Como não vou ter sessão
de lançamento, apresento-o no meu blog, que foi, de resto, donde o tirei, neste
jeito de gavetão onde diariamente arrumo os textos da minha ocupação diária, mais
centrada hoje sobre textos que leio, sobretudo, no Observador, dos únicos
jornais que se impõem por uma linha de pensamento de similitude ideológica,
relativamente à visão sobre o meu país - ou outros que me chegam ao gmail – manias,
de resto, censuráveis e criticadas por quem entende que tal só serve para o
acumular de livros em casa, com que hoje em dia se efectuam os pagamentos
desses caprichos literários que, no meu caso, são pecuniariamente infrutíferos,
embora a minha neta Catarina me tenha prometido vendê-los através do seu
Facebook, em negócio por mim proposto com ansiedade e por ela aceite com a gentileza
habitual.
Eis o texto de “Apresentação”
que desisti de fazer “in loco”, para ler, caso o fizesse. Mais um texto, afinal, para
o gavetão do meu blog:
Apresentação de CAFÉ DA MANHÃ
Não se trata de uma epopeia, este livro que, dessa, retira apenas os
excursos pessoais das suas duas personagens centrais, excursos imbuídos, é
certo, de sentido pátrio e o amor por vezes desordenado e feito de frustração, e
não raro impregnado de ironia ou zanga, no tom de exaltação, por vezes mordaz, em
torno dos seus heróis, também estes bem anti, na visão não gloriosa mas
negativista, dos seus feitos contemporâneos, corriqueiros ou malandros, com as
excepções dos da hombridade, a merecer devoção. E todavia, de épico subentende,
também, o amor pelo minúsculo rectângulo donde partiram tantos daqueles heróis
que um verdadeiro épico enalteceu, com a arte excepcional da sua formação
humanista e o seu engenho poético inimitável.
Apenas um livro. De espaço aberto, embora limitado à exiguidade da mesa
de um ou outro café, um ou outro interior caseiro ocasional, no deslizar de uma
narrativa centrada no diálogo diário entre duas amigas que se disputam e se
complementam nos seus considerandos de um saber despretensioso, favorecido por
vezes pelas revelações de paralelismos culturais, quantas vezes ditados na
intenção humorística de exibicionismo sagaz de uma das amigas, contrastante com
a naturalidade do discurso de saber mais actualizado, faceto e prático da outra
amiga exaltada, que se impõe no domínio noticiarístico, dando conta do fluir
dos acontecimentos de carisma vário, de um mundo variado. Mundo para cuja
amplitude de conhecimento contribuíra grandemente outrora o esforço heróico do
povo pioneiro na ligação oceânica da crusta terrena, favorecedora primeira destes
amenos encontros de café, numa actualidade transbordante de notícias, assim ligeiramente
efabuladas, acontecidas nessa crusta circundante. Espaços abertos num universo
de aparência livre, ao contrário do traduzido no “Diário de Anne Frank”, por exemplo, este de enredo simples e
juvenil, no seu espaço dramaticamente limitado, de esperança ainda, contudo,
mas causando calafrios, no seu significado de uma simplicidade ocultando enredos
e locais de puro horror – tanto para os heróis da sua trama, em torno de gente
vivendo escondida, como para os que hoje o revivem, na magia da sua acção
macabra, porque, embora temerosa, inocente ainda da trama posterior bem real,
envolta na malvadez do mundo, a que estava destinada.
Não, não se trata de uma narrativa romanesca, com que se pretende
rotular qualquer livro em termos de nomenclatura classificativa, nem épica, nem
histórica nem dramática, menos ainda poética ou de suspense policial. E no
entanto, figuras perpassam no seu universo narrativo, quer as da ligação às personagens
centrais, quer as do seu mundo de referências, num universo bem real que, não
sendo tão directamente assustador, como aquele em que viveu Anne Frank, não
deixa de o ser, potencialmente, pelos desastres contínuos sobre uma Terra a desfazer-se,
com povos a maltratar-se – donde, o paralelo, ainda que anti-épico, sem
pretender buscar qualquer outro motivo de afinidade, a não ser esse de envolvência
num mundo de atrocidade ou desencanto - mas a que o natural reconhecimento pelo
dom da vida, num espaço terrenal de criação inenarrável de beleza, confere igualmente
amor e uma grata alegria de viver.
Nele perpassam figuras reais, mais ou menos conhecidas do tablado
mundial ou nacional, muitas vezes na simples intenção de rir ou de moralizar -
que é este também um dos intentos dos antagonismos de café - traduzido, a
maioria das vezes, em tom de narrativa trágico-cómica dos momentos que vamos sublinhando,
mas a que não falta igualmente a referência grata por tantos dos nossos
prosadores e poetas que souberam, com os seus escritos, imortalizar este
pequeno país – o tal que “fita, com olhar
esfíngico e fatal, o Ocidente, futuro do passado”, da descrição pessoana.
A viagem é, pois, permanente, nesse espaço anti-épico, realizado à mesa
do café, viagem abstracta de reprodução oral desses tempos presentes, com
evocação de outros tempos passados, alguns também da referência ultramarina
pessoal, onde ambas estivéramos fixadas - graças a esses outros heróis que o épico
exaltara, espaços de movimentação sempre, no vaivém permanente dos homens por
esse mundo, nas proezas das suas realizações, ou dos seus jogos de interesses,
trazidos à mesa palreira – por vezes alegremente mordaz, mas vária e
intranquila – corolário, afinal, desse outro mundo da exaltação épica camoniana,
no desfazer, seis séculos depois, dos desempenhos de esforço e coragem, que
findaram, em grande parte, na estranheza de uma massificação poderosa,
provocadora da tristeza ou da gargalhada sadia ou displicente com que este
livro pretende, simplesmente, afirmar-se - não, apesar de tudo, com o
negativismo que a Camões dita o seu sofrimento amoroso constante, que o último
verso da sua “Canção X” deixa transparecer: “Oxalá foram fábulas sonhadas!”, antes com o positivismo do poema de
Pessoa “Mar Português”, extraído da
sua “Mensagem”: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena!”, com que, afinal, se
pretende também aqui abraçar em pensamento esses tais pioneiros das ligações
marítimas às terras mais distantes do globo terrestre, tais como, de resto, o
foram os navegantes de outros países, seus seguidores e bem mais poderosos,
contudo, em meios e em irradiação económica e cultural - todos eles, em suma,
responsáveis distantes pelo mundo que nos vai hoje.
Mas não, não se trata de epopeia, este arrastado conto, que dá conta, sem
canto que preste, de tramas múltiplas, em tom, talvez de riso, talvez de
amargor. De admiração também por tantos desses poetas e prosadores que ajudaram
a definir uma pátria em valores altos de espírito e saber.
Apenas um livro. Definitivamente, de amor.
Sexta-Feira,
19/3/23
Nenhum comentário:
Postar um comentário