Leiamos antes Pessoa. Ao menos,
se é ambíguo e mesmo contraditório em alguns poemas, “fingidor” como poeta, como
se define, explica o porquê disso, o sentimento real, descrito com a razão e a
imaginação, tornado estranho e aparentemente falso, mas proporcionando uma
visão múltipla e gradualmente enriquecida, para freguês ver e admirar - e
sentir, se o entender, no seu próprio universo alheio, porque pessoal … Cito:
«ISTO:
Dizem que finjo ou minto Tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto Com a imaginação. Não uso o coração. Tudo o que sonho ou passo, O que me falha ou finda, É como que um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. Por
isso escrevo em meio Do que não está ao pé, Livre do meu enleio, Sério do que não é. Sentir? Sinta quem lê!»
Mas o Dr. Salles não vai em cantigas,
prefere o rigor das contas dramáticas, e eu passo-me dos carretos, lendo e
relendo a sua dramatização sobre os conceitos económicos, de inflação e teorias
despesistas, segundo os dois dos protagonistas das opções citadas contribuindo
para uma maior ou menor inflação, a que a guerra vem acelerar os efeitos. Por
isso já nem se pode tomar um café decente, com o aumento inflacionário que
sofreu, irra! Mais vale interpretar Pessoa pois sai mais barato.
Mas acabar com Putin e a guerra, como desenlace
das crises várias, além da económica, como propõe o Dr. Salles, parece
esplêndido, Deus o escutasse.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 24.09.22
ou
O GRANDE TEATRO DE CAPITAIS
Personagens e intérpretes por
ordem de entrada em cena:
«Dinheiro barato» - Mário Draghi;
«Dinheiro caro» - Christine Lagarde.
ACTO 1
CENA 1 – Economia europeia lenta
Para obrigar o investimento a saltar para a frente do desejado
desenvolvimento, Draghi desenvolveu a política dos juros tão baixos que
chegaram a negativos levando também o BCE a entrar no mercado primário das
dívidas soberanas;
As poupanças saíram do entesouramento (que passara a ter
rentabilidade negativa) e (como Draghi queria) optaram por aplicações mesmo que de modesta rentabilidade;
A política dos juros negativos
conduziu à remuneração negativa das dívidas públicas e, daí, a avultados ganhos dos Estados devedores e a elevadas
perdas dos respectivos credores.
No cenário do «Dinheiro barato»…
… os investimentos de modesta TIR (“Taxa Interna de Retorno”)
puderam ver a luz do dia porque os custos de capital eram baixos e porque os capitais preferiam uma remuneração modesta
em vez de uma negativa;
…aos projectos de elevada TIR também não faltavam (obviamente) os
capitais necessários.
CENA FINAL DO ACTO 1
Com Draghi, a economia
europeia «mexeu» porque os capitais eram baratos.
* * *
INTERVALO – as pessoas dirigem-se
ao «foyer» e conversam…
… o negócio
bancário lida mal com dinheiro barato e pessimamente com juros negativos, há
que mudar o cenário (de genericamente protector do devedor para assumidamente
protector do credor; de defensor dos países perdulários do Sul para defensor
dos frugais do Norte europeu) e também o intérprete.
* * *
ACTO 2
CENA 1 – Sai Draghi e entra Lagarde.
Sem solavancos, começam «murmúrios
à navegação» de que os juros deixarão de ser negativos e de que as «facility
easings» estavam num verdadeiro estado de moribundez, que a Reserva Federal
estava a aumentar a taxa de juros «para «segurar a inflação» e que nós não
podíamos continuar a política draghiana…
Até que a Rússia invade a Ucrânia e
disparam os preços da energia e dos cereais.
E Lagarde esfrega as mãos de contente pois é necessário aumentar as taxas de juro «para conter a inflação».
CENA FINAL DO ACTO 2
Francesa, Lagarde dirá para com os seus botões «Merci, Monsieur Putin!»;
Ao fundo, ouve-se um coro de frugais entoando carinhosos e agradecidos
«VIVAS À CRISTINA!».
* * *
Como se mete pelos olhos de qualquer leigo, a inflação resulta da
escassez (ou da putativa escassez) dos produtos inflacionados e nada a move que
não sejam as causas que a provocaram. Os
juros são consequência e não controlam nada a não ser uma eventual redução do
investimento (carestia dos capitais), redução da produção, escassez da oferta,
mais pressão inflacionista.
PERGUNTA: - Então, qual é a solução?
RESPOSTA: - Esvaziar o Kremlin de licenciados pela «fábrica de monstros» que é o
KGB; acabar com a guerra; integrar a
Ucrânia na EUE e respectivos métodos de formação de preços, nomeadamente
agrícolas; deixar de mentir sobre a política monetária.
Se as taxas de juros activas para os titulares dos capitais (passivas
para a banca) forem inferiores às taxas da inflação, ocorrerá a desvalorização
dos capitais postos à guarda do sistema bancário. Ou seja, regressamos à
situação draghiana do primeiro acto deste teatro.
BAIXA O PANO
Pelos vistos, esta moeda só tem uma face.
Lisboa, 24 de Setembro de 2022
Henrique Salles da Fonseca
Tags: economia
COMENTÁRIO
Anónimo 25.09.2022 16:42
Talvez por há muito não ir ao
teatro nem ler peças teatrais, em virtude de outras preocupações e interesses
terem mobilizado ultimamente a minha atenção, estou com alguma dificuldade em
comentar a tua peça teatral. Vamos a ver. É verdade que a inflação disparou com
a invasão russa, em fevereiro de 2022, embora ela já se esboçasse desde o final
de 2021, e nós aqui reflectimos sobre o papel do BCE na sua contenção. Estávamos
perante a incapacidade de a oferta satisfazer o súbito acréscimo da
procura decorrente do regresso à actividade pós-confinamento COVID. A aceleração da inflação ocorreu
designadamente pelo aumento dos preços dos cereais e da energia, com especial
incidência nos países europeus mais dependentes, nesse âmbito, da Rússia.
Embora não concorde, nem subscreva o “dito”, não posso deixar de assinalar,
utilizando designações da tua peça teatral, que alguém de um país perdulário
do sul europeu “atirou” a um país frugal (um dos que mais tinha em tempo não
distante “massacrado” aquele), que este, em termos de energia, estava a viver
acima das suas possibilidades (a vingança serve-se fria). Não deixa
de ser assinalável que, apesar de inesperadas diligências ao mais alto nível
americano, junto do principal produtor de petróleo, não tenha sido possível
aumentar a oferta, como forma de redução do preço. É mais uma
vez verdade que a Banca lida mal com taxas de juro baixas, quanto mais
negativas. É também verdade que
muitos projectos de investimento fizeram mexer a economia em virtude das taxas
de juro baixas. Veremos no futuro próximo se esses projectos eram os
que verdadeiramente mais interessavam e se resistem ao aumento daquelas. Penso
que a intervenção do BCE visa tornar mais selectivos os novos investimentos,
refreando, assim, a Economia. Inquestionavelmente,
estamos perante uma súbita, inesperada e significativa inflação, que, segundo
um dos teus protagonistas, era de curta duração para, rapidamente, passar a
classificá-la de prolongada, bem revelador da coerência e consistência do
raciocínio. Confio
(uma questão de fé e nada mais) que o bom
senso acabe por prevalecer em alguns dos protagonistas, e que a inflação se
reduza para níveis aceitáveis. Espero que, entretanto, sejam
encontrados meios para que projectos de investimento de interesse continuem a
ser viabilizados, desde que estes suportem taxas de juro normais, que não são
as próximas de zero. Abraço. Carlos Traguelho
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