terça-feira, 6 de setembro de 2022

Porque não se fala da FRELIMO?


Acabara de escrever o título deste texto, quando me lembrei de que não transcrevera ainda os Comentários. E encontrei no de Manuel Oliveira a resposta cabal aos julgadores beneméritos da visão unilateral dos factos. Ei-la, a resposta cabal:

MANUEL OLIVEIRA: As guerras portuguesas são sempre diferentes, são mais softs as revoluções são com armas sem carregadores, com cravos espetados nos tapa chamas. 50 anos depois vai um corta-fitas pedir desculpa ao governo actual de Moçambique, QUE EM 50 ANOS deve ter promovido e provocado dezenas de Wiriamus e centenas de mortos e estropiados. E quantos rapazes da minha geração não foram vítimas de emboscadas e hoje quase não têm apoio de ninguém. Não me foi possível  passar ao lado desta notícia e deste facto porque em Dez de 72 eu estava em TETE. Espero que os moçambicanos sejam muito felizes porque ainda têm tempo.

 

"Matem-nos a todos, não quero ninguém vivo!" Como o massacre de Wiriamu abalou o marcelismo

OBSERVADOR: TEXTO

Em 1972, o massacre de Wiriamu provocou entre 300 e 400 mortes. Quando foi denunciado na imprensa inglesa, o regime marcelista sofreu um golpe profundo.

OBSERVADOR: TEXTO

OBSERVADOR, 05 set 2022, 18:103

A declaração foi feita sem que se estivesse à espera. No dia 2 de setembro, em visita oficial a Maputo, António Costa falou sobre o massacre de Wiriamu, levado a cabo por tropas portuguesas em Moçambique. “Neste ano de 2022, quase decorridos 50 anos sobre esse terrível dia de 16 de Dezembro de 1972, não posso deixar aqui de evocar e de me curvar perante a memória das vítimas do massacre de Wiriamu, acto indesculpável que desonra a nossa História”, afirmou.

No livro “Orgulhosamente Sósa diplomacia em guerra (1962-1974), que acaba de ser editado, o embaixador Bernardo Futscher Pereira escreve sobre o massacre de Wiriamu e as suas consequências. O Observador publica aqui esses excertos.

O massacre de Wiriamu

“Em Moçambique, a tensão com a Igreja medrou e alastrou ao longo de 1972. Em junho, a PIDE/DGS prendeu duas centenas de sacerdotes negros de diversas Igrejas protestantes. Os padres estrangeiros eram coagidos a abandonar a colónia. As denúncias das violências praticadas pelas tropas portuguesas, publicadas em órgãos obscuros da imprensa católica, não encontravam eco na opinião pública europeia, facilitando a obstrução das autoridades militares aos inquéritos em curso. Kaúlza continuava a sustentar, como nunca deixou de fazer, que tudo se resumia a incidentes normais de guerra.

Wiriamu era o centro de um conjunto de aldeias 25 quilómetros a sul da cidade de Tete. A partir de junho, chegaram à PIDE/DGS notícias de que a FRELIMO se infiltrara na região. Em novembro começaram a registar-se ataques na zona. As populações negras recusavam ser transferidas para o aldeamento de Mpharhamadwe, para onde as queriam levar à viva força. Em dezembro, foi decidido efetuar uma operação, cujo objetivo, ostensivamente, era transferir as populações para o aldeamento e capturar o chefe local da FRELIMO, Raimundo Dalepa, que, segundo informações da PIDE, tinha uma namorada em Wiriamu. Verbalmente, a ordem dada à 6.ª companhia de comandos, que conduziu a operação Marosca e perpetrou o massacre, foi para «limpar tudo».

Este tipo de «operação de limpeza», como era conhecida na gíria militar, não era invulgar em Moçambique. No caso de Wiriamu, revestiu-se de uma brutalidade sem paralelo nos anais da guerra colonial. Os autores materiais foram as tropas da 6.ª companhia de comandos. As almas danadas foram os chefes locais da PIDE/DGS, dois analfabetos, Chico Cachavi, um homem bruto e amante insaciável de mulheres, e Johnny Kongorhogondo, adepto de magia negra.

No dia 16 de dezembro de 1972, pouco antes do meio-dia, uma unidade logística cercou as aldeias, delimitou o seu perímetro com bandeiras vermelhas e abriu um corredor para canalizar as populações em fuga para o local onde ficaria situado o aldeamento. Aviões da força aérea bombardearam as zonas exteriores do perímetro para neutralizar uma eventual reação da guerrilha. Em seguida cinco helicópteros largaram no local os comandos e os agentes da PIDE/DGS.

Na aldeia de Chawola, os testemunhos são concordantes. Após os interrogatórios, o massacre começou a tiro, incentivado pelo chefe da PIDE, Chico Cachavi, que gritava: «Matem-nos a todos, não quero ninguém vivo!» E a tropa disparava. Na aldeia houve mais de uma centena de mortos, cerca de um terço da população. Em Juawu, o método foi diferente. Num depoimento de gelar o sangue prestado a Joaquim Furtado, o alferes Antonino Melo, que comandou nesse dia o destacamento dos Comandos, afirma que, como tinham de poupar munições, optaram antes por enfiar as pessoas nas palhotas, e atirar lá para dentro uma granada, incendiando tudo. Já ao final da tarde dirigiram-se a Wiriamu: mais uma vez a população foi concentrada em palhotas, para onde foram lançadas granadas incendiárias. Em Djemusse, as populações foram sujeitas a violentos interrogatórios antes da matança. Já depois do sol-posto, foi criado um corredor e ordenado às populações que se dirigissem às habitações em chamas. Quando tentavam fugir eram metralhadas. Terá morrido um quarto da população. Em Tete, nesse final da tarde, observou-se uma nuvem de fumo, um cheiro a carne queimada, um alvoroço de pessoas em fuga.

É impossível saber com exactidão quantas pessoas foram abatidas. As estimativas iniciais, que apontaram para um total aproximado de 400 homens, mulheres e crianças, tendem a ser confirmadas pelas exaustivas investigações entretanto realizadas. Imediatamente após a matança, o padre Ferrão, um africano que estivera preso na cadeia de Machava, e os padres José Sangalo e Vicente Berenger, da congregação de Burgos, começaram a compilar listas dos nomes das vítimas, acompanhadas de pormenores macabros das atrocidades. Informado pelos padres espanhóis, o bispo de Tete, D. Augusto Ferreira da Silva, relatou o sucedido ao governador da província em meados de janeiro. Os relatórios preparados pelos padres foram em seguida copiados e enviados a todos os bispos da colónia e aos dirigentes das diversas congregações missionárias que lá operavam.

As tentativas de encobrimento começaram logo. O médico José da Paz, chefe do hospital em Tete e delegado da Cruz Vermelha, acompanhado por três enfermeiras, deslocou-se no dia seguinte ao local dos massacres. Conhecido como «o anjo branco», José da Paz fundara um serviço médico aéreo, pilotando ele próprio o avião em que se deslocava para dar consultas e vacinar as populações. O seu relatório foi «anulado» e ele próprio rapidamente transferido para Nampula. No hospital em Tete, todos se calavam, com medo.

A 6 de janeiro, a 6.ª Companhia de Comandos foi enviada de novo para Wiriamu para enterrar os cadáveres. Não era um procedimento habitual – normalmente os corpos eram deixados à vista como mensagem dissuasiva para as populações. As ordens precisavam que a companhia devia ir desarmada. Como os Comandos eram instruídos a nunca se deslocarem sem armas, as ordens não foram cumpridas. O helicóptero que deveria recolhê-los nunca apareceu e quando buscavam um caminho de regresso foram vítimas de uma emboscada invulgarmente violenta. Antonino Melo sugere que foram atraídos a uma cilada.

Repercussões de Wiriamu

Em Moçambique, a tensão continuava também a aumentar. Abafar Wiriamu era missão impossível tal fora a dimensão da matança. No início de 1973, os relatos do massacre espalharam-se nos círculos da Igreja. Em janeiro, foram julgados os padres do Macutí, Joaquim Teles Sampaio e Fernando Marques Mendes, que estavam presos na cadeia da Machava. Os padres espanhóis testemunharam em seu abono, detalhando a ocorrência de massacres em Mucumbura. Nas audições, o bispo de Tete aludiu aos acontecimentos em Wiriamu falando de 300 ou 400 mortos.

O ambiente na Beira estava incandescente. Os dois padres foram condenados, mas postos em liberdade com pena suspensa ou considerada cumprida. Quando regressaram à cidade, em fevereiro de 1973, foram recebidos com manifestações hostis organizadas por Jorge Jardim e lideradas pelas suas filhas, que percorreram a cidade acusando-os de traição. Joaquim Teles Sampaio foi forçado a regressar a Portugal. Os padres espanhóis estavam ansiosos por fazer chegar à Europa o seu relatório sobre Wiriamu. A 20 de fevereiro, aproveitaram a partida de dois correligionários, expulsos de Moçambique, para lhes entregar uma cópia. Apesar de revistados à partida pela PIDE durante hora e meia, o documento não foi encontrado.

 Marcelo Caetano pretextou surpresa e ignorância quando o massacre foi revelado — essa reacção é pouco verosímil. CENTRAL PRESS/GETTY IMAGES

A 31 de março, perante o silêncio das autoridades, a Conferência Episcopal de Moçambique escreveu ao governador-geral da colónia, lavrando «a mais veemente indignação e protesto» perante incidentes como o de Wiriamu, em que «centenas de pessoas, algumas das quais absolutamente inocentes, perderam a vida por acção das Forças Armadas». Em Lisboa o Núncio Apostólico fez uma diligência junto de Silva Cunha, que nunca tinha ouvido falar do assunto.

Em abril, abordou diretamente Marcelo Caetano, insistindo que estava na posse de informações concretas dos bispos moçambicanos denunciando atrocidades em Moçambique. No dia seguinte, Marcelo Caetano pediu um inquérito. Kaúlza respondeu-lhe que estava já em curso. Com efeito, a 19 de março, o comandante-chefe, invocando «rumores» sobre o mau comportamento «das Nossas Tropas», mandara aprofundar as investigações sobre o sucedido.

No essencial, os resultados ilibavam as tropas portuguesas. O número de mortes, estimado em 20 no relatório de acção, passou para 63. Não obstante, Kaúlza continuava a achar «a conduta das Nossas Tropas… absolutamente normal». A cultura do encobrimento permanecia intacta.

Ainda antes de serem conhecidos os resultados destas investigações, foi decidido afastar Kaúlza de Arriaga do comando-chefe em Moçambique. Os seus métodos eram fortemente contestados pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o seu velho rival Costa Gomes. As suas relações com o ministro da Defesa, o general Sá Viana Rebelo, estavam em ruptura. A PIDE considerava de interesse nacional substituí-lo quanto antes. A 31 de maio, Viana de Rebelo informou-o de que a sua comissão de serviço em Moçambique ia terminar.

Por uma dessas coincidências significativas, a demissão foi-lhe oficialmente comunicada por Marcelo Caetano numa carta sibilina datada de 9 de julho, véspera da publicação da notícia que revelou ao mundo o escândalo de Wiriamu. «Reconheço a vantagem, para si, para Moçambique, para todos nós, em outra pessoa rever os conceitos e as tácticas da acção anti-subversiva em Moçambique», afirmava o Presidente do Conselho.

A 10 de Julho, o artigo do padre Adrian Hastings foi publicado na primeira página do The Times causando imediata sensação. No dia seguinte a notícia fez manchete em toda a imprensa inglesa. No papel de acusador, Hastings tornou-se a personagem central de uma tempestade mediática. Marcelo Caetano pretextou surpresa e ignorância. Essa reação é pouco verosímil. Mesmo que nunca tivesse ouvido falar de Wiriamu, o que é mesmo assim de estranhar, o Presidente do Conselho não pode ter ficado surpreendido. Já no passado repreendera Kaúlza por violências em Moçambique. Acabara de o afastar do comando militar da província poucas semanas depois de ter sido pessoalmente avisado pelo Núncio Apostólico da ocorrência de novas atrocidades na província. A notícia do massacre, transmitida pelas autoridades eclesiásticas, circulava nas altas esferas governativas. Divulgada pela imprensa britânica, transformou-se num escândalo internacional que vibrou novo e profundo golpe no regime.”

HISTÓRIA   CULTURA

COMENTÁRIOS:

João Angolano: Apesar disso mesmo a contra gosto foi mandado fazer  um inquérito e a informação chegou através dos padres e teve algumas consequências. Nem sempre é assim é apenas fica mal rasgar as vestes por determinados acontecimentos - neste caso infames - e assobiar para o lado quando ocorreram situações iguais ou quem sabe anda piores. Aos pobres irmãos moçambicanos que morreram Deus os terá acolhido…aos pobres militares que cumpriram esta ‘missão’ que tenha tido compaixão e aos miseráveis militares que mandaram executar que se tenham arrependido para merecer o perdão de Deus e neste momento possam já no céu beijar e pedir perdão aos seus irmão moçambicanos. Deus é grande e misericordioso  

João Angolano: Um massacre desta natureza contra populações indefesas  é indesculpável ponto final. 

MANUEL OLIVEIRA: As guerras portuguesas são sempre diferentes, são mais softs as revoluções são com armas sem carregadores, com cravos espetados nos tapa chamas. 50 anos depois vai um corta-fitas pedir desculpa ao governo actual de Moçambique, QUE EM 50 ANOS deve ter promovido e provocado dezenas de Wiriamus e centenas de mortos e estropiados. E quantos rapazes da minha geração não foram vítimas de emboscadas e hoje quase não têm apoio de ninguém. Não me foi possível  passar ao lado desta notícia e deste facto porque em Dez de 72 eu estava em TETE. Espero que os moçambicanos sejam muito felizes porque ainda têm tempo.

Luís Abrantes: Não devia ter acontecido… mas numa guerra com tal dimensão não parece que se tenha repetido… americanos, franceses e ingleses podem dizer o mesmo…??? Já nem falo dos russos

Jose Infante: Qual será a verdade ???

 

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