sábado, 17 de setembro de 2022

Pulsões na evolução


Das sociedades. Têm a ver com causas, trarão consequências, ao nível social, moral, humoral, civilizacional, sentimental...

Mas os poetas defendem-se. Com as suas máscaras, forma de fuga, como Pessoa:

«Na sombra Cleópatra jaz morta.

Chove.

Embandeiraram o barco de maneira errada.

Chove sempre.

Para que olhas tu a cidade longínqua?

Tua alma é a cidade longínqua.

Chove friamente.

E quanto à mãe que embala ao colo um filho morto —

Todos nós embalamos ao colo um filho morto.

Chove, chove.

O sorriso triste que sobra a teus lábios cansados,

Vejo-o no gesto com que os teus dedos não deixam os teus anéis.

Porque é que chove?»

 

A vez da Suécia

Em 2002 os Democratas Suecos tiveram 1,4% dos votos, crescendo para 12,9% em 2014. Tornou-se então evidente o que aconteceria e esta eleição confirmou. Pior. Sabemos o que está a acontecer na Europa.

EUGÉNIA DE VASCONCELLOS: Poeta, ensaísta, escritora

OBSERVADOR, 16 set 2022, 00:1639

Acaba de acontecer na Suécia o que aconteceu em Portugal, em 2015, quando o PSD de Passos Coelho ganhou as eleições. O PS de António Costa firmou uma aliança governativa, ou uma «posição conjunta», que veio a ser conhecida por geringonça por graça de Pulido Valente, de centro esquerda-esquerda radical com o apoio do PCP, do Bloco e do PEV.

Na Suécia, as mesmíssimas circunstâncias obrigam agora a que o partido mais votado, o PSD, com 107 mandatos, não forme governo. Há uma aliança governativa ou «posição conjunta» entre a direita etno-nacionalista, ou nativista, partido dos Democratas Suecos, com 73 mandatos, os Moderados, com 68, os Democratas Cristãos com 19, e os Liberais com 16. A Esquerda, o Centro e os Verdes somaram 66 mandatos o que, por muito pouco, não chega para uma maioria com o PSD.

O crescimento do partido dos Democratas Suecos (DS), ao contrário do que afirma alguma comunicação social, não é surpreendente. Os DS são a segunda maior força partidária no país. É um partido nativista, nacionalista e populista. Com os seus congéneres populistas europeus partilha as políticas anti-imigração, o anti-globalismo e o proteccionismo. E tentou desde 2002, com sucesso, demarcar-se da Nova Democracia e do seu discurso e propostas – o mesmo fez Marine Le Pen quando se distanciou das propostas anteriores oferecendo a Zemmour a controvérsia enquanto ela própria se normalizava.

O crescimento da direita radical na Suécia foi mais lento do que nos países seus vizinhos. De acordo com estudos sobre o fim da excepcionalidade sueca no que à extrema-direita diz respeito, essa manteve-se enquanto as estruturas socio-económicas determinaram a agenda política. Isso identificava os eleitores com o PSD e impedia a sua radicalização e a polarização: não se colocavam, como nas restantes democracias ocidentais, as situações classicamente exploradas pela extrema direita ou pela extrema esquerda, de os trabalhadores contra o capital ou a desaprovação do grau de envolvimento estatal na economia. Também as políticas socio-culturais que favorecem a radicalização e a polarização, pois tendem a ser divisoras nas suas questões como o aborto, a religião, a segurança ou a imigração, tinham pouca relevância.

Mais, a Suécia caracterizava-se por um voto de classe, isto é, as pessoas da mesma classe social votavam da mesma maneira – a avaliação é estatística – como consequência da partilha dos mesmos interesses e preocupações. Ora, este voto reduziu-se de forma significativa nas últimas décadas. Não apenas pelas grandes alterações sociais, modernização e globalização da economia, e mesmo pelo aumento do grau de escolaridade, mas também pela polarização político-partidária que, como nas restantes democracias ocidentais, vai erodindo o centro esquerda e o centro-direita. Em simultâneo, à medida em que os partidos de matriz social democrata se aproximam da classe média e do centro, tornam-se indistintos, por cá é o infame «centrão», e alienam os votos de classe – dos operários fabris, por exemplo. A convergência política ao centro favorece o crescimento dos partidos extremistas. De igual forma, as dependências internacionalmente acordadas reduzem o reportório partidário e a liberdade de decisão dos partidos no arco do poder. Mais significativa, no entanto, é a alteração das agendas políticas da economia para as questões socio-culturais.

Em 2002 os Democratas Suecos tiveram 1,4% dos votos. Duplicando a partir daí os votos em cada eleição até 2014 quando ganharam 12,9% do eleitorado. Nesta altura tornou-se evidente o que aconteceria na Suécia e esta eleição confirmou. Pior. Sabemos o que está a acontecer na Europa.

A Nouvelle Droite e o grupo G.R.E.C.E ofereceram o substracto teórico e académico para o florescimento de mil movimentos nacionalistas e populistas nas democracias ocidentais. Na verdade, ofereceram uma mundivisão sofisticada, porém fascizante, e amplamente divulgada na última década a partir da editora Arktos, propriedade do sueco Daniel Friberg, agora sediada em Budapeste, e cujas publicações são a biblioteca fundamental da direita radical europeia e da alt-right norte-americana. Ou como preferem dizer de si mesmos, da Nova Direita Europeia, e cuja internacionalização não é acidental e cujas ligações são um programa de pensamento e acção. A Arktos está a crescer tanto quanto a extrema-direita e para além da editora, dos podcasts, das conferências.

A extrema-direita está em marcha.

PS: recomendo a leitura de The Oxford Handbook of Sweedish Politics, de Jon Pierre

A autora escreve segundo a antiga ortografia.

EXTREMA DIREITA   POLÍTICA   SUÉCIA   EUROPA   MUNDO

COMENTÁRIOS:

Paulo Silva: Não, cara Eugénia, quem se pôs em marcha foi a extrema-esquerda radical há décadas, mas poucos deram por isso, (honrosas excepções são figuras como Pascal Bruckner). A expressão, (e o movimento), New-Left’ já existe desde 1960e todo o caos e crise de valores a que hoje assistimos à volta das chamadas ‘causas fracturantes’ são resultantes em grande parte de uma estratégia subterrânea de subversão e desmoralização, implementada cinicamente no âmago das sociedades ocidentais ao longo de décadas. Muitos começam a acordar estremunhados pelos seus efeitos nefastos e agarram-se às figuras que têm à mão: Le Pen, Trump, Bolsonaro, etc. Também eles improváveis, mas é o que há; ‘the best in town’ para combater o ‘marxismo cultural’, (a ideologia responsável pela ‘alteração das agendas políticas da economia para as questões socio-culturais’). Porque os partidos democráticos ditos tradicionais, os tais do ‘centrão’, andaram a dormir na forma, e não estão a dar a resposta devida. Ficaram capturadas na armadilha do politicamente correcto, repetindo as patranhas e as calúnias da extrema-esquerda radical contra os que se opõem com firmeza aos seus projectos revolucionário-totalitários acobertados pelo 'direito-humanismo' e pela 'justiça social'.           Carlos Quartel: Os suecos estavam habituados a sair à noite, para ver montras ou ir ao cinema, Pacatos casais, crianças, a noção de segurança era total. Agora há bairros onde nem a polícia entra, roubos, assaltos e violência generalizada. A autoridade, o rigor, o controle mais apertado dessa marginalidade é um discurso que começa a fazer sentido para muitos suecos. Chega como explicação para a subida dos partidos da ordem e das poucas concessões ao desvio do cumprimento das leis. Explicação simples e verdadeira, se necessidade de análises sofisticadas. O mesmo se dá cá, Queluz, Amadora, o Alentejo, vota Chega porque lhe prometem mais polícia na rua e mais marginais atrás das grades. Claro como água ......             Ark NabuL: Aquilo a que se chama agora populismo, em certa medida corretamente, uma vez que os eleitos querem ir diretamente ao povo, saltando as elites, deriva, a meu ver, da total corrupção destas, pelo menos intelectual, que impôs a nova religião da Justiça Social através do governo, universidades, comunicação social, empresas e outras instituições. Em vez de uma Justiça que emerge da relação entre indivíduos, quiseram impor, sem debate, sem contraditório, blindados na sua burocracia tecnocrata, num despejar de cima para baixo, qual sol que irradia do céu, uma Justiça derivada de teorias da moda intelectual dos bem pensantes, uma Justiça tribal, cujas consequências afectam principalmente aqueles que se inserem na chamada classe média sendo também a etnia maioritária. Obviamente, pelo menos para mim, não governar para a maioria significa para ela a procura de novas soluções, ainda mais quando para os bem pensantes, são definidos como  "deploráveis", entre outros adjectivos carinhosos, imagem de marca da forma como olham para aqueles que, segundo diz o dogma, são responsáveis por ter criado a mais maléfica civilização. Um dia talvez ocorra aos bem pensantes que para um país ser minimamente funcional, a primeira coisa a reconhecer é que as pessoas deverão estar unidas por essa filiação e não por sistemas de poder de opressão que, segundo o dogma, se manifestam em qualquer situação social e são o centro de tudo.             Maria Clotilde Osório: Não consigo dizer melhor que o Paulo Silva. Talvez a Eugénia fique com curiosidade e leia Bruckner (recomendo "Le sanglot de l'homme blanc. Tiers Monde, culpabilité et haine de soi"  1983). Talvez o que estejamos a ver seja a reacção a uma "estupidificação" colectiva durante muito tempo, quer por parte dos radicais de esquerda quer por parte do grande capital (este, tanto se lhe dá a esquerda ou a direita; apoia quem melhor o servir). Novamente, sugiro à autora que se preocupe com todos os extremismos, radicalismos e fantasias orwelianas que por aí abundam.           Paulo Cardoso:  “Pior. Sabemos o que está a acontecer na Europa.”. Será mesmo pior ou será o caminho para o centro recuperar a sua importância? Muitos agitam o papão do crescimento da “extrema-direita” (entre aspas, porque muitos movimentos/partidos assim apelidados, na verdade não o são), como algo maléfico e terrível, sem se darem sequer ao trabalho de entender a razão deste crescimento e, pior ainda, de aceitar/respeitar a legitimidade democrática deste crescimento. A “extrema-direita” cresce como reacção ao descontrolo e crescimento dos valores e ideais da esquerda progressista (que, vá-se lá entender, não é apodada de extrema-esquerda), bem como da aproximação dos partidos do centro, a esta ideologia. Uma grande parte, senão a maioria, da civilização ocidental, que quase sempre é muda, não quer viver sobre este jugo. Apercebendo-se da hegemonia crescente e prevalecente deste progressismo, bem como da rendição ou mesmo dos partidos do centro, os ocidentais descontentes com o rumo das coisas, começam a fazer-se ouvir, através do apoio que dão aos movimentos/partidos que não alinham com a ideologia reinante. Este apoio traduzir-se-á em (a meu ver) três grandes benefícios: - Retrocesso do avanço da ideologia progressista, remetendo-a para a sua dimensão real (não sou apologista do seu desaparecimento; até um miserável mosquito que nos pica e transmite doenças, tem um real é necessário valor na natureza: polinização). - Contribuirá para o “amaciamento” dos movimentos/partidos mais radicais, que, com a perspectiva da chegada ao poder, tenderá a moderar para alargar o número de eleitores e estabelecimento de alianças com partidos mais moderados. - Deslocará os partidos do centro (que de momento se encontram desequilibrados para a esquerda do eixo), na tentativa de captação de votos, mais para a direita. Este posicionamento por sua vez, poderá abrir o caminho a alianças com os partidos/movimentos de “extrema-direita”, diluindo assim a radicalidade destes. É isto pior? Para mim não. Para mim, o pior, seria a manutenção do rumo das duas últimas décadas.                 V. Oliveira: Mais um artigo, o milionésimo, em que as causas não são sequer tocadas ao de leve. Resumem tudo a uma conspiração tenebrosa, "fascizante". Já ouvimos isto nas Galerias de Paris (Porto). Entremeado com uns copos e uns relatos de férias nas Seychelles. Por sinal, bem longe de alguns bairros de Malmoe ou Estocolmo.            Xavier Gonçalves: A política de imigração da Suécia, e a falha em reconhecer os problemas inerentes e a rejeição de toda e qualquer crítica como xenofobia e racismo tiveram este resultado. Aquilo que se tem visto em quase todos os países onde a direita nacional-populista ganha notoriedade (ou até consegue chegar ao poder) é que a população deixou de dar a sua opinião abertamente sobre estes assuntos (para evitar a ostracização social), mas no segredo do voto acaba por votar em quem não desvaloriza as suas legítimas preocupações.

 

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