quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Faltava este texto


Do Dr. Salles – e  dos seus amigos, sobretudo Carlos Traguelho e Adriano Miranda Lima. Vai bem  à parte. Et pour cause.

DO MEU «LOROSAE» - 8

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO,  31.08.22

 Gorbatchov morreu com morte anunciada hoje, 31 de Agosto de 2022. Grande sobrevivente os seus  contemporâneos na guerra fria, Margareth Thatcher e Ronald Reagan.

Recordo hoje duas frases que marcaram o mundo:

- «Podemos confiar neste homem!» - ouvi eu Margareth Thatcher dizer num telejornal referindo-se a Gorbatchov;

- «Senhor Gorbatchov, deite abaixo este muro!» - disse Reagan frente ao muro de Berlim.

Eis três protagonistas do fim da Guerra Fria, eis três personalidades que marcaram o seu tempo: Thatcher e Reagan revigorando os seus então dormentes ou mesmo declinantes países; «Gorby» tentando pôr um ponto final no anacronismo da ditadura do Comité Central do PICUS (abreviatura fónica de PartIdo Comunista da União Soviética).

Uns mais «réussis» que outros, anoto aqui que os  revigoramentos britânico e americano não exigiram mudanças estruturais nos respectivos modelos políticos nem económicos enquanto a tarefa a que Gorbatchov meteu ombros exigia uma profundíssima mudança política, uma radical alteração do modelo económico «et pour cause», um grande incómodo para uma enorme teia de interesses estabelecidos. Thatcher ganhou a guerra contra a Argentina, Reagan ganhou a guerra das estrelas e Gorbatchov foi demitido. Reagan retirou-se para o seu rancho na Califórnia; Thatcher retirou-se para discreta vida familiar; Gorbatchov transformou-se no «ex político palestrante» mais caro do mundo.

Claramente, estes não são tempos de criação de heróis da política mas estranhei que a Rainha Isabel II tivesse apenas enobrecido Thatcher com o título de Baronesa. Caramba, até o nosso Conde-Barão foi mais do que ela!

Algo me diz que o actual Czar, saudoso da «grande mãe russa», não vai patrocinar funerais de Estado a Gorbatchov que fica na História como um homem de bem enquanto o actual Czar…

RIP Senhor Gorbatchov

31 de Agosto de 2022

Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIOS

 Anónimo  31.08.2022  18:29: Devemos-lhe muito e arriscou muito para o conseguir . Um abraço. José Luís Silveira e Castro

 Henrique Salles da Fonseca  31.08.2022  18:37: Assino por baixo 👏👏👏 Lúcia Martin

 Anónimo  01.09.2022  11:44: Concordando com o que escreves, fica-me o dilema, Henrique, o que comentar, tendo algum valor acrescentado ao que dizes e ao que é comumente conhecido. E há uma dificuldade acrescida: é que, em termos históricos, e embora se reconheça que Gorbatchev fez História (e nós tivemos o privilégio de assistir a ela), já decorridos 30 anos sobre a sua saída do Poder ainda há opiniões muito díspares sobre ele, quer internacional, quer nacionalmente, que vão desde herói a traidor, como temos assistido desde ontem. Há três aspetos que gostaria de assinalar: um, de os lideres ocidentais não terem dado o respaldo financeiro necessário às suas reformas (aspecto que, em geral, não é falado); outro, de os lideres ocidentais subsequentes não terem respeitado o compromisso assumido, em Moscovo, em 9/2/1990, pelo Secretário de Estado Americano, James Baker, da Administração de Bush (pai), de não ser alargada para leste a jurisdição da NATO, após a reunificação da Alemanha; e o terceiro respeita à personalidade que lhe sucedeu – Boris Yeltsin – já para não falar da subsequente – Putin -, que abandonou, em muito, o rumo de Gorbatchev, regressando ao habitual procedimento autoritário e antiocidental. Sobre o primeiro aspeto, acima mencionado, recorro ao livro biográfico de W. Taubman (pág. 616) para poder afirmar que Gorbatchev pediu, em vão, por diversas vezes, um apoio de 20 mil milhões de dólares e numa delas, ele disparou ao Presidente Bush (pai): “Gastam-se 100 mil milhões para um conflito regional [a Guerra do Golfo] mas não para a transformação da União Soviética de adversário e ameaça em membro da comunidade mundial e da economia internacional.” Quanto ao segundo aspeto, transcrevo uma afirmação constante na página 18 do seu livro “Que está em Jogo?” (escrito em 2019 e editado, entre nós, em 2021): “Prometeram não alargar a NATO. Agora, justificam-se: nós comprometemo-nos com a União Soviética, mas esse país já não existe. Boa explicação.” A grande lacuna, quanto a mim, por parte do Ocidente foi de não ter aceitado, de não ter colaborado, no desígnio “gorbatcheviano” da “construção da casa comum europeia”. Ainda em 2014 o Estadista dizia que era urgente essa construção para se obter um adequado sistema de segurança, que incluísse os EUA, o Canadá, a Rússia e países europeus, ou seja, a criação de uma estrutura de segurança pan-europeia. Talvez (talvez, sublinho) o Mundo, particularmente a Europa, fosse diferente do que é desde 24 de fevereiro deste ano. É preciso ter em atenção que o Presidente soviético se imaginava a construir um “lar europeu comum” para os povos europeus livres e uma nova ordem mundial baseada na renúncia à força (o acordo de desarmamento com o Presidente americano que mencionas é uma prova disso). Tinha uma grande admiração por Gorbatchev. Mas ao ler a biografia sobre ele, da autoria de William Taubman, já por diversas citada por mim no teu blog, fica-se com uma admiração ainda maior pelo Homem, que teve de romper muros (antes do de Berlim), que sofreu insultos, traições e incompreensões. São tantos os casos que me limito a citar um: é revoltante a forma como foi despejado do Kremlin e da datcha oficial pelo seu incompetente, populista, alcoólatra e corrupto sucessor – Yeltsin -, tão corrupto que o primeiro acto oficial, se não erro, do sucessor deste – Putin – foi promulgar um decreto que protegia Yeltsin e família de qualquer investigação ou acusação nesse domínio. Mesmo depois de morto, ainda o anátema cai sobre Gorbatchev ao não ter, ao que parece, funeral de Estado. Aquele autor, escreve no último parágrafo da sua monumental obra: “A União Soviética desmoronou-se quando Gorbatchev enfraqueceu o Estado numa tentativa de fortalecer o indivíduo. Putin fortaleceu o Estado russo limitando as liberdades individuais.” Traduzindo do “teu” latim: Que descanse em Paz (a qual tanto procurou). Abraço. Carlos Traguelho

 Adriano Miranda Lima  01.09.2022  15:58: Depois de ler o Dr. Salles da Fonseca e o Dr. Carlos Traguelho, pouco espaço sobra para eu acrescentar algo de real interesse sobre a figura de Gorbatchov. Penso que ele merece enfileirar com os grandes vultos do século XX, mesmo que alguns fariseus o tentem denegrir ou analisar a sua figura humana e política com aquele tipo de discurso ambíguo ou inócuo muito comum em alguns intelectuais da nossa praça. Do Partido Comunista Português não surpreende. E a televisão portuguesa transmitiu ontem declarações do actual líder do partido e do que disse Cunhal à data da Perestróika. Quem viu e ouviu tanto uma como outra criatura ficou com a confrangedora sensação de estar perante duas autênticas múmias. Mumificadas no tempo e no espaço que se concede ao homem para ser digno da sua condição de ser pensante e agente de um mundo em permanente evolução. Mas o que verdadeiramente choca é ouvir proferir mentiras que, de tão sibilinas, estilhaçam o espelho mais espesso e duro. E a mentira crassa é dizer-se que Gorbatchov foi o obreiro da ruína do sistema comunista, em vez de reconhecer-se que ele se desmoronou por si próprio porque não tinha futuro, do mesmo modo que se teve um passado foi por injunção de artificialidades e acção de uma máquina repressora que operava para iludir o óbvio. Mas, enfim, não há nada a fazer senão esperar que o tempo se encarregue de sepultar definitivamente o que não dignifica e honra o património espiritual do homem. Ontem à noite, na televisão, num debate entre 3 comentadores, gostei de ouvir a resposta que o José Milhazes deu a um seu colega de painel. Este é dos tais, como atrás referi, que se embrulham em ambiguidades e imprecisões, para não dizer falsidades, e que não contribuem para a informação e esclarecimento do público. José Milhazes deixou-me satisfeito com os esclarecimentos e rectificações que prestou, não se inibindo de dizer que o seu colega estava a incorrer em desonestidade intelectual. O Dr. Traguelho, com muita oportunidade, lembra que os EUA, que aplaudiram a Perestróika, no entanto recusaram a Gorbatchov o empréstimo financeiro que teria sido necessário para empreender a reforma do sistema que visava e teria, muito provavelmente, evitado a situação de ruptura interna que abriria o caminho a Yeltsin e depois a Putin. Aqui, os EUA têm contas a prestar pela sua imprevidência e errada leitura da História.

 Anónimo  01.09.2022  18:55: Caro Henrique, leitor assíduo mas não comentador, não posso deixar de dizer que, infelizmente, ninguém, hoje, faz a importante relação hoje aqui feita. Obrigado!


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