Do Dr. Salles –
e dos seus amigos, sobretudo Carlos Traguelho e Adriano Miranda Lima. Vai bem à parte. Et pour
cause.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 31.08.22
Gorbatchov morreu com morte anunciada
hoje, 31 de Agosto de 2022. Grande
sobrevivente os seus contemporâneos na guerra fria, Margareth Thatcher e Ronald
Reagan.
Recordo hoje duas
frases que marcaram o mundo:
- «Podemos confiar neste homem!» -
ouvi eu Margareth Thatcher
dizer num telejornal referindo-se a Gorbatchov;
- «Senhor Gorbatchov, deite abaixo este muro!» -
disse Reagan frente
ao muro de Berlim.
Eis três protagonistas
do fim da Guerra Fria, eis três personalidades que marcaram o seu tempo:
Thatcher e Reagan revigorando os seus então dormentes ou mesmo declinantes
países; «Gorby» tentando pôr um ponto final no anacronismo da ditadura do
Comité Central do PICUS (abreviatura fónica de PartIdo Comunista da União
Soviética).
Uns mais «réussis» que outros, anoto aqui que os
revigoramentos britânico e americano não exigiram mudanças estruturais nos
respectivos modelos políticos nem económicos enquanto a tarefa a que Gorbatchov
meteu ombros exigia uma profundíssima mudança política, uma radical alteração
do modelo económico «et pour cause», um grande incómodo para uma enorme teia de
interesses estabelecidos. Thatcher ganhou a
guerra contra a Argentina, Reagan ganhou a guerra das estrelas e Gorbatchov foi
demitido. Reagan retirou-se para
o seu rancho na Califórnia; Thatcher retirou-se para discreta vida familiar;
Gorbatchov transformou-se no «ex político palestrante» mais caro do mundo.
Claramente, estes não
são tempos de criação de heróis da política mas estranhei que a Rainha Isabel
II tivesse apenas enobrecido Thatcher com o título de Baronesa. Caramba, até o
nosso Conde-Barão foi mais do que ela!
Algo me diz que o
actual Czar, saudoso da «grande mãe russa», não vai patrocinar funerais de
Estado a Gorbatchov que fica na História como um homem de bem enquanto o actual
Czar…
RIP
Senhor Gorbatchov
31 de
Agosto de 2022
Henrique
Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Anónimo 31.08.2022 18:29:
Devemos-lhe muito e arriscou muito para
o conseguir . Um abraço. José Luís Silveira e Castro
Henrique Salles da Fonseca 31.08.2022 18:37: Assino
por baixo 👏👏👏 Lúcia Martin
Anónimo 01.09.2022 11:44:
Concordando com o que escreves, fica-me o dilema,
Henrique, o que comentar, tendo algum valor acrescentado ao que dizes e ao que
é comumente conhecido. E há uma dificuldade acrescida: é que, em termos históricos,
e embora se reconheça que Gorbatchev fez História (e nós tivemos o
privilégio de assistir a ela), já decorridos 30 anos sobre a sua saída do
Poder ainda há opiniões muito díspares sobre ele, quer internacional, quer
nacionalmente, que vão desde herói a traidor, como temos assistido desde ontem.
Há três aspetos que gostaria de assinalar: um, de os lideres
ocidentais não terem dado o respaldo financeiro necessário às suas reformas
(aspecto que, em geral, não é falado);
outro, de os lideres ocidentais subsequentes não terem
respeitado o compromisso assumido, em Moscovo, em 9/2/1990, pelo Secretário de
Estado Americano, James Baker, da Administração de Bush (pai), de não ser
alargada para leste a jurisdição da NATO, após a reunificação da Alemanha; e o terceiro respeita à personalidade
que lhe sucedeu – Boris Yeltsin – já para não falar da subsequente – Putin -,
que abandonou, em muito, o rumo de Gorbatchev, regressando ao habitual
procedimento autoritário e antiocidental.
Sobre o primeiro aspeto, acima mencionado, recorro ao livro
biográfico de W. Taubman (pág. 616) para poder afirmar que Gorbatchev pediu, em
vão, por diversas vezes, um apoio de 20 mil milhões de dólares e numa delas,
ele disparou ao Presidente Bush (pai): “Gastam-se 100 mil milhões para um
conflito regional [a Guerra do Golfo] mas não para a transformação da União
Soviética de adversário e ameaça em membro da comunidade mundial e da economia
internacional.” Quanto ao
segundo aspeto, transcrevo uma afirmação constante na página 18 do seu
livro “Que está em Jogo?” (escrito em 2019 e editado, entre nós, em 2021):
“Prometeram não alargar a NATO. Agora, justificam-se: nós comprometemo-nos com
a União Soviética, mas esse país já não existe. Boa explicação.” A grande lacuna, quanto a mim, por
parte do Ocidente foi de não ter aceitado, de não ter colaborado, no desígnio
“gorbatcheviano” da “construção da casa comum europeia”. Ainda em 2014 o Estadista dizia que era urgente essa
construção para se obter um adequado sistema de segurança, que incluísse os
EUA, o Canadá, a Rússia e países europeus, ou seja, a criação de uma estrutura
de segurança pan-europeia. Talvez
(talvez, sublinho) o Mundo, particularmente a Europa, fosse
diferente do que é desde 24 de fevereiro deste ano. É preciso ter em atenção
que o Presidente soviético se imaginava a construir um “lar europeu comum” para
os povos europeus livres e uma nova ordem mundial baseada na renúncia à força
(o acordo de desarmamento com o Presidente americano que mencionas é uma prova
disso). Tinha uma grande admiração por
Gorbatchev. Mas ao ler a biografia sobre ele, da autoria de William Taubman, já
por diversas citada por mim no teu blog, fica-se com uma admiração ainda maior
pelo Homem, que teve de romper muros (antes do de Berlim), que sofreu insultos,
traições e incompreensões. São tantos os casos que me limito a citar um: é revoltante a forma como foi despejado do
Kremlin e da datcha oficial pelo seu incompetente, populista, alcoólatra e
corrupto sucessor – Yeltsin -, tão corrupto que o primeiro acto oficial, se
não erro, do sucessor deste – Putin – foi promulgar
um decreto que protegia Yeltsin e família de qualquer investigação ou acusação
nesse domínio. Mesmo depois de morto, ainda o anátema cai sobre Gorbatchev
ao não ter, ao que parece, funeral de Estado.
Aquele autor, escreve no último parágrafo da sua monumental obra: “A União
Soviética desmoronou-se quando Gorbatchev enfraqueceu o Estado numa tentativa
de fortalecer o indivíduo. Putin fortaleceu o Estado russo limitando as
liberdades individuais.” Traduzindo do “teu” latim: Que descanse em Paz (a qual
tanto procurou). Abraço. Carlos Traguelho
Adriano Miranda
Lima 01.09.2022 15:58: Depois de ler o Dr. Salles da Fonseca e o Dr. Carlos
Traguelho, pouco espaço sobra para eu acrescentar algo de real interesse sobre
a figura de Gorbatchov. Penso que ele merece enfileirar com os grandes
vultos do século XX, mesmo que alguns fariseus o tentem denegrir ou analisar a
sua figura humana e política com aquele tipo de discurso ambíguo ou inócuo
muito comum em alguns intelectuais da nossa praça. Do Partido Comunista
Português não surpreende. E a televisão portuguesa transmitiu ontem declarações
do actual líder do partido e do que disse Cunhal à data da Perestróika.
Quem viu e ouviu tanto uma como outra criatura ficou com a confrangedora
sensação de estar perante duas autênticas múmias. Mumificadas no tempo e
no espaço que se concede ao homem para ser digno da sua condição de ser
pensante e agente de um mundo em permanente evolução. Mas o que verdadeiramente
choca é ouvir proferir mentiras que, de tão sibilinas, estilhaçam o espelho
mais espesso e duro. E a mentira crassa é dizer-se que Gorbatchov foi o obreiro
da ruína do sistema comunista, em vez de reconhecer-se que ele se desmoronou
por si próprio porque não tinha futuro, do mesmo modo que se teve um passado
foi por injunção de artificialidades e acção de uma máquina repressora que
operava para iludir o óbvio. Mas, enfim, não há nada a fazer senão
esperar que o tempo se encarregue de sepultar definitivamente o que não
dignifica e honra o património espiritual do homem. Ontem à noite, na
televisão, num debate entre 3 comentadores, gostei de ouvir a resposta que o José Milhazes
deu a um seu colega de painel.
Este é dos tais, como atrás referi, que se embrulham em ambiguidades e
imprecisões, para não dizer falsidades, e que não contribuem para a informação
e esclarecimento do público. José Milhazes deixou-me satisfeito com os
esclarecimentos e rectificações que prestou, não se inibindo de dizer que o seu
colega estava a incorrer em desonestidade intelectual. O Dr.
Traguelho, com muita oportunidade, lembra que os EUA, que aplaudiram a
Perestróika, no entanto recusaram a Gorbatchov o empréstimo financeiro que
teria sido necessário para empreender a reforma do sistema que visava e teria,
muito provavelmente, evitado a situação de ruptura interna que abriria o
caminho a Yeltsin e depois a Putin. Aqui, os EUA têm contas a prestar pela sua
imprevidência e errada leitura da História.
Anónimo 01.09.2022 18:55:
Caro Henrique, leitor
assíduo mas não comentador, não posso deixar de dizer que, infelizmente, ninguém,
hoje, faz a importante relação hoje aqui feita. Obrigado!
Nenhum comentário:
Postar um comentário