quarta-feira, 28 de setembro de 2022

O mando, a obediência


E o medo, é claro, a ditar a dita sujeição. Por isso ganharam os referendos ucranianos à anexação russa. Por cá, nem se trata do medo da retaliação russa, nem sequer de vaidade ou arrogância selectiva que já existia nos meus tempos juvenis, dos apaniguados de esquerda por ser moda contra uma ditadura estreita, (visto que criteriosa no pagamento de dívida herdada). Por cá, hoje, mais do que o brilharete do slogan “o povo é quem mais ordena”, predecessor da espécie de “cantico delle creature” com que hoje em dia se pretende impor a bondade universal em favor de tudo o que rabeie na elegância dos desaguisados pessoais que os distinguem da tosca norma burguesa, o que conta é o fascínio do “Cântico” maldoso, porque castigador dos heróis defensores da sua pátria, coisa que não mais existe por cá, a menos que o seja nos futebóis. Não, os saudosistas das “Tágides” bem podem rebelar-se contra os que, de esquerda ou de direita, apoiam as anomalias nauseabundas de um grotesco governante russo. O que faz mover esses aprovadores putinescos, ainda que receosos, como os mais, é antes o ódio aos da velha guarda respeitadora das normas e da pátria herdada. Bem pode, pois, o Dr. Salles, desgostar-se com a viragem antidemocrática do contexto italiano, que se junta a outros, na tentativa de recuperar o passado, este, todavia, mais da velha guarda. Julgo que a Itália não será problema. Continuará na senda do trabalho e dos velhos valores, unindo-se à EU no que esta implique de defesa do povo ucraniano.

 

«... E VÓS, TÁGIDES MINHAS...» - 4

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO 27.09.22

ou

O MUNDO VISTO A PARTIR DE LISBOA

 «A democracia é o pior dos sistemas políticos com excepção de todos os outros» - Winston Churchill

* * *

Democracia é o sistema político cuja legitimidade do poder é conferida pelo universo dos cidadãos no pleno uso das respectivas capacidades e direitos sendo esse poder referendado periodicamente e exercido sob fiscalização vinculativa.

Autocracia é qualquer outro sistema político, nomeadamente todo aquele que, sob a égide de uma personalidade que exerça o poder sem fiscalização efectiva, não cumpra a definição de democracia, quer no todo quer em parte.

* * *

Tanto nas democracias como nas autocracias se praticam políticas que se podem considerar de direita como de esquerda. Mas, não vindo aqui nem agora esta distinção de políticas à colação, retenhamos que a linha divisória das opiniões que ora interessa definir tem a ver com o sistema político e não com as políticas.

Quero com isto significar que há democratas de direita e de esquerda e que há adeptos dos eufemisticamente chamados «regimes fortes» que preferem políticas de esquerda ou de direita.

Eis como chegámos a esta situação «sui generis» de vermos comunistas e direitistas a apoiar Putin. Não pelas acções que o autocrata assume, mas sim por ser alguém que exerce o poder sem discussão pública das suas determinações. De modo mais aberto ou mais encapotado, os adeptos das autocracias optam pelo «haja quem mande» e rejeitam a discussão pública.

Fica por provar o apoio que dispensariam ao «novo Czar» se tivessem que se submeter às atitudes autocráticas de Putin.

Eis-nos, pois, perante uma brecha na coesão ocidental perante o transe por que ora passamos.

Mas há mais…

Nas relações internacionais não há amizades, há interesses, mas há que ponderar até que ponto os dirigentes políticos conseguem separar as suas simpatias pessoais e o «sentido de Estado» que deles é legítimo esperar sobretudo se se trata de políticos democraticamente eleitos e democraticamente fiscalizados.

Na dimensão macro, a coesão ocidental pode estar ameaçada pela Hungria e por Itália, mas tenhamos esperança de que nos «corredores diplomáticos» se descubram soluções a contento dos interesses em jogo.

Este é um texto triste pois que me limito a apontar problemas sem lhes sugerir soluções. Resta o consolo de que em democracia é importante identificar problemas na esperança de que alguém «tire o coelho da cartola».

Lisboa, 27 de Setembro de 2022

Henrique Salles da Fonseca

Tags: política

COMENTÁRIOS:

 Francisco G. de Amorim  27.09.2022  14:41: Pois sim: Democracia é o sistema político cuja legitimidade do poder é conferida pelo universo dos cidadãos no pleno uso das respectivas capacidades. Mas onde estão esses cidadãos que nem sabem quais são as suas capacidades de raciocinar? Na democracia pode até falar-se mal dos dirigentes, que se riem disso. Na ditadura... não pode. Parece ser isto que as difere!

 Adriano Miranda Lima  27.09.2022  22:33 Concordo com tudo, Dr. Salles da Fonseca. Acrescentaria que com a democracia em vez de querer impor-se a verdade deve-se procurá-la.

 

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