Acabara de escrever o título deste texto,
quando me lembrei de que não transcrevera ainda os Comentários. E encontrei no
de Manuel Oliveira a resposta cabal aos julgadores beneméritos da visão
unilateral dos factos. Ei-la, a resposta cabal:
MANUEL OLIVEIRA: As guerras portuguesas são sempre
diferentes, são mais softs as revoluções são com armas sem carregadores, com
cravos espetados nos tapa chamas. 50 anos
depois vai um corta-fitas
pedir desculpa ao governo actual de Moçambique,
QUE EM 50 ANOS deve ter promovido e provocado dezenas de Wiriamus e centenas de
mortos e estropiados. E quantos rapazes da minha geração não foram
vítimas de emboscadas e hoje quase não têm apoio de ninguém. Não me
foi possível passar ao lado desta notícia e deste facto porque em Dez de
72 eu estava em TETE. Espero que os moçambicanos sejam muito felizes porque
ainda têm tempo.
"Matem-nos a todos, não quero
ninguém vivo!" Como o massacre de Wiriamu abalou o marcelismo
Em 1972, o massacre de Wiriamu
provocou entre 300 e 400 mortes. Quando foi denunciado na imprensa inglesa, o
regime marcelista sofreu um golpe profundo.
OBSERVADOR: TEXTO
OBSERVADOR, 05 set
2022, 18:103
A declaração foi feita sem que se estivesse à espera.
No dia 2 de setembro, em visita oficial a Maputo, António Costa falou sobre o
massacre de Wiriamu, levado a cabo por tropas portuguesas em Moçambique. “Neste
ano de 2022, quase decorridos 50 anos sobre esse terrível dia de 16 de Dezembro
de 1972, não posso deixar aqui de evocar e de me curvar perante a memória das
vítimas do massacre de Wiriamu, acto indesculpável que desonra a nossa
História”, afirmou.
No
livro “Orgulhosamente Sós — a
diplomacia em guerra (1962-1974), que acaba de ser editado, o embaixador
Bernardo Futscher Pereira escreve
sobre o massacre de Wiriamu e as suas consequências. O Observador publica aqui esses excertos.
O massacre de Wiriamu
“Em
Moçambique, a tensão com a Igreja medrou e alastrou ao longo de 1972. Em junho,
a PIDE/DGS prendeu duas centenas de sacerdotes negros de diversas Igrejas
protestantes. Os padres estrangeiros eram coagidos a abandonar a colónia. As
denúncias das violências praticadas pelas tropas portuguesas, publicadas em
órgãos obscuros da imprensa católica, não encontravam eco na opinião pública
europeia, facilitando a obstrução das autoridades militares aos inquéritos em
curso. Kaúlza continuava a sustentar, como nunca deixou de fazer, que tudo se
resumia a incidentes normais de guerra.
Wiriamu era o centro de um conjunto de aldeias 25 quilómetros a sul
da cidade de Tete. A partir de junho, chegaram à PIDE/DGS notícias de que
a FRELIMO se infiltrara na região. Em novembro começaram a registar-se ataques
na zona. As populações negras recusavam ser transferidas para o aldeamento de
Mpharhamadwe, para onde as queriam levar à viva força. Em dezembro, foi
decidido efetuar uma operação, cujo objetivo, ostensivamente, era transferir as
populações para o aldeamento e capturar o chefe local da FRELIMO, Raimundo
Dalepa, que, segundo informações da PIDE, tinha uma namorada em Wiriamu.
Verbalmente, a ordem dada à 6.ª companhia de comandos, que conduziu a operação
Marosca e perpetrou o massacre, foi para «limpar tudo».
Este
tipo de «operação de limpeza», como era conhecida na gíria militar, não era
invulgar em Moçambique. No caso de Wiriamu, revestiu-se de uma brutalidade sem
paralelo nos anais da guerra colonial. Os autores materiais foram as tropas da
6.ª companhia de comandos. As almas danadas foram os chefes locais da PIDE/DGS,
dois analfabetos, Chico Cachavi, um homem bruto e amante insaciável de
mulheres, e Johnny Kongorhogondo, adepto de magia negra.
No
dia 16 de dezembro de 1972, pouco antes do meio-dia, uma unidade logística
cercou as aldeias, delimitou o seu perímetro com bandeiras vermelhas e abriu um
corredor para canalizar as populações em fuga para o local onde ficaria situado
o aldeamento. Aviões da força aérea bombardearam as zonas exteriores do
perímetro para neutralizar uma eventual reação da guerrilha. Em seguida cinco
helicópteros largaram no local os comandos e os agentes da PIDE/DGS.
Na aldeia de Chawola, os testemunhos são concordantes. Após os
interrogatórios, o massacre começou a tiro, incentivado pelo chefe da PIDE,
Chico Cachavi, que gritava: «Matem-nos a todos, não quero ninguém vivo!» E a tropa
disparava. Na aldeia houve
mais de uma centena de mortos, cerca de um terço da população. Em Juawu, o
método foi diferente. Num depoimento de gelar o sangue prestado a
Joaquim Furtado, o alferes Antonino Melo, que comandou nesse dia o destacamento
dos Comandos, afirma que, como tinham de poupar munições, optaram antes por
enfiar as pessoas nas palhotas, e atirar lá para dentro uma granada,
incendiando tudo. Já ao final da tarde dirigiram-se a Wiriamu: mais uma vez a
população foi concentrada em palhotas, para onde foram lançadas granadas
incendiárias. Em Djemusse, as populações foram sujeitas a violentos
interrogatórios antes da matança. Já depois do sol-posto, foi criado um
corredor e ordenado às populações que se dirigissem às habitações em chamas.
Quando tentavam fugir eram metralhadas. Terá morrido um quarto da população. Em
Tete, nesse final da tarde, observou-se uma nuvem de fumo, um cheiro a carne
queimada, um alvoroço de pessoas em fuga.
É
impossível saber com exactidão quantas pessoas foram abatidas. As estimativas
iniciais, que apontaram para um total aproximado de 400 homens, mulheres e
crianças, tendem a ser confirmadas pelas exaustivas investigações entretanto
realizadas. Imediatamente após a matança, o padre Ferrão, um africano que
estivera preso na cadeia de Machava, e os padres José Sangalo e Vicente
Berenger, da congregação de Burgos, começaram a compilar listas dos nomes das
vítimas, acompanhadas de pormenores macabros das atrocidades. Informado pelos
padres espanhóis, o bispo de Tete, D. Augusto Ferreira da Silva, relatou o
sucedido ao governador da província em meados de janeiro. Os relatórios
preparados pelos padres foram em seguida copiados e enviados a todos os bispos
da colónia e aos dirigentes das diversas congregações missionárias que lá
operavam.
As tentativas de encobrimento começaram logo. O médico
José da Paz, chefe do hospital em Tete
e delegado da Cruz Vermelha,
acompanhado por três enfermeiras, deslocou-se no dia seguinte ao local dos
massacres. Conhecido como «o anjo branco», José da Paz fundara um serviço médico aéreo, pilotando ele
próprio o avião em que se deslocava para dar consultas e vacinar as populações.
O seu relatório foi «anulado» e ele próprio rapidamente transferido
para Nampula. No hospital em Tete, todos se calavam, com medo.
A 6 de janeiro, a 6.ª Companhia de
Comandos foi enviada de novo para Wiriamu para enterrar os cadáveres. Não era
um procedimento habitual – normalmente os corpos eram deixados à vista como
mensagem dissuasiva para as populações. As ordens precisavam que a companhia devia
ir desarmada. Como os Comandos eram instruídos a nunca se deslocarem sem armas,
as ordens não foram cumpridas. O
helicóptero que deveria recolhê-los nunca apareceu e quando buscavam um
caminho de regresso foram vítimas de uma
emboscada invulgarmente violenta. Antonino Melo sugere que foram atraídos a uma
cilada.
Repercussões de Wiriamu
Em
Moçambique, a tensão continuava também a aumentar. Abafar
Wiriamu era missão impossível tal fora a
dimensão da matança. No início de 1973, os relatos do massacre espalharam-se
nos círculos da Igreja. Em janeiro, foram
julgados os padres do Macutí, Joaquim Teles Sampaio e Fernando Marques
Mendes, que estavam presos na cadeia da Machava. Os padres espanhóis testemunharam em seu abono, detalhando a
ocorrência de massacres em Mucumbura. Nas
audições, o bispo de Tete
aludiu aos acontecimentos em Wiriamu falando de 300 ou 400
mortos.
O
ambiente na Beira estava incandescente. Os dois padres foram condenados, mas
postos em liberdade com pena suspensa ou considerada cumprida. Quando
regressaram à cidade, em fevereiro de 1973, foram recebidos com manifestações
hostis organizadas por Jorge Jardim e lideradas pelas suas filhas, que
percorreram a cidade acusando-os de traição. Joaquim
Teles Sampaio foi forçado a regressar a Portugal. Os padres espanhóis estavam
ansiosos por fazer chegar à Europa o seu relatório sobre Wiriamu. A 20 de
fevereiro, aproveitaram a partida de dois correligionários, expulsos de
Moçambique, para lhes entregar uma cópia. Apesar de revistados à partida pela PIDE
durante hora e meia, o documento não foi encontrado.
▲ Marcelo
Caetano pretextou surpresa e ignorância quando o massacre foi revelado — essa
reacção é pouco verosímil. CENTRAL PRESS/GETTY IMAGES
A 31 de março, perante o silêncio das
autoridades, a Conferência Episcopal de Moçambique escreveu ao governador-geral
da colónia, lavrando «a mais veemente indignação e protesto» perante incidentes
como o de Wiriamu, em que «centenas de pessoas, algumas das quais absolutamente
inocentes, perderam a vida por acção das Forças Armadas». Em Lisboa o Núncio
Apostólico fez uma diligência junto de Silva Cunha, que nunca tinha ouvido
falar do assunto.
Em
abril, abordou diretamente Marcelo Caetano, insistindo que estava na posse de
informações concretas dos bispos moçambicanos denunciando atrocidades em
Moçambique. No dia seguinte, Marcelo Caetano pediu um inquérito. Kaúlza
respondeu-lhe que estava já em curso. Com efeito, a 19 de março, o
comandante-chefe, invocando «rumores» sobre o mau comportamento «das Nossas
Tropas», mandara aprofundar as investigações sobre o sucedido.
No essencial, os resultados ilibavam
as tropas portuguesas. O número de mortes, estimado em 20 no relatório de acção,
passou para 63. Não obstante, Kaúlza continuava a achar «a conduta das Nossas
Tropas… absolutamente normal». A
cultura do encobrimento permanecia intacta.
Ainda antes de serem conhecidos os
resultados destas investigações, foi decidido afastar Kaúlza de Arriaga do
comando-chefe em Moçambique. Os seus métodos eram fortemente contestados pelo
chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o seu velho rival Costa Gomes. As suas relações com o ministro da Defesa, o general
Sá Viana Rebelo, estavam em ruptura. A PIDE considerava de interesse nacional
substituí-lo quanto antes. A 31 de maio, Viana de Rebelo informou-o de que a
sua comissão de serviço em Moçambique ia terminar.
Por
uma dessas coincidências significativas, a demissão foi-lhe oficialmente
comunicada por Marcelo Caetano numa
carta sibilina datada de 9 de julho, véspera da publicação da notícia que
revelou ao mundo o escândalo de Wiriamu. «Reconheço a
vantagem, para si, para Moçambique, para todos nós, em outra pessoa rever os
conceitos e as tácticas da acção anti-subversiva em Moçambique», afirmava o
Presidente do Conselho.
A
10 de Julho, o artigo do padre Adrian Hastings foi publicado na primeira página
do The Times causando imediata sensação. No dia seguinte a notícia fez manchete
em toda a imprensa inglesa. No papel de acusador, Hastings tornou-se a
personagem central de uma tempestade mediática. Marcelo Caetano pretextou
surpresa e ignorância. Essa reação é pouco verosímil. Mesmo que nunca tivesse
ouvido falar de Wiriamu, o que é mesmo assim de estranhar, o Presidente do
Conselho não pode ter ficado surpreendido. Já no passado repreendera Kaúlza por
violências em Moçambique. Acabara de o afastar do comando militar da província
poucas semanas depois de ter sido pessoalmente avisado pelo Núncio Apostólico
da ocorrência de novas atrocidades na província. A notícia do massacre,
transmitida pelas autoridades eclesiásticas, circulava nas altas esferas
governativas. Divulgada pela imprensa britânica, transformou-se num escândalo internacional que vibrou novo e
profundo golpe no regime.”
COMENTÁRIOS:
João Angolano: Apesar disso
mesmo a contra gosto foi mandado fazer um inquérito e a informação chegou
através dos padres e teve algumas consequências. Nem sempre é assim é apenas
fica mal rasgar as vestes por determinados acontecimentos - neste caso infames
- e assobiar para o lado quando ocorreram situações iguais ou quem sabe anda
piores. Aos pobres irmãos moçambicanos que morreram Deus os terá acolhido…aos
pobres militares que cumpriram esta ‘missão’ que tenha tido compaixão e aos
miseráveis militares que mandaram executar que se tenham arrependido para
merecer o perdão de Deus e neste momento possam já no céu beijar e pedir perdão
aos seus irmão moçambicanos. Deus é grande e misericordioso
João Angolano:
Um massacre desta natureza contra
populações indefesas é indesculpável ponto final.
MANUEL OLIVEIRA: As guerras portuguesas são sempre
diferentes, são mais softs as revoluções são com armas sem carregadores, com
cravos espetados nos tapa chamas. 50 anos depois vai um corta-fitas pedir
desculpa ao governo actual de Moçambique, QUE EM 50 ANOS deve ter promovido e
provocado dezenas de Wiriamus e centenas de mortos e estropiados. E quantos
rapazes da minha geração não foram vítimas de emboscadas e hoje quase não têm
apoio de ninguém. Não me foi possível passar ao lado desta notícia e
deste facto porque em Dez de 72 eu estava em TETE. Espero que os moçambicanos
sejam muito felizes porque ainda têm tempo.
Luís Abrantes: Não
devia ter acontecido… mas numa guerra com tal dimensão não parece que
se tenha repetido… americanos, franceses e ingleses podem dizer o mesmo…??? Já
nem falo dos russos…
Jose Infante: Qual será a
verdade ???
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