De que,
naturalmente, gostei, com ressalvas, todavia. E acrescento outro do OBSERVADOR,
da mesma Ruth Manus de quem já tenho transcrito textos, que me agradam pela simplicidade e
sensibilidade dos seus conceitos. O texto que o Ricardo me enviou, não
consegui alinhá-lo, como o que retiro do Observador, por ter um
asterisco atrás, que não me permite a manipulação, para lhe reduzir o tamanho.
É claro que
também amo o meu país - nas vozes magníficas de tantos cantores, e na
expressividade da sua apresentação, de que destaco Ana Moura, entre tantos de
hoje, António Zambujo também como outros que passaram na minha vida, Amália
sempre, Tonicha igualmente… além das vozes expressivas que têm vindo a público
em programas televisivos, e tanto da sua música e danças populares, do Minho ao
Algarve, passando pelo cante alentejano, pelo vira minhoto, e o corridinho algarvio
e pelos fados de Coimbra. Da literatura portuguesa - dos cantares de amigo aos
sonetos da Florbela, com a admiração enternecida pelos génios literários que
foram Camões, Pessoa, com a graça de um Eça, a sagacidade de um Garrett
passeante na sua terra, de um Vieira eloquente como ninguém, até mesmo tantos
escritores de hoje, colaboradores em jornais ou outros… Sim, julgo que todos
sentimos simpatia, por esse povo festivo que sem grande preparação técnica,
mistura nas danças velhos e novos, com alegria e flexibilidade, sem grande
preocupação pela harmonia estética de outras danças populares estrangeiras, que
procuram igualmente o artifício igualitário das suas roupagens. Mas é um povo
que nitidamente não recebeu, desde os seus inícios, a educação indispensável, mais
reservada a classes de ordenação superior, segundo as distinções desde sempre
existentes, e isso provocou um atraso que só desejamos que possa ser ainda
reparado, apesar das más políticas educativas actuais.
Sim, somos
gulosos, oferecemos diariamente não tanto programas culturais, mas programas de
animação e galhardia, em que não faltam os pratos saborosos que os
apresentadores dos programas nos revelam, em simpáticos jeitos de sedução e
gentileza, por esse país fora, com cantos e paisagens e costumes. Mas basta-me
comparar a seriedade do ponto de vista cultural de programas como “Questions
pour un champion”, francês, ou o da RTP de semelhante intuito, para observarmos
o extraordinário fosso que os separa, o riso e a gargalhada, juntamente com
tantas perguntas sem interesse formativo, sendo características dominantes no
programa português, essencialmente faceto.
Mas sim, penso
que somos alegremente levianos, embora simpáticos, por ancestrais hábitos de
subserviência, que se manifestam ainda nas perguntas tontas ou ansiosas postadas
pelos jornalistas aos estrangeiros, sobre este país, se lhes agrada… Por vezes
não há pachorra, perante tanta penúria. Ricardo de Araújo Pereira usa e abusa da
troça sobretudo aos nossos governantes, e também o acho um génio de comediante
e sagaz troçador dos tais. Mas há trejeitos que eu levo a sério e nunca me
fariam rir. Na ida de A. Costa a Moçambique, Araújo Pereira mostrou-nos o
ridículo da dança de AC com uma mulher
moçambicana, mas esqueceu-se do pedido de desculpas daquele pelos massacres em
Wiriamu, infligidas aos terroristas, esquecido da situação de guerra em que se
vivia e de que as tropas portuguesas eram igualmente vítimas. Pura subserviência
perante o governante moçambicano, a pedir “batatinhas”, logo seguida de igual
subserviência - (falsamente) elogiosa do povo português, “espalhado pelo mundo” e “dando boa conta de si” lá fora, ao que
afirmou, num despropósito, segundo me pareceu.
Mas foi gentil, Ruth
Manus, e como alguns comentadores do segundo texto,
eu também agradeço a sua simpatia na simplicidade inteligente dos seus afectos.
I TEXTO (Enviado pelo Ricardo): PORTUGAL AOS
OLHOS DE UMA BRASILEIRA
Ruth
Manus, é advogada e professora universitária e escreve num blogue num Jornal
de S. Paulo. E escreveu isto sobre Portugal, num texto que deve ser (é !) um
orgulho lermos: «Dentre
as coisas que mais detesto, duas podem ser destacadas: Ingratidão e pessimismo. Sou incuravelmente grata e optimista e, comemorando
quase 2 anos em Lisboa, sinto que devo a Portugal o reconhecimento de coisas
incríveis que existem aqui, embora me pareça que muitos nem percebam. Não
estou dizendo que Portugal seja perfeito. Nenhum lugar é. Nem os portugueses
são, nem os brasileiros, nem os alemães, nem ninguém. Mas para olharmos
defeitos e pontos negativos basta abrir qualquer jornal, como fazemos
diariamente. Mas acredito que Portugal tenha certas
características nas quais o mundo inteiro deveria inspirar-se. Para começo de conversa, o mundo deveria aprender a
cozinhar com os portugueses. Os franceses aprenderiam que aqueles pratos com
porções minúsculas não alegram ninguém. Os alemães descobririam outros acompanhamentos
além da batata. Os ingleses aprenderiam tudo do zero. Bacalhau e pastel de nata ? Não. Estamos falando de muito mais. Arroz de pato,
arroz de polvo, alheira, peixe fresco grelhado, ameijoas, plumas de porco
preto, grelos salteados, arroz de tomate, baba de camelo, arroz doce, bolo de
bolacha, ovos moles. Mais do que isso, o mundo deveria aprender a se
relacionar com a terra como os portugueses se relacionam. Conhecer a época
das cerejas, das castanhas e da vindima. Saber que o porco é alentejano, que
o vinho do Porto é do Douro. Talvez o pequeno território permita que os
portugueses conheçam melhor o trajecto dos alimentos até a sua mesa,
diferente do que ocorre, por exemplo, no Brasil. O mundo deveria saber ligar
a terra à família e à história como os portugueses. A história da quinta do
avô, as origens transmontanas da família, as receitas típicas da aldeia onde
nasceu a avó. O mundo não deveria deixar o passado escoar tão rapidamente por
entre os dedos. E se alguns dizem que Portugal vive do passado, eu tenho
certeza de que é isso o que os faz ter raízes tão fundas e fortes. O mundo
deveria ter o balanço entre a rigidez e a afecto que têm os portugueses. De
nada adiantam a simpatia e o carisma brasileiros se eles nos impedem de agir
com a seriedade e a firmeza que determinados assuntos exigem. O deputado Jair Bolsonaro, que defende ideias
piores que as de Donald Trump, emergiu como piada e hoje se fortalece como
descuido no nosso cenário político. Nem Bolsonaro nem Trump passariam em
Portugal . Os portugueses - de direita ou de esquerda - não riem desse tipo
de figura, nem permitem que elas floresçam. Ao mesmo tempo, de nada adianta o
rigor japonês que acaba em suicídio, nem a frieza nórdica que resulta na
ausência de vínculos. Os
portugueses são dos poucos povos que sabem dosear rigidez e afecto, acidez
e doçura, buscando sempre a medida correcta de cada elemento, ainda que
de forma inconsciente. Todo país
do mundo deveria ter uma data como o 25 de Abril para celebrar. Se o Brasil
tivesse definido uma data para celebrar o fim da ditadura, talvez não
observássemos com tanta dor a fragilidade da nossa democracia. Todo o país
deveria fixar o que é passado e o que é futuro através de datas como essa.
Todo o idioma deveria conter afecto nas palavras corriqueiras como o
português de Portugal transporta . Gosto de ser chamada de “ miúda“.
Gosto de ver os meninos brincando e ouvir seus pais chamá-los carinhosamente
de “ putos “. Gosto do uso constante de diminutivos. Gosto de ouvir ”
magoei-te ? ” quando alguém pisa no meu pé. Gosto do uso das palavras de
forma doce. O mundo
deveria aprender a ter modéstia como os portugueses, embora os portugueses
devessem ter mais orgulho desse seu país do que costumam ter. Portugal usa suas melhores características para
aproximar as pessoas, não para afastá-las. A arrogância que impera em tantos
países europeus, passa bem longe dos portugueses. O mundo deveria saber olhar para dentro e para
fora como Portugal sabe. Portugal não vive centrado em si
próprio como fazem os franceses e os norte americanos. Por outro lado, não ignora importantes questões
internas, priorizando o que vem de fora, como ocorre com tantos países
colonizados. Portugal é um país muito mais equilibrado do que a média e é
muito maior do que parece. Acho que o mundo seria melhor se fosse um
pouquinho mais parecido com Portugal. Ruth Manus |
II TEXTO: Saudades de Portugal
Em outros lugares do mundo também há
céu. Há tosta mista. Há achocolatado. E também há pessoas refilando. Mas não é
a mesma coisa.
RUTH MANUS OBSERVADOR, 30 jul 2022, 00:1717.
Recentemente
disse a uma amiga que sinto saudades de Paris como sinto saudades de uma
pessoa. As temporadas em que vivi na capital francesa me fizeram nutrir por ela
uma afeição de contornos bastante humanos – há aquilo de que gosto e há também
o que detesto. Há falhas e deslumbres. Há dias em que me imaginar lá é o que há
de melhor e há dias em que não há nenhum desejo tão intenso de presença.
Acontece
que depois dos meus quase 8 anos em Portugal, indo para São Paulo várias vezes
ao ano, hoje o cenário se inverteu. A base se colocou em São Paulo e as idas a
Portugal é que são várias ao longo do ano. E, como não poderia deixar de ser,
algo mudou dentro de mim.
Já
escrevi muitas cartas elogiosas a Portugal. Também já fiz minhas críticas (pero
sin perder la ternura jamás).
Mas talvez essa seja a primeira fase em que eu sinta o que sentem os tantos
portugueses expatriados ao redor do mundo. Talvez esse seja meu primeiro verão
assistido de longe, com um misto de saudades e de inveja. Talvez esse seja meu
primeiro texto nostálgico, apesar de não haver nenhum tipo de rompimento.
Sinto
saudades do céu português e da forma como ele parece ser mais extenso e mais
luminoso do que o céu de qualquer outra parte do mundo. Sinto saudades das
frutas do verão, das cerejas, dos alperces, dos morangos graúdos, dos figos
inacreditavelmente doces. Sinto saudades dos dias longos, do sol que se nega a
ir dormir, convencendo as nossas crianças de que elas também não deveriam estar
na cama.
Sinto
saudades dos portugueses refilando sobre qualquer coisa. Dos portugueses
falando no diminutivo. Saudades dos cafés barulhentos e apressados pela manhã.
Saudades do por do sol alaranjado, rosado ou arroxeado, consoante o dia.
Saudades dos melros que aparecem sem aviso e desaparecem quase que por magia.
Sinto
saudades até de uma simples tosta mista, com um certo exagero de manteiga. De
uma garrafa de Ucal. De umas azeitonas pretas sem caroços. Do pão fresco que
chega antes da refeição e da manteiga com alho na pequena embalagem plástica.
Sinto saudades dos restaurantes cujas sobremesas seguras e despretensiosas são
leite creme, bolo de bolacha e arroz doce.
Em outros lugares do mundo também há céu. Há tosta
mista. Há achocolatado. E também há pessoas refilando. Mas não é a mesma coisa.
Portugal não é o único sítio onde há verão. Nem é o único onde há natal. Mas
existe algo de diferente. Eu sempre tive saudades de São Paulo. Mas as saudades
de Portugal sabem atingir uma outra parte do peito.
Descobri
que sinto saudades de Paris como quem sente saudades de uma pessoa – um grande
amigo, quiçá um irmão. Mas percebi que sinto saudades de Portugal como quem
sente saudades da própria mãe. É um patamar diferente. É um vazio muito mais
árido e muito mais difícil de digerir.
SENTIMENTOS COMPORTAMENTO SOCIEDADE
COMENTÁRIOS:
Duarte Correia, 01/08/2022: Não apreciando muito os textos
feministas de Ruth M., devo honestamente reconhecer que ela, nesta crónica,
coloca sabiamente uma questão que só apreende agudamente quem olha de fora, de
um ponto de vista objectivo. Posta a questão em termos de
retórica, dir-se-á que as regiões de um país são metonímias com afinidades para
comporem a sinédoque identificadora do país.
Cada país é uma sinédoque diferente, por isso são independentes. Aquilo que Ruth
enumera são pormenores que eu reconheço (como português, malgré moi), sem ser
capaz de racionalizar adequadamente.
O que é que faz
com a cultura material e "espiritual" portuguesa sejam portuguesas? Manuel
Menezes 31/07/2022: um texto simpático e bem escrito pela expressão dos sentimentos.
Não entendo tanta raiva em alguns comentários. O que é que interessa a questão
do Lula aqui? L
S Martins 31/07/2022: Porquê tanta maldade nalguns comentários? Até parece
que estamos na Rússia, ou nos EUA, aonde quem não tem a mesma cor política é rudemente
maltratado, de uma forma ou de outra. Português indignado
30/07/2022: Quando vivi em Inglaterra tinha saudades de tudo de
Portugal, até das pedras da calçada, do frango assado, de uma boa bifana, de
ouvir a língua, da luz do céu.... Portugal é um país muito bonito e com
muitas coisas boas. Infelizmente tem uns dirigentes socialistas horrorosos e
gananciosos que destroem tudo.
Raul Castanho 30/07/2022 Estes
artigos talvez se enquadrem mais numa revista cor-de-rosa, não? Eu, por por
mim, dispensava-os... Fernando CE 30/07/2022: Tenho saudades das suas crónicas. Continue a escrever.
Manuel Norberto Valente Sousa > Fernando CE
30/07/2022: Deve ser o único…. 🤣🤣
joaquim zacarias 30/07/2022: Até ao dia 2 de outubro não saia do Brasil, para poder
ajudar à eleição do seu querido líder luladrão. João Gabriel Sacôto
Fernandes 30/07/2022: A sensibilidade à flor da pele
que poucos entendem. GOSTEI!
klaus muller 30/07/2022: Só tenho pena é que a Ruthzinha
não tenha saudades de mim...
S Belo > klaus muller
30/07/2022: Quem sabe se não as terá? Seja
optimista; ela garante que vai voltar. Por mim, só lamento que tenha partido, sem dizer
onde comprava os frescos. Corro os " supers" e só apalpo fruta
verde.
klaus muller > S Belo 30/07/2022: boa bento guerra 30/07/2022: Aguenta Ruth, nós não temos saudades das suas pequenas
trivialidades
Alberto Rei 30/07/2022: Cara, também entre São Paulo e
Portugal pô num tem escolha possível ! São Paulo é ruim. Agora, se é
brasileira, num sei né, se tu fosse baiana, num tinha essa tendeu ? Um cara
ouve Back tu Baía de Gilberto Gil e fica ligado tendeu ? Ele tava naquela fossa
em Londres viu ? Sê em Portugal, não tá em fossa nenhuma tendeu ? commmmmpode
ter saudade de São Paulo ? só se fô do av. Paulista, Ibirapuera, Morumbi, Areia
branca, ou do centro, Anhangabaú, Teatro Municipal, Mappin, São João, ou de
esfirra e coxinha, ou duma vitamina, ou mesmo dum simples comercial Alexandre Barreira: 30/07/2022: E da sandes de courato com um
penalti. Não tens saudades ?! E de um belo chouriço alentejano !? Já para não
falar do bagaço !
Manuel Norberto Valente Sousa: Pois dd ti ninguém tem saudades por ca. Nem das
"croniquetas" da treta. Jose Pereira da Silva: Até a mim, Português a
viver no Brasil, me fez sentir saudades acrescidas ,Ruth Manus. Excelente peça
esta.
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