Das sociedades. Têm a ver com causas, trarão
consequências, ao nível social, moral, humoral, civilizacional, sentimental...
Mas os poetas defendem-se. Com as suas
máscaras, forma de fuga, como Pessoa:
«Na
sombra Cleópatra jaz morta.
Chove.
Embandeiraram
o barco de maneira errada.
Chove
sempre.
Para
que olhas tu a cidade longínqua?
Tua
alma é a cidade longínqua.
Chove
friamente.
E
quanto à mãe que embala ao colo um filho morto —
Todos
nós embalamos ao colo um filho morto.
Chove,
chove.
O
sorriso triste que sobra a teus lábios cansados,
Vejo-o
no gesto com que os teus dedos não deixam os teus anéis.
Porque
é que chove?»
A vez da Suécia
Em 2002 os Democratas Suecos tiveram
1,4% dos votos, crescendo para 12,9% em 2014. Tornou-se então evidente o que
aconteceria e esta eleição confirmou. Pior. Sabemos o que está a acontecer na
Europa.
EUGÉNIA DE VASCONCELLOS: Poeta, ensaísta, escritora
OBSERVADOR, 16 set 2022, 00:1639
Acaba de acontecer na Suécia o que
aconteceu em Portugal, em 2015, quando o PSD de Passos Coelho ganhou as
eleições. O PS de António Costa firmou uma aliança governativa, ou uma «posição
conjunta», que veio a ser conhecida por geringonça por graça de Pulido Valente,
de centro esquerda-esquerda radical com o apoio do PCP, do Bloco e do PEV.
Na Suécia, as mesmíssimas
circunstâncias obrigam agora a que o partido mais votado, o PSD, com 107 mandatos, não forme governo. Há uma aliança governativa ou «posição conjunta» entre a direita etno-nacionalista, ou nativista,
partido dos Democratas Suecos, com 73 mandatos, os Moderados, com 68, os
Democratas Cristãos com 19, e os Liberais com 16. A Esquerda, o Centro e os Verdes somaram 66 mandatos o
que, por muito pouco, não chega para uma maioria com o PSD.
O
crescimento do partido dos Democratas Suecos (DS), ao contrário do que afirma alguma comunicação social,
não é surpreendente. Os DS são a segunda maior força partidária no país. É um partido nativista, nacionalista e
populista. Com
os seus congéneres populistas europeus partilha as políticas anti-imigração, o
anti-globalismo e o proteccionismo. E tentou desde 2002, com sucesso,
demarcar-se da Nova Democracia e do seu discurso e propostas – o mesmo fez
Marine Le Pen quando se distanciou das propostas anteriores oferecendo a
Zemmour a controvérsia enquanto ela própria se normalizava.
O
crescimento da direita radical na Suécia foi mais lento do que nos países seus
vizinhos. De acordo
com estudos sobre o fim da excepcionalidade sueca no que à extrema-direita diz
respeito, essa manteve-se enquanto as estruturas socio-económicas determinaram
a agenda política. Isso identificava os eleitores com o PSD e impedia a sua
radicalização e a polarização: não se colocavam, como nas restantes democracias
ocidentais, as situações classicamente exploradas pela extrema direita ou pela
extrema esquerda, de os trabalhadores contra o capital ou a desaprovação do
grau de envolvimento estatal na economia. Também as políticas socio-culturais que favorecem a
radicalização e a polarização, pois tendem a ser divisoras nas suas questões
como o aborto, a religião, a segurança ou a imigração, tinham pouca relevância.
Mais,
a Suécia caracterizava-se por um voto de classe, isto é,
as pessoas da mesma classe social votavam da mesma maneira – a avaliação é
estatística – como consequência da partilha dos mesmos interesses e
preocupações. Ora, este
voto reduziu-se de forma significativa nas últimas décadas. Não apenas
pelas grandes alterações sociais, modernização e globalização da economia, e
mesmo pelo aumento do grau de escolaridade, mas também pela polarização
político-partidária que, como
nas restantes democracias ocidentais, vai erodindo o centro esquerda e o
centro-direita. Em
simultâneo, à medida em que os partidos de matriz social democrata se
aproximam da classe média e do centro, tornam-se indistintos, por cá é
o infame «centrão», e alienam os votos de classe – dos operários
fabris, por exemplo. A convergência política ao centro favorece o crescimento
dos partidos extremistas. De igual
forma, as dependências
internacionalmente acordadas reduzem o reportório partidário e a liberdade de
decisão dos partidos no arco do poder. Mais significativa, no entanto, é a
alteração das agendas políticas da economia para as questões socio-culturais.
Em
2002 os Democratas Suecos tiveram 1,4% dos votos. Duplicando a partir daí os votos em cada eleição até
2014 quando ganharam 12,9% do eleitorado. Nesta altura tornou-se evidente o que
aconteceria na Suécia e esta eleição confirmou. Pior. Sabemos o que está a
acontecer na Europa.
A Nouvelle Droite e o grupo G.R.E.C.E ofereceram
o substracto teórico e académico para o florescimento de mil movimentos
nacionalistas e populistas nas democracias ocidentais. Na verdade, ofereceram uma mundivisão sofisticada,
porém fascizante, e amplamente divulgada na última década a partir da editora
Arktos, propriedade do sueco Daniel Friberg, agora sediada em Budapeste, e
cujas publicações são a biblioteca fundamental da direita radical europeia e da alt-right norte-americana. Ou como preferem dizer de si mesmos, da Nova
Direita Europeia, e cuja
internacionalização não é acidental e cujas ligações são um programa de
pensamento e acção. A Arktos está a crescer tanto quanto a extrema-direita e
para além da editora, dos podcasts, das conferências.
A extrema-direita está em marcha.
PS: recomendo
a leitura de The Oxford Handbook of Sweedish Politics, de Jon
Pierre
A autora escreve segundo a antiga ortografia.
EXTREMA
DIREITA POLÍTICA SUÉCIA EUROPA MUNDO
COMENTÁRIOS:
Paulo Silva: Não, cara
Eugénia, quem se pôs em marcha foi a extrema-esquerda radical há décadas,
mas poucos deram por isso, (honrosas excepções são figuras como Pascal
Bruckner). A expressão, (e o movimento), ‘New-Left’ já existe desde 1960… e todo o caos e crise de valores a que hoje
assistimos à volta das chamadas ‘causas fracturantes’ são resultantes em grande
parte de uma estratégia subterrânea de subversão e desmoralização, implementada
cinicamente no âmago das sociedades ocidentais ao longo de décadas. Muitos começam a acordar estremunhados pelos seus
efeitos nefastos e agarram-se às figuras que têm à mão: Le Pen, Trump,
Bolsonaro, etc. Também
eles improváveis, mas é o que há; ‘the
best in town’ para combater
o ‘marxismo cultural’, (a
ideologia responsável pela ‘alteração das agendas políticas da economia para as
questões socio-culturais’). Porque os partidos democráticos ditos tradicionais, os
tais do ‘centrão’, andaram a dormir na forma, e não estão a dar a resposta devida. Ficaram capturadas na armadilha do
politicamente correcto, repetindo as patranhas e as calúnias da
extrema-esquerda radical contra os que se opõem com firmeza aos seus projectos
revolucionário-totalitários acobertados pelo 'direito-humanismo' e
pela 'justiça social'. Carlos Quartel: Os
suecos estavam habituados
a sair à noite, para ver
montras ou ir ao cinema, Pacatos casais, crianças, a noção de segurança era
total. Agora há bairros onde nem a polícia entra, roubos,
assaltos e violência generalizada. A
autoridade, o rigor, o controle mais apertado dessa marginalidade é um discurso
que começa a fazer sentido para muitos suecos. Chega
como explicação para a subida dos partidos da ordem e das poucas concessões ao
desvio do cumprimento das leis. Explicação simples e verdadeira, se necessidade
de análises sofisticadas. O mesmo se
dá cá, Queluz, Amadora, o Alentejo, vota Chega porque lhe prometem mais polícia
na rua e mais marginais atrás das grades. Claro
como água ...... Ark NabuL: Aquilo a
que se chama agora populismo, em certa
medida corretamente, uma vez que os eleitos querem ir diretamente ao povo,
saltando as elites, deriva, a meu ver, da total corrupção destas, pelo menos
intelectual, que impôs a nova religião da Justiça Social através do governo,
universidades, comunicação social, empresas e outras instituições. Em vez de
uma Justiça que emerge da relação entre indivíduos, quiseram impor, sem debate,
sem contraditório, blindados na sua burocracia tecnocrata, num despejar de
cima para baixo, qual sol que irradia do céu, uma Justiça derivada de teorias
da moda intelectual dos bem pensantes, uma Justiça tribal, cujas consequências afectam principalmente aqueles
que se inserem na chamada classe média sendo também a etnia maioritária. Obviamente,
pelo menos para mim, não governar para a maioria significa para ela a procura
de novas soluções, ainda mais quando para os bem pensantes, são definidos
como "deploráveis", entre outros adjectivos carinhosos, imagem
de marca da forma como olham para aqueles que, segundo diz o dogma, são
responsáveis por ter criado a mais maléfica civilização. Um dia
talvez ocorra aos bem pensantes que para um país ser minimamente funcional, a
primeira coisa a reconhecer é que as pessoas deverão estar unidas por essa
filiação e não por sistemas de poder de opressão que, segundo o dogma, se
manifestam em qualquer situação social e são o centro de tudo.
Maria Clotilde Osório: Não
consigo dizer melhor que o Paulo Silva. Talvez a Eugénia fique com curiosidade
e leia Bruckner (recomendo "Le
sanglot de l'homme blanc. Tiers Monde, culpabilité et haine de soi"
1983). Talvez o
que estejamos a ver seja a reacção a uma "estupidificação" colectiva
durante muito tempo, quer por parte dos radicais de esquerda quer por parte do
grande capital (este, tanto se lhe dá a esquerda ou a direita; apoia
quem melhor o servir). Novamente,
sugiro à autora que se preocupe com todos os extremismos, radicalismos e
fantasias orwelianas que por aí abundam. Paulo Cardoso: “Pior. Sabemos o
que está a acontecer na Europa.”. Será mesmo pior ou será o caminho para o
centro recuperar a sua importância? Muitos agitam o papão do crescimento da
“extrema-direita” (entre aspas, porque muitos movimentos/partidos assim
apelidados, na verdade não o são), como algo maléfico e terrível, sem se darem
sequer ao trabalho de entender a razão deste crescimento e, pior ainda, de
aceitar/respeitar a legitimidade democrática deste crescimento. A “extrema-direita”
cresce como reacção ao descontrolo e crescimento dos valores e
ideais da esquerda progressista (que, vá-se lá entender, não é apodada de
extrema-esquerda), bem como da aproximação dos partidos do centro, a
esta ideologia. Uma grande
parte, senão a maioria, da civilização ocidental, que quase sempre é muda, não
quer viver sobre este jugo. Apercebendo-se da hegemonia crescente e prevalecente
deste progressismo, bem como da rendição ou mesmo dos partidos do centro, os
ocidentais descontentes com o rumo das coisas, começam a fazer-se ouvir, através
do apoio que dão aos movimentos/partidos que não alinham com a ideologia
reinante. Este apoio
traduzir-se-á em (a meu ver) três grandes benefícios: - Retrocesso do avanço da ideologia progressista,
remetendo-a para a sua dimensão real (não sou apologista do seu
desaparecimento; até um miserável mosquito que nos pica e transmite doenças,
tem um real é necessário valor na natureza: polinização). - Contribuirá para o
“amaciamento” dos movimentos/partidos mais radicais, que, com a perspectiva da
chegada ao poder, tenderá a moderar para alargar o número de eleitores e
estabelecimento de alianças com partidos mais moderados. - Deslocará os
partidos do centro (que de momento se encontram desequilibrados para a esquerda
do eixo), na tentativa de captação de votos, mais para a direita. Este posicionamento por sua vez, poderá abrir o
caminho a alianças com os partidos/movimentos de “extrema-direita”, diluindo
assim a radicalidade destes. É isto pior? Para mim não. Para mim, o pior, seria
a manutenção do rumo das duas últimas décadas. V. Oliveira: Mais um artigo, o milionésimo, em que as causas não são sequer tocadas ao de leve. Resumem
tudo a uma conspiração tenebrosa, "fascizante". Já ouvimos isto nas Galerias de Paris (Porto).
Entremeado com uns copos e uns relatos de férias nas Seychelles. Por sinal, bem
longe de alguns bairros de Malmoe ou Estocolmo. Xavier Gonçalves: A política
de imigração da Suécia, e a falha em reconhecer os problemas inerentes e a
rejeição de toda e qualquer crítica como xenofobia e racismo tiveram este
resultado. Aquilo
que se tem visto em quase todos os países onde a direita nacional-populista
ganha notoriedade (ou até consegue chegar ao poder) é que a população deixou de
dar a sua opinião abertamente sobre estes assuntos (para evitar a ostracização
social), mas no segredo do voto acaba por votar em quem não desvaloriza as suas
legítimas preocupações.
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