sexta-feira, 14 de abril de 2023

Como um dever a cumprir


E o céu toldou-se em agonia –para nós - quando, após muitas falsas tergiversações de puro gozo teatral de suspense, arrastado durante vários dias, António Costa, lábio guloso e triunfante, declarou que decidira aceitar a governação do país como 1º ministro, cumprindo a missão para que tantos o convocavam, apesar de ter perdido as eleições, e que cobarde e inescrupulosamente, Cavaco Silva apoiou, em desfavor de Passos Coelho, eleitoralmente vitorioso mas impotente, num país passivo mas entendido em cinismo. Não, jamais esqueceremos – enquanto a razão no-lo permitir - um tal dia de expectativa do que seria de justiça, em volte face de cinismo arrastado, por decisão há muito estabelecida - combinada, aparentemente, com sinistra equipa igualmente ignóbil – mas, efectivamente, de pura avidez pessoal, finalmente exposta - falcão triunfante, ficticiamente modesto, cumprindo um dever pátrio a que não poderia, heroicamente, furtar-se… Paulo Tunhas trouxe à baila o memorial deste outro “convento desmascarado”, livro impressionante que li na minha adolescência, reproduzido na minha velhice em novos dados simiescos, não menos repugnantes, e de que se tem vindo sucessivamente a colher os frutos envenenados pela verborreia não oca, porque simplesmente mortífera.

A facilidade de mentir

É no mínimo duvidoso que António Costa acredite nas mentiras que emite ou autoriza. Vulgarmente, é um cínico. E o cínico usa os outros em função dos seus próprios interesses.

PAULO TUNHAS Colunista do Observador

OBSERVADOR, 13 abr. 2023, 00:1933

Estaline terá dito uma vez a Nadeja Krupskaia, a viúva de Lenine:Se você apoiar a oposição, nós nomeamos uma outra viúva de Lenine”. Michel Heller, na introdução a um livro de entrevistas de Boris Souvarine, conta que, pela altura, toda a gente se interrogava quem seria a possível candidata a viúva substituta e chegou à conclusão que se trataria de uma tal, parece que conhecida, Helena Stassova. Boris Souvarine, que percebia bem Estaline (foi o autor de uma das primeiras biografias críticas do tirano), disse que isso era um disparate, que era a camarada Artiokhina. Heller nunca tinha ouvido falar dela, mas Souvarine explicou-lhe: era a mulher mais feia do Comité Central. Só essa escolha era compatível com a perversidade de Estaline.

Convém notar que Estaline tinha todo o poder para nomear uma nova viúva de Lenine. De resto, passou os seus longos anos de poder absoluto no Kremlin a refazer o passado das mais diversas e variadas formas, de modo que só ele, o “pai dos povos”, pudesse brilhar no firmamento comunista. O poder absoluto sobre a sociedade, para repetir uma banalidade, traz consigo um não menos absoluto poder sobre o passado dessa mesma sociedade. Tudo pode ser refeito a nosso bel-prazer. Ninguém, ou quase ninguém, ousará contradizer a versão dos acontecimentos do tirano. A facilidade de mentir traz consigo, por instinto de sobrevivência, uma facilidade de acreditar desmesurada. Que se alarga a todos aqueles que vêem nessa sociedade o modelo a imitar pelo mundo inteiro. Leia-se tudo aquilo que os comunistas europeus, e uma boa fatia da esquerda em geral (e até alguma direita), escreveram sobre os processos de Moscovo de 1936-1938.  As mais inverosímeis acusações e confissões foram aceites sem pestanejar.

Nada se compara, é claro, com um regime totalitário nestas matérias. Nem as mais banais ditaduras, como, entre nós, a de Salazar, lhe chegam sequer aos calcanhares. Nos regimes autoritários, a mentira é um elemento auxiliar do poder. Nos regimes totalitários ela faz parte da sua própria essência. Se se quiser uma analogia, é a diferença entre alguém com uma certa propensão a mentir e um mitómano, que se encontra na necessidade constante de reinventar o seu passado dia-a-dia para o tornar conforme aos últimos desenvolvimentos da sua mitomania.

Mas, tal como cada um de nós ocasionalmente mente – pense-se nas mentiras que generosamente praticamos com nós mesmos para ganhar coragem para pôr o primeiro pé fora da cama de manhã –, também nas democracias a mentira tem o seu lugar. Sobretudo quando, por ausência de vigilância crítica dos cidadãos e pelo sentimento de impunidade que o poder tradicionalmente confere, ela aparece como um recurso legítimo para os governos se esquivarem àquilo que os pode pôr em causa.

O extraordinário florilégio de mentiras governamentais reveladas nas primeiras sessões da comissão parlamentar de inquérito sobre a TAP exibiu na perfeição esse tal sentimento de impunidade, alicerçado na confiança da inexistência de uma vigilância crítica por parte da sociedade. Além de, é preciso reconhecer, uma certa tendência, por parte de algumas personagens, para aquilo que se tem bem de chamar desonestidade e até para algo de próximo da mitomania. Este último caso é o de Pedro Nuno Santos e de João Galamba.

Mas o principal fautor – o “facilitador”, como agora se diz – desse florilégio de mentiras, António Costa, não parece ter nada de mitómano. Um mitómano acredita, apesar de tudo, nas mentiras que quotidianamente inventa. Ora, é no mínimo duvidoso que António Costa acredite nas mentiras que emite ou autoriza. Vulgarmente, é um cínico. E o cínico usa os outros em função dos seus próprios interesses. É o autor último das mentiras, mas deixa a sua execução aos outros, que competem pelo seu favor.

Por isso, esclarecer a propensão à mentira de Medina, Pedro Nuno Santos ou Galamba – para não falar do pobre Hugo Mendes –, só faz sentido se não perdermos nunca de vista que a facilidade de mentir que eles exibem tem a sua origem última no ambiente deletério que Costa, consciente e deliberadamente, criou desde o momento em que introduziu, aquando da sua derrota eleitoral face a Passos Coelho, a sua “solução governativa” em Portugal. Se esquecermos isso, o pequeno catálogo de horrores será apenas isso: um pequeno catálogo de horrores. Se nos lembrarmos disso, tudo ganha um sentido que nos permite a compreensão da triste sociedade em que vivemos.

Há poucos dias, Costa proclamou que “não dos devemos preocupar com a verdade”. Numa interpretação da frase que não é, obviamente, aquela que ele pretendia, revelou-nos o essencial do seu pensamento. Afinal de contas, mesmo em democracia a viúva de Lenine pode ser uma qualquer.

ANTÓNIO COSTA    POLÍTICA   DEMOCRACIA    SOCIEDADE    TAP    EMPRESAS    ECONOMIA

COMENTÁRIOS

Ediberto Abreu: Mas há um personagem que também se pode considerar central e mitómano, o PR      Carlos Chaves: Caríssimo Paulo Tunhas, simplesmente genial, talvez por desta vez o ter lido num final de dia especialmente exigente em termos profissionais, esta sua crónica é simplesmente genial! Desculpe, mas o receptor tbm conta. Obrigado! “Nem as mais banais ditaduras, como, entre nós, a de Salazar, lhe chegam sequer aos calcanhares.” Ah...ah...ah...“Mas, tal como cada um de nós ocasionalmente mente – pense-se nas mentiras que generosamente praticamos com nós mesmos para ganhar coragem para pôr o primeiro pé fora da cama de manhã...” Ah...ah... ah...ah... genial! Obrigado! Vivemos de mentira em mentira... mas estes tipos realmente exageraram-nas!             Fernando CE: O país bateu no fundo. Onde estão aa pessoas deslumbradas com o António Costa? Já o viam como um quase-deus! Ahahahahs.                             antonyo antonyo: Como sempre excelente .               José Barros: Eis um texto informado e informativo, escrito com rigor e que desmonta corajosamente a razão pela qual o PS toma o País como o seu quintal e o governo trata os portugueses como atrasados mentais: quando Galamba afirma que foi a CEO ou ex-CEO da TAP que pediu para participar na reunião secreta dos deputados e governo é a plena menorização dos cidadãos. E quando diz que industriar depoimentos é comum na AR é ignorar e insultar a democracia e o Estado de Direito. Este Governo tem dito e feito coisas miseráveis. Lamento dizê-lo, mas é a verdade. E fá-lo com a arrogância e o despudor que Medina demonstra diariamente.                           João Ramos: Artigo que espelha bem a razão do embuste em que este país vive, a mente viciada do PM e a falta de vergonha de todos os seus seguidores… volto à pergunta que já me fiz várias vezes, será que na verdade não haverá ninguém sério e com vergonha dentro do PS???                           Juventino Fontes > João Ramos: Havia o Seguro!...                    João Ramos > Juventino Fontes: Pois talvez, mas já é tempo de voltar a mostrar que o é!                    Juventino Fontes > João Ramos: Sozinho, não consegue!   miguel Baptista > Juventino Fontes: Pois, não. Está tudo minado pela extrema esquerda.       Antonio Sennfelt: Cada vez tenho maiores dúvidas de que o regime cá vigente seja uma verdadeira democracia! Aliás, tendo em mente que os principais instrumentos da nossa actual governação são a mentira, a hipocrisia e o cinismo, interrogo-me se de facto não vivemos num regime mendiciocrático? PS: do latim mendicium.                Jose Augusto Mira Pires Borges: Muito bom. Costa é um político, nunca confundir com um Estadista. Algo de que ele sequer se aproxima. Político é assim, mente todos os dias, engana até poder, atraiçoa todos os que lhe façam sombra. E nada se importa com o povo, importa-lhe, acima de tudo, manter o tacho, seja a que custo for. Exactamente o contrário de um Estadista, que antes de si, preocupa-se com o povo que serve. Costa serve-se do povo para si e para o PS se governar à nossa custa.                antónio carvalho: E a "verdade" continua mais forte anda. Estejamos atentos.                 joão Melo: A frase que aqui se atribui a António Costa tem uma gralha. Diz assim - "não dos devemos preocupar com a verdade", quando imagino que quereria escrever - "não nos devemos preocupar com a verdade". E se for assim gostaria de saber quando foi que ele disse isto, e em que contexto, porque isto raia já a loucura. Se alguém souber mais sobre este assunto por favor escreva aqui. Obrigado                             Carlos Dias > joão Melo: É uma frase atribuída a Sócrates O filósofo grego Não o político português abjecto Sócrates dizia que não nos devia preocupar a verdade mas sim olhar para o profundo de nós próprios É uma forma de o autor reconhecer que o António Costa está apenas interessado em si próprio e que a verdade é secundária para e                    joão Melo > Carlos Dias: <<Há poucos dias, Costa proclamou que “não nos devemos preocupar com a verdade”. Numa interpretação da frase que não é, obviamente, aquela que ele pretendia, revelou-nos o essencial do seu pensamento>> Isto é o que está escrito no artigo. Diz claramente que Costa proclamou, por isso não entendi a sua referência ao filósofo Sócrates. Acredito que a frase seja de Sócrates, mas gostaria de entender o contexto em que o PM a reproduziu, e com que intuito. Será que António Costa estava a falar de Sócrates, e aproveitou para nos brindar com a sua erudição de pacotilha? Não entendi.... Obrigado pela explicação.     Carlos Dias > joão Melo: É um daqueles casos em que o primeiro ministro meteu os pés pelas mãos e neste caso deu um tiro no pé O homem nem falar sabe e depois às vezes sem querer diz o que pensa sem o querer efectivamente dizer           joão Melo > Carlos Dias: Hahaha, mas o homem tem piada, lá isso tem. :-)                joaquim zacarias: O que distingue Stalin de Costa, é que aquele era russo de origem ucraniania, e este é português de origem indiana.       bento guerra: Depois do "simplex" socrático, o Costa é mais do tipo "mentira na hora", nem as deixa arrefecer         Hipo Tanso: Excelente, PT! (não confundir com a associação de criminosos que actualmente governa o Brasil)                     Sérgio: Excelente. Um escroque parasita promovido a pm de república das bananas pobretanas e atrasadita e na cauda da Europa e OCDE! Só mesmo neste atraso de sitiozeco repleto de inaptos e iletrados........         Manuel Martins: Para mim, a política vive muito da mentira, ou, vá lá, das meias verdades. Nenhum político sobrevive muito tempo se for completamente honesto e verdadeiro. A mentira é algo inato às relações em sociedade e família, para preservar o mínimo de relações de convivência, sob pena do ostracismo completo. A diferença está assim no objectivo da mentira: Se o político mente porque isso irá proteger ou beneficiar a comunidade,  ou se o faz para se proteger,  beneficiar a si ou o s seus, e prejudicar a comunidade . Infelizmente a maioria das vezes os governantes mentem, fazem teatro, omitem, mas tudo em seu benefício ou dos seus, sem consideração pelo bem público...           Ana Torres: Principalmente os media que sempre andaram com António Costa ao colo,  chamado de o "habilidoso",  visto como uma virtude que só demonstra o nível rasca de um país, que da mesma forma valoriza a  "chico-espertice" dos portugueses, portanto não nos podemos surpreender por ser governados por um bando de gente incompetente e mentirosa  que nos colocou no mesmo  nível da Roménia. Joaquim Lopes: A linha entre um poder autoritário e uma democracia, é muito ténue, de forma que se torna abusivo, chamar democracia a este regime, pior mil vezes que o Estado Novo, basta ver a AR, um antro de gente sem formação, começando pelo Presidente, outro cínico, vindo da LCI, que manda na AR como a Assembleia da pateada, como as óperas do S. Carlos quando não agradavam, com a excepção do Chega e com PSD a caminho da extinção comandado ainda por Rio, o dos "telhados de vidro". Este regime desde 1974, levou à  degradação de tudo o que o Estado deve aos cidadãos, na Justiça, na Saúde, nas infraestruturas e na economia e empresas do aparelho produtivo destruídas em 1974/1975 por Soares e PCP há 48 anos, até ao bater no fundo pelas mentiras de Costa, um cínico com um sorriso que se percebe quando mente, um cínico sem escrúpulos que destruiu o que restava de um país em ruínas, não deixando pedra sobre pedra, apenas que quando sair não sairá como Salazar saiu, sem nada nas algibeiras e sem património que valesse,  depois da desgraça da I República destruída pelas maçonarias e pelos "democráticos" de outro Costa, este, com serviços de terror e assassinatos, até de alguns chamados "heróis "da Rotunda, arrebanhados ao "lumpen" de Lisboa, a carbonária e a formiga branca, hoje comparável às FP 25 e ao PRP (BR), com direito a comenda. Vergonha!                       João Floriano: “não nos devemos preocupar com a verdade” e acrescentou: «Deixem essa preocupação para nós, PS, porque todos os dias sabemos inventar boas verdades . Afinal o que é a Verdade? O PS cria a sua própria Realidade e consequentemente a sua Verdade. Não desgastem os vossos neurónios a preocuparem-se com uma coisa que não existe. E muito menos ainda vale a pena preocuparem-se com a Mentira.»       Lápis Afiado: Muito bem, análise fantástica.      Américo Silva: Dizia um amigo para outro: - Olha ali um pombo morto. O outro olhava para o céu: - Mas onde, que não o vejo. Deixemos a TAP, o excelente reverendíssimo professor desde há décadas se tem dedicado a estudar a Pachamana, o papa também é sensível ao tema, e não perde oportunidade de introduzir a sua ferramenta crítica no assunto. Glória à Academia.      João Floriano > Américo Silva: Excelente Américo Silva. Caracteriza exemplarmente o momento que vivemos: o pombo já morreu mas continuamos todos feitos parvos a olhar para o céu como se ele ainda lá estivesse. O governo de António Costa já era, não se discute ali nada que traga progresso para o país, a Assembleia está ocupadíssima com as comissões de inquérito, com a visita de Lula, com as chamadas de ministros ao Parlamento e pouco mais. O Presidente da República só fala com o espelho: «Espelho meu, espelho meu, há algum PR mais entertainer do que eu?»                  AL MA: Como sempre brilhante, nas suas análises.

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