terça-feira, 6 de setembro de 2022

Pinhõezinhos

 

É de João Miguel Tavares o texto que segue “Resolver a questão dos fogos? É a economia, estúpido!” do Público de 27 de Agosto de 2022,” que, naturalmente, me fez aderir ao seu ponto de vista, que põe no Governo a defesa da floresta – o que aquele não faz, a não ser com a sobrecarga dos meios de combate aos fogos - insuficientes embora dispendiosos - deixando a prevenção dos ditos à responsabilidade da população residente perto da floresta, provável possuidora de algumas árvores, que tem que proteger dos fogos estivais, limpando as carumas do chão. Um texto franco e directo, no seu discurso também de humor, mas sobretudo sério e ousado, conhecedor que é do problema que todos os anos afecta o território português. Lembrei-me - em apoio dos dados económicos que J.M.T. fornece, reveladores da sua sensibilidade a uma tarefa hercúlea, que só pode ser assumida pelo Governo com os recursos próprios de detentor do poder económico e a responsabilidade de os utilizar sem os habituais malabarismos de incompetência ou de indiferença – lembrei-me da minha infância em Pinheiro de Lafões, em que ia com a minha irmã e a minha mãe, apanhar pinhas e caruma no pinhal, e partíamos os pinhões, das pinhas que abanávamos na pedra, para os fazer cair, com outras pedras para lhes retirar o miolo, insignificante em tamanho mas saboroso, pinhões pequeninos, mas de um sabor talvez um pouco resinoso, proveniente da seiva também útil, da resina que escorria para os vasos postos em redor dos troncos ligeiramente esfacelados dos resignados pinheiros – resina sempre útil em tantos produtos diluentes, como útil era a sua madeira, não só para o mobiliário e a construção, mas também para achas, além da caruma, quando só existia a lareira para cozinhar e aquecer no frio. Mas os pinhõezinhos minúsculos, de que me ocorrem lembranças desses sabores de outrora - talvez fornecessem hoje, apesar de ínfimos no tamanho, não um substituto, mas um aliado embora de menor rentabilidade, do pinhão maior, que o pinheiro manso fornece em exorbitância de preços. Eis, pois, uma achega ao ponto de vista económico também surgido no magnífico texto de JMT, que sugere que a defesa da floresta, como dos seus gados e pastores, deve ser encargo do Governo. Venham também os pinhõezinhos para as bancas dos supermercados, para ajudar a pagar os custos dos incêndios…

O texto de João Miguel Tavares:

«…..Qualquer pessoa que viva no interior do país aprendeu há muito que o ciclo do fogo tem uma pontualidade admirável, e é bastante simples de seguir: após um grande incêndio, espera-se sete ou oito anos, e arde tudo outra vez. Claro que todos somos peritos em encontrar culpados que explicam as razões destas tragédias à velocidade de um fósforo: os incendiários, os pinheiros, os eucaliptos, os lóbis da madeira, os vendedores de Canadairs, os proprietários que não limpam as terras, os autarcas incompetentes, os bombeiros amadores, o diabo a quatro. O melhor que se consegue em matéria de pensamento original é mesmo ir alternando entre um culpado e outro. E isto ano após ano, fogo após fogo. É um pouco cansativo.

Notem: eu também já fiz parte do clube do dedo em riste, e aqueles culpados até podem ter alguma culpa. Mas são actores secundários num grande drama nacional. Ao fim de anos de seca, altas temperaturas e incêndios descontrolados, temos obrigação de perceber um pouco mais do assunto e pôr em prática aquela sábia máxima que nos aconselha a aceitar o que não se pode mudar, a mudar o que pode ser mudado, e a discernir entre uma coisa e outra.

Eis o que não pode ser mudado: incêndios catastróficos num país com esta floresta, este clima, esta geografia e esta distribuição da população. Num interior envelhecido e despovoado, com manchas florestais intermináveis, com o território dividido em milhões de parcelas e uma geografia de cabeços, outeiros, cumeadas e infinitos declives, é impossível controlar o fogo. Exigir às pessoas que limpem esses terrenos só pode ser uma invenção de quem nunca visitou uma floresta da Beira. As estradas têm de ser limpas, claro – e não são, porque até esse é um trabalho hercúleo e caro. Os terrenos à volta das aldeias e das casas têm de ser limpos pelos proprietários. Mas limpar a floresta? Ridículo. É fazer leis para não serem cumpridas.

Eis o que pode ser mudado: a forma de gerir a floresta, tendo como ponto de partida a sua racionalidade económica. Se não houver forma de tirar dinheiro de um pinhal, ele está condenado a ser pasto para as chamas. As florestas são lindas? Precisamos do seu oxigénio? Impedem a erosão dos terrenos? Melhoram a qualidade da água? São fundamentais para o turismo? Então o país tem de as pagar. É para isso que serve o Estado – intervir quando há evidentes falhas de mercado. Em vez de estourar milhares de milhões na TAP, onde abunda a concorrência, invista-se na gestão da floresta, seja a subsidiar carvalhos, pastores, cabras, ovelhas ou até a abater árvores, se se concluir que há floresta a mais e não é possível tomar conta dela. Isto é certo: quem pode salvar a floresta portuguesa não são bombeiros de mangueira na mão. São políticos lúcidos e corajosos, que saibam acertar nas leis e nos incentivos. É uma injustiça apontar o dedo a quem combate as chamas, continuando a ignorar quem todos os anos, pela sua passividade, mete a madeira ao lume.

 

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