de animação e galhardia, em que não faltam os pratos saborosos que os apresentadores dos programas nos revelam, em simpáticos jeitos de sedução e gentileza, por esse país fora, com cantos e paisagens e costumes. Mas basta-me comparar a seriedade do ponto de vista cultural de programas como “Questions pour un champion”, francês, ou o da RTP de semelhante intuito, para observarmos o extraordinário fosso que os separa, o riso e a gargalhada, juntamente com tantas perguntas sem interesse formativo, sendo características dominantes no programa português, essencialmente faceto.  

Mas sim, penso que somos alegremente levianos, embora simpáticos, por ancestrais hábitos de subserviência, que se manifestam ainda nas perguntas tontas ou ansiosas postadas pelos jornalistas aos estrangeiros, sobre este país, se lhes agrada… Por vezes não há pachorra, perante tanta penúria. Ricardo de Araújo Pereira usa e abusa da troça sobretudo aos nossos governantes, e também o acho um génio de comediante e sagaz troçador dos tais. Mas há trejeitos que eu levo a sério e nunca me fariam rir. Na ida de A. Costa a Moçambique, Araújo Pereira mostrou-nos o ridículo da dança de AC com uma mulher moçambicana, mas esqueceu-se do pedido de desculpas daquele pelos massacres em Wiriamu, infligidas aos terroristas, esquecido da situação de guerra em que se vivia e de que as tropas portuguesas eram igualmente vítimas. Pura subserviência perante o governante moçambicano, a pedir “batatinhas”, logo seguida de igual subserviência - (falsamente) elogiosa do povo português, “espalhado pelo mundo” e “dando boa conta de si” lá fora, ao que afirmou, num despropósito, segundo me pareceu.

Mas foi gentil, Ruth Manus, e como alguns comentadores do segundo texto, eu também agradeço a sua simpatia na simplicidade inteligente dos seus afectos.

I TEXTO (Enviado pelo Ricardo): 

PORTUGAL AOS OLHOS DE UMA BRASILEIRA

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Ruth Manus, é advogada e professora universitária e escreve num blogue num Jornal de S. Paulo. E escreveu isto sobre Portugal, num texto que deve ser (é !) um orgulho lermos:

«Dentre as coisas que mais detesto, duas podem ser destacadas: Ingratidão e pessimismo. Sou incuravelmente grata e optimista e, comemorando quase 2 anos em Lisboa, sinto que devo a Portugal o reconhecimento de coisas incríveis que existem aqui, embora me pareça que muitos nem percebam. Não estou dizendo que Portugal seja perfeito. Nenhum lugar é. Nem os portugueses são, nem os brasileiros, nem os alemães, nem ninguém. Mas para olharmos defeitos e pontos negativos basta abrir qualquer jornal, como fazemos diariamente.

Mas acredito que Portugal tenha certas características nas quais o mundo inteiro deveria inspirar-se. Para começo de conversa, o mundo deveria aprender a cozinhar com os portugueses. Os franceses aprenderiam que aqueles pratos com porções minúsculas não alegram ninguém. Os alemães descobririam outros acompanhamentos além da batata. Os ingleses aprenderiam tudo do zero.

Bacalhau e pastel de nata ? Não. Estamos falando de muito mais. Arroz de pato, arroz de polvo, alheira, peixe fresco grelhado, ameijoas, plumas de porco preto, grelos salteados, arroz de tomate, baba de camelo, arroz doce, bolo de bolacha, ovos moles. Mais do que isso, o mundo deveria aprender a se relacionar com a terra como os portugueses se relacionam. Conhecer a época das cerejas, das castanhas e da vindima. Saber que o porco é alentejano, que o vinho do Porto é do Douro.

Talvez o pequeno território permita que os portugueses conheçam melhor o trajecto dos alimentos até a sua mesa, diferente do que ocorre, por exemplo, no Brasil. O mundo deveria saber ligar a terra à família e à história como os portugueses. A história da quinta do avô, as origens transmontanas da família, as receitas típicas da aldeia onde nasceu a avó. O mundo não deveria deixar o passado escoar tão rapidamente por entre os dedos. E se alguns dizem que Portugal vive do passado, eu tenho certeza de que é isso o que os faz ter raízes tão fundas e fortes. O mundo deveria ter o balanço entre a rigidez e a afecto que têm os portugueses. De nada adiantam a simpatia e o carisma brasileiros se eles nos impedem de agir com a seriedade e a firmeza que determinados assuntos exigem. O deputado Jair Bolsonaro, que defende ideias piores que as de Donald Trump, emergiu como piada e hoje se fortalece como descuido no nosso cenário político. Nem Bolsonaro nem Trump passariam em Portugal . Os portugueses - de direita ou de esquerda - não riem desse tipo de figura, nem permitem que elas floresçam. Ao mesmo tempo, de nada adianta o rigor japonês que acaba em suicídio, nem a frieza nórdica que resulta na ausência de vínculos. Os portugueses são dos poucos povos que sabem dosear rigidez e afecto, acidez e doçura, buscando sempre a medida correcta de cada elemento, ainda que de forma inconsciente. Todo país do mundo deveria ter uma data como o 25 de Abril para celebrar. Se o Brasil tivesse definido uma data para celebrar o fim da ditadura, talvez não observássemos com tanta dor a fragilidade da nossa democracia. Todo o país deveria fixar o que é passado e o que é futuro através de datas como essa. Todo o idioma deveria conter afecto nas palavras corriqueiras como o português de Portugal transporta . Gosto de ser chamada de “ miúda“. Gosto de ver os meninos brincando e ouvir seus pais chamá-los carinhosamente de “ putos “. Gosto do uso constante de diminutivos. Gosto de ouvir ” magoei-te ? ” quando alguém pisa no meu pé. Gosto do uso das palavras de forma doce.

O mundo deveria aprender a ter modéstia como os portugueses, embora os portugueses devessem ter mais orgulho desse seu país do que costumam ter.

Portugal usa suas melhores características para aproximar as pessoas, não para afastá-las. A arrogância que impera em tantos países europeus, passa bem longe dos portugueses. O mundo deveria saber olhar para dentro e para fora como Portugal sabe. Portugal não vive centrado em si próprio como fazem os franceses e os norte americanos. Por outro lado, não ignora importantes questões internas, priorizando o que vem de fora, como ocorre com tantos países colonizados. Portugal é um país muito mais equilibrado do que a média e é muito maior do que parece. Acho que o mundo seria melhor se fosse um pouquinho mais parecido com Portugal.

Ruth Manus


II TEXTO: Saudades de Portugal

Em outros lugares do mundo também há céu. Há tosta mista. Há achocolatado. E também há pessoas refilando. Mas não é a mesma coisa.

RUTH MANUS              OBSERVADOR, 30 jul 2022, 00:1717.

Recentemente disse a uma amiga que sinto saudades de Paris como sinto saudades de uma pessoa. As temporadas em que vivi na capital francesa me fizeram nutrir por ela uma afeição de contornos bastante humanos – há aquilo de que gosto e há também o que detesto. Há falhas e deslumbres. Há dias em que me imaginar lá é o que há de melhor e há dias em que não há nenhum desejo tão intenso de presença.

Acontece que depois dos meus quase 8 anos em Portugal, indo para São Paulo várias vezes ao ano, hoje o cenário se inverteu. A base se colocou em São Paulo e as idas a Portugal é que são várias ao longo do ano. E, como não poderia deixar de ser, algo mudou dentro de mim.

Já escrevi muitas cartas elogiosas a Portugal. Também já fiz minhas críticas (pero sin perder la ternura jamás). Mas talvez essa seja a primeira fase em que eu sinta o que sentem os tantos portugueses expatriados ao redor do mundo. Talvez esse seja meu primeiro verão assistido de longe, com um misto de saudades e de inveja. Talvez esse seja meu primeiro texto nostálgico, apesar de não haver nenhum tipo de rompimento.

Sinto saudades do céu português e da forma como ele parece ser mais extenso e mais luminoso do que o céu de qualquer outra parte do mundo. Sinto saudades das frutas do verão, das cerejas, dos alperces, dos morangos graúdos, dos figos inacreditavelmente doces. Sinto saudades dos dias longos, do sol que se nega a ir dormir, convencendo as nossas crianças de que elas também não deveriam estar na cama.

Sinto saudades dos portugueses refilando sobre qualquer coisa. Dos portugueses falando no diminutivo. Saudades dos cafés barulhentos e apressados pela manhã. Saudades do por do sol alaranjado, rosado ou arroxeado, consoante o dia. Saudades dos melros que aparecem sem aviso e desaparecem quase que por magia.

Sinto saudades até de uma simples tosta mista, com um certo exagero de manteiga. De uma garrafa de Ucal. De umas azeitonas pretas sem caroços. Do pão fresco que chega antes da refeição e da manteiga com alho na pequena embalagem plástica. Sinto saudades dos restaurantes cujas sobremesas seguras e despretensiosas são leite creme, bolo de bolacha e arroz doce.

Em outros lugares do mundo também há céu. Há tosta mista. Há achocolatado. E também há pessoas refilando. Mas não é a mesma coisa. Portugal não é o único sítio onde há verão. Nem é o único onde há natal. Mas existe algo de diferente. Eu sempre tive saudades de São Paulo. Mas as saudades de Portugal sabem atingir uma outra parte do peito.

Descobri que sinto saudades de Paris como quem sente saudades de uma pessoa – um grande amigo, quiçá um irmão. Mas percebi que sinto saudades de Portugal como quem sente saudades da própria mãe. É um patamar diferente. É um vazio muito mais árido e muito mais difícil de digerir.

SENTIMENTOS   COMPORTAMENTO   SOCIEDADE

COMENTÁRIOS:

Duarte Correia, 01/08/2022: Não apreciando muito os textos feministas de Ruth M., devo honestamente reconhecer que ela, nesta crónica, coloca sabiamente uma questão que só apreende agudamente quem olha de fora, de um ponto de vista objectivo. Posta a questão em termos de retórica, dir-se-á que as regiões de um país são metonímias com afinidades para comporem a sinédoque identificadora do país. Cada país é uma sinédoque diferente, por isso são independentes. Aquilo que Ruth enumera são pormenores que eu reconheço (como português, malgré moi), sem ser capaz de racionalizar adequadamente. O que é que faz com a cultura material e "espiritual" portuguesa sejam portuguesas?              Manuel Menezes 31/07/2022: um texto simpático e bem escrito pela expressão dos sentimentos. Não entendo tanta raiva em alguns comentários. O que é que interessa a questão do Lula aqui?             L S Martins 31/07/2022: Porquê tanta maldade nalguns comentários? Até parece que estamos na Rússia, ou nos EUA, aonde quem não tem a mesma cor política é rudemente maltratado, de uma forma ou de outra.               Português indignado 30/07/2022: Quando vivi em Inglaterra tinha saudades de tudo de Portugal, até das pedras da calçada, do frango assado, de uma boa bifana, de ouvir a língua, da luz do céu.... Portugal é um país muito bonito e com muitas coisas boas. Infelizmente tem uns dirigentes socialistas horrorosos e gananciosos que destroem tudo.           Raul Castanho 30/07/2022 Estes artigos talvez se enquadrem mais numa revista cor-de-rosa, não? Eu, por por mim, dispensava-os...              Fernando CE 30/07/2022: Tenho saudades das suas crónicas. Continue a escrever.

Manuel Norberto Valente Sousa > Fernando CE 30/07/2022: Deve ser o único…. 🤣🤣          joaquim zacarias 30/07/2022: Até ao dia 2 de outubro não saia do Brasil, para poder ajudar à eleição do seu querido líder luladrão.             João Gabriel Sacôto Fernandes 30/07/2022: A sensibilidade à flor da pele que poucos entendem. GOSTEI!              klaus muller 30/07/2022: Só tenho pena é que a Ruthzinha não tenha saudades de mim...             S Belo > klaus muller 30/07/2022: Quem sabe se não as terá? Seja optimista; ela garante que vai voltar. Por mim, só  lamento que tenha partido, sem dizer onde comprava os frescos. Corro os " supers" e só  apalpo fruta verde.              klaus muller > S Belo 30/07/2022: boa            bento guerra 30/07/2022: Aguenta Ruth, nós não temos saudades das suas pequenas trivialidades         Alberto Rei 30/07/2022: Cara, também entre São Paulo e Portugal pô num tem escolha possível ! São Paulo é ruim. Agora, se é brasileira, num sei né, se tu fosse baiana, num tinha essa tendeu ? Um cara ouve Back tu Baía de Gilberto Gil e fica ligado tendeu ? Ele tava naquela fossa em Londres viu ? Sê em Portugal, não tá em fossa nenhuma tendeu ? commmmmpode ter saudade de São Paulo ? só se fô do av. Paulista, Ibirapuera, Morumbi, Areia branca, ou do centro, Anhangabaú, Teatro Municipal, Mappin, São João, ou de esfirra e coxinha, ou duma vitamina, ou mesmo dum simples comercial         Alexandre Barreira: 30/07/2022: E da sandes de courato com um penalti. Não tens saudades ?! E de um belo chouriço alentejano !? Já para não falar do bagaço !         Manuel Norberto Valente Sousa: Pois dd ti ninguém tem saudades por ca. Nem das "croniquetas" da treta.          Jose Pereira da Silva: Até a mim, Português  a viver no Brasil, me fez sentir saudades acrescidas ,Ruth Manus. Excelente peça esta.

 

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