Sem solução, afinal, que o apelo às armas, de
esplendor inegável, na sua exposição de brilho, do texto a seguir, lembra
antigos cravos postos nos canos daquelas, que viraram um país do avesso, à
nossa maneira mansa, de Paulino com olho…
Irremediabilidade
Uma coisa é uma “crise”, outra, o peso da palavra
presidencial, que não do seu comentário; ou a influência da sua magistratura,
que não omnipresença.
MARIA JOÃO AVILLEZ OBSERVADOR, 24 jun 2021,
00:1241
1Há um sopro
de irremediabilidade no ar. Vive-se entre o alheamento e a descrença, numa
espera parada. Ninguém
(ou quase) acredita em nada. Seis anos
deste socialismo que Mário Soares nem abraçaria, nem praticaria, forçaram-nos a
uma condição muito pouco parecida com o que deve ser uma vida de plena
cidadania: um colectivo
de mais de setenta pessoas (o maior de sempre) que em vez de governar
nacionalmente – para isso
foi (finalmente) eleito há dois anos – o faz para os “seus” e para o
funcionalismo público, dividindo os portugueses entre filhos e enteados.
Não há procura de bem comum, há afã e afinco numa acção política
de defesa de uns e desconsideração dos outros: beneficiando quem pertence ao universo do voto
antecipadamente assegurado e desconfiando de quem se activa a produzir riqueza,
que é o outro nome para quem tenta fazer crescer um país impedido politicamente
de crescer. Cresce o
Estado. ( e até onde crescerá ainda?), ampliando diariamente
uma administração pública cuja dimensão é directamente proporcional à sua
estrondosa, vergonhosa, indecente, ineficácia. Não é difícil antecipar uma herança que um dia,
indefesos e aflitos, os nossos netos descobrirão que se chama Portugal.
2As
sondagens mais dia menos dia são assim capazes de começar a resvalar para o
ilusório: a abstenção tem sido demasiado eloquente para ser disfarçada, o
governo – minoritário – representa quarenta por cento de muito menos do que se
pensa. De fora do perímetro do funcionalismo público e dos
dependentes da família socialista alargada (ambos solidamente ancorados na
forma-mentis portuguesa, é verdade) há no entanto muita gente que começa a não
gostar do que vê. Há sim, mesmo
que não pareça ou que ainda não seja a toada geral. Gente que não gosta
deste modus faciendi político, que não gosta de se saber enteada em
vez de filha de pleno direito; gente que já se apercebeu que como nos
termómetros a febre da corrupção tem subido (e a decência descido); que se
enoja (desculpem) de ver governantes sentados na sua própria
irresponsabilidade, continuarem também sentados no conselho de ministros; de
ouvir a toda a hora – sem sombra de pudor ou vergonha –evocar os milhões para a
TAP ou para os Novos (e velhos) bancos, enquanto se atrasam prometidos e
calendarizados apoios ou quando as (insubstituíveis) Instituições de
Solidariedade Social quase agonizam.
Já se sabe? Já, nada disto é de agora. O que pode ser novo é a consciencialização
disto, ou seja o poder transformador dessa mesma consciencialização, assuma ela
a forma que assumir. Não
há alternativa? Até haver, não há (La Palisse não
o diria como mais brilho)A diferença é que essa espécie de paralisante ausência
de alternativa que o país interiorizou como um “dictat”, um dia também se
sumirá do horizonte. A política é pródiga em surpresa.
3Claro,
já se sabe, vem aí muito, muito, dinheiro. Outra ilusão: sulfúrica para
Portugal, venenosa para o governo, nefasta para os portugueses. De resto, fora
do reduto do “eles” (“eles” são a vasta família que nos desgoverna mais os seus
dependentes) quantos são os portugueses que acreditam: 1) que o tal Plano de
Recuperação irá ser bem aplicado? 2) que a sua concretização contemplará as
prioridades e necessidades prementes do todo nacional e não só alguns dos seus
sectores políticos, económicos, sociais, sociológicos, em detrimento dos do
costume? Poucos acreditarão. Ou seja, poucos acreditam que daqui a meia dúzia de
anos, o país tenha dado boa, proveitosa e equitativa conta dos milhões que
pediu para ir com pressa levantar ao banco (pedido infelizmente imortalizado
por uma câmara de televisão: dormiríamos melhor se quando nos contassem,
pudéssemos ao menos duvidar).
4Ninguém
melhor do que o Presidente da República
sabe tudo isto. E como sabe, Marcelo teme: pelo destino do PRR, pelo efeito
potencialmente errado das escolhas e prioridades nele contidas, pela incerteza
que dessa lista de escolhas resulte um Portugal “melhor”; pelas divisões que
acentuará no país e na sociedade portuguesa.
E
por isso repete a torto e a direito que “crise” nem pensar: está fora do menu
presidencial ou como dizem nas perfumarias “o artigo está descontinuado”. Somar uma crise de proporções desconhecidas à
complexíssima concretização de um Plano desta envergadura financeira e
política, ”nem pensar”. Por saber que Marcelo pensa tudo isto, pertenço
assim ao (diminuto?) grupo dos que nunca acharam que aquele torpedo disparado
sobre António Costa – “sou eu que nomeio o Primeiro-Ministro e não ele que
nomeia o Presidente da República” – fosse um pré-aviso de crise ou um anúncio
de ruptura. Foi um sinal de desagrado, o que não é o mesmo. Ou melhor, foi o
que o Presidente acha que pode fazer.
5Acha mas é pena que ache. Sucede que o Chefe de Estado
não está infelizmente certo ou tão certo como pensa. Ou melhor, tão “limitado”. Há folga ( se ele tiver
fôlego) para mais exigência de responsabilização ou pelo menos uma considerável
parte dos portugueses e não apenas do centro ou da direita, percepciona que há.
Muito
provavelmente se o PR me ouvisse diria que o faz em privado. Seja, mas não
chega: o país precisa de saber que o faz, que também se espanta, se indigna, se
aflige. Mais: uma coisa é uma crise, outra, o peso da sua palavra, que não do
seu comentário; ou a influência da sua magistratura, que não se pode confundir
com omnipresença. E ainda:
uma coisa é infantilizar os portugueses com selfies e excesso de proximidade,
outra, saber mobilizá-los para um combate e o país precisa de alguns. (e
só estou agora a pensar na educação e na justiça).
6O pior que podia acontecer era o Presidente da
República também se deixar contaminar pela sensação de irremediabilidade que
tinge boa parte do ar deste tempo. Ou
já deixou? Ás vezes parece. Mas pode ser que eu esteja enganada.
COMENTÁRIOS:
Antonio Alvim: 24/06/2021: "Presidente da República considera que legislativas de 2023 devem
servir para julgar uso dos fundos europeus". Penso que com esta frase
Marcelo se pôs fora de jogo. Deixou para os eleitores a avaliação. Carlos Quartel, 24/06/2021: Hoje as crónicas do dia são de derrota, de
desânimo, de desesperança. Com vários tons e intensidades, em todas elas se
nota um sentimento de inevitabilidade, da impossibilidade de qualquer alteração.
De facto, com todas as
tropelias governamentais (e camarárias) o alheamento popular é desesperante.
Nem golas, nem Cabritas, mais ou menos Adão, ou Vitorino, com ou sem procurador
para Bruxelas, com declarações sobre a PGR, com primeira página do Expresso
referindo o nível da aldrabice em 70%, tudo isso é conversa que entre por um
ouvido e sai pelo outro, para a grande arte da população. O futebol tudo cobre e para
quem não gosta, aí temos as Cristinas e as Júlias. Todo o arco da imbecilidade
está preenchido e ninguém escapa. Quanto a Marcelo é um colaborador necessário ao
sistema, com algumas independências avulsas, mais para justificar a função.
Enquanto a teta de Brucelas não
secar, que ninguém conte com modificações. O povo está feliz e passámos aos oitavos ..... Hugo Filipe: 24/06/2021: o presidente faz parte do problema. Henrique Ribeiro 24/06/2021: A preocupação é assaz genuína e
sobremaneira pertinente. No rol dos que a sentem, angustiados, há muitos que
vivem o dia-a-dia com o credo na boca. Contudo, a conduta de "...
infantilizar os portugueses com selfies e excesso de proximidade..."
evidencia que o presidente prefere aquela postura à de "... saber
mobilizá-los para um combate e o país precisa de alguns (e só estou agora a
pensar na educação e na justiça)". A inteligência que os media lhe
atribuem não tem expressão efectiva no que ao exercício do poder concerne. Carlos Deslandes Heitor, 24/06/2021: infelizmente a maria Joao não está enganada...quem está enganado são os
milhares/milhões de portugueses, uns ingénuos ,outros que se aproveitam dos
restos deste socialismo corrupto. Enquanto isso acontecer temos que sustentar
esta tropa fandanga, medíocre, sem ambição e a encher os bolsos à nossa custa. Simplesmente Maria: 24/06/2021: Um artigo que excede o superlativo de excelente. Pena não ser lido pelo PR,
mas a história o julgará.
Andrade QB, 24/06/2021: Para se começar a centrar o discurso no que se pode fazer com os tais de
que depende o desenvolvimento do país e menos com a denúncia de como o PS
manipula os sectores de eleitores a quem compra os votos, falta resolver essa
púdica tolerância com Marcelo Rebelo de Sousa. Não, Marcelo nem uma vez fez um
dos seus alertas para alterar o que Costa quis fazer. Os seus
"alertas" destinam-se a deixar passar o jogo sujo de Costa. Quando
faz o alerta para o necessidade de um bom uso das esmolas é para fazer passar o
descarado apoio que deu à substituição no aparelho da justiça e Tribunal de
Contas de quem poderia velar por isso. bento guerra > advoga diabo, 24/06/2021: ...que te carregue.
Luisa Falcão, 24/06/2021: Os nossos filhos e netos não nos vão perdoar a falta de decência política
que tudo inquina. Como lhes iremos explicar? Manuel Ferreira21 24/06/2021: Brilhante
artigo. A Maria João sabe que ele a lê e não deixa de ler os nossos comentários. Um presidente tentar
contrariar a nossa mediocridade tem custos, incompatíveis com as memórias
fofinhas que os presidentes gostam de escrever. Tal como ficou
demonstrado com Cavaco, um dos melhores políticos da democracia, ao
deixar falir o país pelo Sócrates, sendo Cavaco um economista conceituado, não
podemos esperar milagres de Marcelo, um situacionista deste "Estado
Novo" da democracia. A presidência da república é irrelevante e o
parlamentarismo matará a democracia, como aconteceu na 1ª República. Reitero,
caminhamos para nova pré-bancarrota e consequente pedido de ajuda. Nada
de angústias, o futebol é a prioridade e agora temos de arranjar autocarros e
ir todos para Sevilha, segundo Ferro Rodrigues. Uma questão para os avençados
da comunicação social: como está o caso da marquise do Ronaldo? Devíamos voltar
a colocar panos negros nas estátuas do Camões em todo o país e ter um assomo de
dignidade. Se continuarmos assim, vamos acabar a disputar o 1º lugar na Europa
com os Romenos. Mas atenção, nem tudo está mal: há 136000 portugueses com um
património de 1 milhão de dólares, parece impossível, não é?
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