sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Antes pelo contrário


Para um texto isento – de JOÃO MARQUES DE ALMEIDA – um comentário realista, que repito, com prazer, de Ark NabuL : «A novilíngua neo-marxista dilui todos os conceitos. Como diz quem sabe, usam as mesmas palavras mas um dicionário diferente. Fascismo significa, para eles, que são quem manda na comunicação social e nas instituições mundiais, toda a pessoa que se opõe à nova grande religião secular. Porque sabem que a religião cristã se opõe como alternativa religiosa, gritam fascismo. Porque sabem que a nação atrasa a revolução mundial que está em marcha, gritam fascismo. Porque sabem que a família é um obstáculo na criação da Guarda Vermelha Maoista, gritam fascismo. Orban, no meio de todos os seus defeitos e virtudes, irá ficar para a história, se ainda houver quem a pratique daqui por poucas décadas, como um herói na Hungria, por ter construído um dique perante a maré vermelha que alastra no mundo». 

Coisas assustadoras para que já apontava George Orwell no seu monstruoso «1984», de uma sociedade sem alternativa.

 

Assustar com o “fascismo” já não chega

Nada tenho contra Draghi mas valorizo acima de tudo a democracia. Por isso, acho que é muito bom para a democracia italiana que a vencedora das eleições seja a próxima PM de Itália. 

JOÃO MARQUES DE ALMEIDA, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 28 set 2022, 05:1548

É impressionante como o chamado “pensamento de manada”, ou a recusa em pensar de um modo independente, domina a análise e o comentário político. A propósito das eleições em Itália (e também na Suécia), quase todos os cronistas falam do “neo-fascismo”, do “pós-fascismo”, da “extrema direita” sem pensar sobre o que estão a escrever e sobre a validade e o rigor dos conceitos que usam. Escrevem isso porque os outros que “pensam” como eles também o fazem. Parece que escrevem com fórmulas copiadas e gastas em vez de argumentos bem pensados. Chegámos a uma pobreza intelectual que mete dó. 

Parece óbvio que o eleitor comum (em cada vez mais países europeus) percebe muito melhor o que é o fascismo do que os comentadores. A Europa não ficou subitamente cheia de fascistas. Talvez fosse mais útil tentar perceber esse eleitorado do que simplesmente tentar assustá-lo com a palavra fascista. Não funciona. Além disso, a vulgarização do termo fascismo é terrível: quem se preocupa verdadeiramente com a liberdade, a justiça e a democracia não vulgariza uma ideologia que assassinou milhões de pessoas e destruiu países inteiros. Se não querem aprender, sejam pelo menos responsáveis.  

Obviamente, Meloni não é fascista. É uma conservadora e nacionalista, com algumas semelhanças com os conservadores britânicos. Ao contrário dos comunistas portugueses, na guerra da Ucrânia está ao lado de quem luta pela liberdade nacional e pela democracia, contra o imperialismo militar russo. Sim, defende “Deus, pátria e a família.” Mas isso não significa ser “fascista”. A esmagadora maioria dos Católicos, dos patriotas e daqueles que consideram a família como o elemento central das nossas sociedades não é fascista. O facto de Mussolini ter usado a mesma expressão, como alguns notaram, não serve para colocar Meloni na família fascista. Stalin também usava a expressão “classe trabalhadora”, e isso não significa que todos os socialistas e sociais democratas que também a usam sejam comunistas.   

Aliás, vale a pena recordar uma data: 20 de Setembro de 2019, 80 anos depois do início da Segunda Guerra Mundial. No Parlamento Europeu, o grupo dos Conservadores, do qual o partido de Meloni faz parte, apresentou uma resolução a condenar os crimes dos totalitarismos comunista, fascista e nazi. Mais de 80% dos deputados europeus votaram a favor da resolução. No caso dos representantes portugueses, o PS, o PSD, o CDS e o PAN votaram a favor. O PCP e o Bloco votaram contra. Na questão política mais importante da história europeia do século XX, democracia vs totalitarismos, o PCP e o Bloco votaram ao lado dos totalitarismos, e o partido de Meloni votou ao lado das democracias. No editorial de segunda feira, o Director do Público mostra uma grande preocupação com a “extrema direita” dos Irmãos de Itália, falando ao mesmo tempo da “normalização” do PCP. Em que mundo vive este senhor? Até onde se pode ir para negar a realidade?  

Também é verdade que no passado Meloni foi dura com a União Europeia. Mas criticar Bruxelas ou ser eurocéptico não é equivalente a ser fascista. A União Europeia foi formada por países democráticos, pluralistas e com sociedades abertas. É inteiramente legítimo atacar a União Europeia. Nas democracias liberais, nada está acima das críticas. Além disso, as críticas de Meloni à Europa devem ser entendidas no contexto italiano.

Há problemas muito sérios com a democracia italiana. Nem é preciso recuar à profunda corrupção da Primeira República, dominada pelos socialistas e os democrata-cristãos, e ambos pró-europeus. Basta ir a 2008, o último ano em que a Itália viu o vencedor das eleições chegar a PM. É verdade que nas democracias representativas, por vezes, os PMs não são os vencedores das eleições (muito provavelmente, vai acontecer isso na Suécia). Mas 14 anos sem um vencedor das eleições a PM é um problema sério. O que sentiriam os portugueses se isso acontecesse em Portugal?

Em 2011, no meio da crise financeira, Berlusconi foi deposto por Berlim e Paris, e substituído por Mário Monti. Os seja, Merkel e Sarkozy, na altura, substituíram os eleitores italianos. Desde aí, a Europa tornou-se menos popular em Itália, o que não surpreende. E muitas críticas são dirigidas ao domínio da Alemanha e da França e não à União Europeia, o que é diferente. Após as eleições de 2013, o líder da coligação de esquerda, Bersani, não conseguiu formar governo (não tinha maioria absoluta), e foi Lette que chegou a PM, fazendo uma coligação com Berlusconi (que credibilidade tem agora Lette para chamar “neo fascista” a uma coligação onde está um seu antigo aliado?). Em 2015, num golpe dentro dos Democratas, Renzi substituiu Lette como PM, daí o ódio entre os dois e a impossibilidade de terem feito uma coligação de centro esquerda contra a direita liderada por Meloni. Nas eleições de 2018, as chamadas eleições dos populismos, o vencedor foi a 5 Estrelas, com a Liga em segundo lugar. Mas o PM foi um independente, Conte, porque ninguém confiava no líder da 5 Estrelas, Di Maio, ou no líder da Liga, Salvini. Em 2021, Conte foi substituído por outro PM não eleito, Draghi.

Nada tenho contra Draghi, foi um grande Presidente do BCE e espero que seja o próximo Presidente italiano (e o mais rapidamente possível), mas valorizo acima de tudo a democracia. Por isso, acho que é muito bom para a democracia italiana que a vencedora das eleições seja a próxima PM de Itália. 

Também celebro que pela primeira vez a Itália tenha uma mulher como PM. Como estariam os nossos comentadores a celebrar se a esquerda italiana tivesse eleito uma mulher como PM. Mas a esquerda italiana não gosta de mulheres líderes. Desde 1945, o PS italiano e depois o Partido Democrata nunca tiveram uma mulher como candidata a PM. E a direita tem sido igual, com a excepção de Meloni agora.    

Mas, apesar das celebrações iniciais, não estou optimista em relação ao futuro governo italiano. Julgo que será mais moderado do que muitos julgam, e Meloni e Draghi poderão mesmo fazer uma aliança que eleve o ainda PM a Presidente italiano. Mas é a primeira vez que os Irmãos de Itália vão governar e convém que haja um escrutínio apurado sobre o governo. Sobretudo, convém prestar atenção a tentações para violar o estado de direito e a independência da justiça, mas isso aplica-se a muitos partidos políticos. Também será importante observar se o governo irá contribuir para uma maior polarização em relação à oposição democrática. Se é um enorme disparate chamar fascista a Meloni, também será um grande erro se o futuro governo de Itália diabolizar a oposição. 

Mas, pior ainda, são os aliados de Meloni, Berlusconi e Salvini. Não são de confiança. Serão os maiores adversários de Meloni e passarão a vida a conspirar contra ela. Berlusconi é um sexista sem princípios nem maneiras que nunca aceitará uma mulher como líder. Salvini não perdoa ter sido ultrapassado por Meloni. O melhor que poderia acontecer a Meloni seria a substituição de Salvini na presidência da Liga por alguém disposto a trabalhar de um modo construtivo com os Irmãos de Itália. Mas desconfio que a democracia italiana continuará na mesma: incapaz de resolver os problemas mais sérios que o país enfrenta. Isso é que é grave. Esqueçam o fascismo

DEMOCRACIA   SOCIEDADE   ITÁLIA   EUROPA   MUNDO

COMENTÁRIOS:

João Floriano: Mas 14 anos sem um vencedor das eleições a PM é um problema sério Em 2015 aconteceu-nos o mesmo. Dir-me-ão que a partir daí António Costa já venceu mais duas eleições legislativas e uma delas com maioria absoluta mas a verdade é que em 2015 a História de Portugal deu uma reviravolta inesperada e não anunciada, pelo menos para a maioria dos eleitores e isso tem tido consequências desastrosas na nossa democracia. Nunca saberemos o que poderia ter sido Portugal se a geringonça não tivesse existido. Em relação ao texto de JMA, está felizmente desgarrado da manada. Faz a separação nítida entre Meloni e os seus parceiros do poder e a análise é objectiva e  clara. A esquerda vai ter de arranjar outro papão porque está claro que o papão do fascismo já não serve para as famosas linhas vermelhas. Foi demasiado banalizado.                   Pedro Ferreira > Mario Guimaraes:  Não sei quem é mais fascista, se a Meloni ou as pessoas que acham que todos os outros devem pensar como elas                 Madalena Sa:  Muito bem, alguém que fale com clareza! Ja chega de demagogia!                João Floriano > Fernando Cascais: Excelente comentário. Mais tarde ou mais cedo e eu parece-me que será mais cedo, a Europa vai ter de se confrontar com  a realidade e a realidade é que é impossível escancarar as portas da Europa e dar um bom acolhimento  a todos os emigrantes, refugiados, fugitivos da miséria e da guerra, já não só de África e Ásia mas agora também da própria Europa com a guerra na Ucrânia. O comentário do Fernando fala na concorrência desleal no sector laboral, mas há outros aspectos a considerar como as más condições de alojamento, a ilegalidade da permanência que gera todo o tipo de chantagem e exploração e a importação de diferentes culturas que facilitam a formação de ghettos. Os governos europeus vão ter de enfrentar um banho gélido de realidade              Fernando Cascais: O sucesso eleitoral dos ditos partidos populistas ou de extrema direita está muito relacionado com a emigração. Trump falava da construção de um muro com México, Le Pen defende os valores culturais franceses e agora Meloni quer criar uma solução para impedir o salto dos emigrantes para Itália através do mediterrâneo. Nas últimas eleições na Suécia o tema da emigração também deu uma vitória á direita. O nosso André Ventura também carrega na tecla da xenofobia, porque a esquerda em associação com a Comunicação Social classifica qualquer abordagem á emigração como xenofobia ou racismo. A verdade é que os países que acolhem as massas de emigrantes que fogem dos seus países pelas mais variadas razões são muito influenciados nas suas dinâmicas económicas e sociais pelo grande número de emigrantes que recebem. Para as esquerdas e centro direita a emigração é um não assunto. Para a sociedade civil votante a emigração é uma preocupação grave, importante e actual. Em países como Suécia, Noruega, Finlândia ou mesmo Alemanha existe um sentido cívico apuradíssimo. As sociedades têm o seu desenvolvimento económico e social construído nos alicerces do civismo. Se estas sociedades vêem toda a sua base social a ser desconstruída pela integração de novas culturas trazidas por ondas maciças de emigrantes, obviamente, que é um assunto importante para as pessoas que pode gerar um sentimento de revolta. O problema das esquerdas e centro-direita é não saberem como abordar o assunto de forma politicamente correcta para não caírem nas acusações de xenofobia e racismo. Augusto Santos Silva é um bom exemplo. Em Portugal o CHEGA também vai continuar a crescer com eleitorado dissidente dos socialistas. Os ordenados em Portugal são muito baixos e a culpa, em parte, é dos emigrantes que se sujeitam a ordenados míseros e a condições de vida sem a mínima qualidade. A emigração é uma concorrência desleal á mão-de-obra portuguesa, dizem já muitas bocas que votaram Costa. A segurança que tem vindo a piorar será outro motivo. Também o gestão dos impostos, designadamente, a serem gastos com os de fora leva votos para o CHEGA. O voto é secreto, e quem vota são os portugueses, não os emigrantes. As esquerdas e centro-direita, mais tarde ou mais cedo, terão que debater as políticas de emigração e segurança sem medo de serem chamados de xenófobos ou racistas. Só assim poderão  manter-se na corrida eleitoral com a extrema direita. A emigração e as políticas de imigração serão o tema político principal desta década.               Tristão: Como se costuma dizer, “está-lhe na massa do sangue”, os me(r)dia esquerdistas vão continuar a sua desonestidade intelectual, aliás, não sabem ser de outra forma, de qualquer forma louvo-lhe o esforço… e como alguém disse, ao chamar fascistas a estes partidos populistas ou mesmo de extrema-direita o que está a fazer é ofender a memória de milhões que morreram e sofreram às mãos dos verdadeiros fascistas e ao mesmo tempo a dar uma ideia errada do que foi o verdadeiro fascismo às gerações mais novas, pois se isto é fascismo então afinal não é assim tão errado. Enfim, tudo uma porca miséria!                 João Ramos: Bom artigo, sem complexos e de uma grande objectividade… ou então somos todos fascistas, só não o são a inútil esquerda que apenas serve para dar cabo dos países!!!               João Eduardo Gata: A Maioria do Jornalismo Português é LIXO esquerdóide, ou seja, é Jornalixo !            Joana Fernandes: Excelente! Muito obrigada pela análise desempoeirada e esclarecida como sempre! Parabéns, JMA!              Censurado sem razão: Mas não esqueçam nunca o comunismo. Ele anda por aí e mais aceso do que nunca. Mudando de assunto. Porque deixou de ser comentador da sic? Muito apreciei as suas intervenções. Até disse para a minha esposa, isto não vai durar muito. O Ricardo Costa pensou, talvez, que você se auto censuraria na presença da estação do irmão do PM.  Você terá sempre o meu respeito. Só lamento que a maioria do comentariado nacional baixe as calças ao Costa.                 Lucas Corso: "Mas 14 anos sem um vencedor das eleições a PM é um problema sério. O que sentiriam os portugueses se isso acontecesse em Portugal?" Claro que não sendo 14 anos, Portugal também teve duas ocasiões em que isso sucedeu. Nos final dos anos 70, como dois governos de iniciativa presidencial, liderados por Maria de Lurdes Pintassilgo e Carlos Mota Pinto. Mais recentemente em 2015, com um primeiro-ministro que não ganhou as eleições, António Costa, a chegar ao poder por uma jogada palaciana. Os portugueses não se escandalizaram, mas imagino que teriam uma síncope se essa jogada tivesse vindo de outra área política.                Tiago Manso: Sim. Esquecem o fascismo. Não existe e é um mito da comunicação social e comentadores, que acham que direita a sério é ser fascista, enquanto com toda a benevolência branqueiam a extrema esquerda, essa sim, nunca banida da Europa, e que, já agora, matou muitos mais milhões que o Hitler!             Ark NabuL > Mario Guimaraes: A novilíngua neo-marxista dilui todos os conceitos. Como diz quem sabe, usam as mesmas palavras mas um dicionário diferente. Fascismo significa, para eles, que são quem manda na comunicação social e nas instituições mundiais, toda a pessoa que se opõe à nova grande religião secular. Porque sabem que a religião cristã se opõe como alternativa religiosa, gritam fascismo. Porque sabem que a nação atrasa a revolução mundial que está em marcha, gritam fascismo. Porque sabem que a família é um obstáculo na criação da Guarda Vermelha Maoista, gritam fascismo. Orban, no meio de todos os seus defeitos e virtudes, irá ficar para a história, se ainda houver quem a pratique daqui por poucas décadas, como um herói na Hungria, por ter construído um dique perante a maré vermelha que alastra no mundo.                Paulo Cardoso: Muito bem!!!👏👏👏

Nenhum comentário: