De «Coisas que terei pudor de contar seja a
quem for…” De “casos e mais casos”, “coisas e lousas” do nosso saber de
astúcia. O seu levantamento – por Helena Matos - para uma posteridade mergulhada em cada vez mais
disso, que nos apouca e humilha… Mas acabam por figurar como facetas do nosso
dia-a-dia de desinteresse e cobardia, em filosofia de acomodação. Ou de má
formação. Ou de “habituação”, como informa HM, a quem devíamos agradecer a
pesquisa informativa, ao invés de aceitarmos tal “status” de perversão, de
cinismo e de prevaricação. Um tal documento deveria fazer agir, exigindo responsabilizações
e não permitir a apatia de um povo que se está nas tintas, talvez os erros
alheios servindo de apoio aos nossos... Um texto que mereceu 65 COMENTÁRIOS.
Habituámo-nos
O caso do
aeroporto. O caso do Hospital Militar. O caso do adjunto e do pavilhão
fantasma. O caso do assessor. Não é uma colecção de crime e mistério. É o dia a
dia a que nos habituámos.
HELENA MATOS Colunista do Observador
OBSERVADOR,23 abr. 2023, 03:4368
O excesso de casos a envolver este governo teve entre os portugueses
o mesmo resultado que o consumo excessivo de medicamentos: perdeu-se o efeito.
Habituámo-nos. Esta
governação de António Costa reformulou a velha certeza de que os governos
são afectados pelos casos. Sim, é verdade. Ou melhor, é verdade mas
apenas se os casos não forem muitos e constantemente renovados. Pelo contrário
se estes se sucederem a um ritmo constante ou até crescente não só se perde a
noção do que está em causa como se gera uma espécie de habituação. No
limite, indiferença. Quase cansaço. Desde que o Governo tomou a 30 de Março de
2022 que o caso novo apaga o velho.
Na
entrevista que deu à Visão em Dezembro do ano passado António
Costa, para lá daqueles “Habituem-se” de que depois se arrependeu,
desvalorizava o que definia como “casos
e casinhos”, criações
da “central de criação de soundbites da direita”. Foi uma perigosa ilusão. A verdade é que a ocupação da máquina do estado pelo
PS e a redução do Governo a uma espécie de sala de exame da Prova Geral de
Acesso a Sucessor de António Costa contribuíram decisivamente para que vivamos
em estado de caso muito antes de a Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP se
ter transformado na novela portuguesa de um país a mexicanizar. É só fazer as
contas, que é como quem diz seguir o rasto dos casos:
*O caso do aeroporto. A 29 de Junho de 2022 um despacho assinado pelo
secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, anunciou não um mas sim dois aeroportos: Montijo e posteriormente o Campo de
Tiro de Alcochete eram as localizações indicadas. O ministro Pedro Nuno Santos explicou na televisão que o país não tinha tempo a
perder.: o aeroporto da Portela ia ser desmantelado. Os
concursos que estavam a decorrer para avaliar os impactes ambientais de
diferentes localizações eram anulados… O presidente da República não foi
informado. Também se deixara de lado a promessa de contar com a nova liderança
do PSD. Quem disse ter sido “apanhado de surpresa” com o despacho foi António
Costa que nesse dia 29 de Junho estava em Madrid. O despacho foi anulado a 30
de Junho. Pedro Nuno Santos continuou
no governo. António Costa terá considerado mais seguro
mantê-lo no executivo que fora dele.
*O caso
Sérgio Figueiredo. Estava-se
em Agosto de 2022 quando se sabe que o ministro das Finanças, Fernando
Medina, contratara o ex-director de
informação da TVI Sérgio Figueiredo “com salário de ministro para
fazer avaliação das políticas públicas“. Para lá do salário, da
estranheza de Sérgio Figueiredo ir fazer “avaliação das políticas públicas” (vários departamentos e serviços têm
essa tarefa a seu cargo, que está longe de ser tarefa para uma pessoa) havia o facto de Sérgio
Figueiredo, enquanto director de informação da TVI, ter contratado para
comentador Fernando Medina. A polémica cresce quando se sabe que na
autarquia de Lisboa, Fernando Medina já contratara Sérgio Figueiredo para uma
campanha de sensibilização para compras a pequenos comerciantes. O orçamento da campanha pareceu
claramente desproporcionado face ao trabalho dispendido. Sérgio
Figueiredo demitiu-se.Fernando Medina culpou os “ares
do tempo“.
*O caso Miguel Alves. Outubro de 2022. Durante várias semanas o
nome de Miguel Alves, secretário de Estado adjunto do
primeiro-ministro, está em todos os noticiários. Afinal o homem com que António Costa
contava para evitar a descoordenação do Governo tornou-se o seu
maior problema quando se soube que estava a ser
investigado pelo Ministério Público por causa de um
contrato-promessa que celebrara, quando era presidente da Câmara de Caminha,
para a construção de um pavilhão. Na prática a
autarquia pagara 300 mil euros por um pavilhão que não existia. O Governo reafirma que está tudo
esclarecido. Novas revelações agravam a situação
de Miguel Alves que acaba a demitir-se.
Já não bastava ao PM dizer que o caso estava esclarecido para que se tornasse
num caso encerrado. António Costa não sabe mas a saída de Miguel Alves do
governo vai ser o sopro que faltava para que os “ares do tempo” mudem de vez.
*O caso
Alexandra Reis. Com a saída
de Miguel Alves, António Costa já não arriscou ir buscar alguém de fora para o
lugar de secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro. Assim o escolhido
foi António Mendonça Mendes, até então secretário de Estado dos Assuntos
Fiscais (e irmão de Ana Catarina Mendes). Como é óbvio era necessário convidar
alguém para o cargo. A escolha recaiu no sub-diretor da Autoridade
Tributária Nuno Félix. Fernando Medina criou mais uma secretaria de Estado, a do Tesouro, para a
qual convidou Alexandra Reis. Estava-se no final de Novembro. Menos
de um mês depois, a 24 de Dezembro, o Correio da Manhã revela que “A nova secretária de Estado do Tesouro recebeu uma indemnização da TAP de
cerca de 500 mil euros, por cessação antecipada do cargo de administradora
executiva. Quatro meses depois de sair da companhia aérea, Alexandra Reis foi
nomeada presidente da NAV, também uma empresa pública.” António
Costa apressa-se a esclarecer “desconhecia em absoluto os antecedentes” de Alexandra
Reis e que solicitou esclarecimentos aos ministros das Finanças, Fernando
Medina, e das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos. A 27 de
Dezembro, Fernando Medina pede a Alexandra Reis que apresente o seu pedido de
demissão como secretária de Estado do Tesouro. O ministro das Finanças garantiu
desconhecer a indemnização paga pela TAP a Alexandra Reis quando a convidou
para secretária de Estado do Tesouro. Estava instituído o estado de caso.
*O caso
Pedro Nuno Santos. 29
de Dezembro. Um comunicado do gabinete do ministro das Infraestruturas e da Habitação
informa que “face à perceção pública e ao sentimento colectivo
gerados” em torno da polémica da indemnização da TAP a Alexandra Reis, o ministro Pedro Nuno Santos “entendeu, neste
contexto, assumir a responsabilidade política e apresentou a sua demissão ao
primeiro-ministro”. A este
comunicado do ainda ministro Pedro Nuno Santos respondeu o primeiro-ministro
com outro comunicado declarando que aceitou o pedido de demissão do ministro
das Infraestruturas e Habitação. Quem “face às circunstâncias” entendeu também
ter chegado a hora de apresentar a sua demissão foi o Secretário de Estado das
Infraestruturas Hugo Mendes,
o mesmíssimo que
assinara em Junho o Despacho dos novos aeroportos. Há-de tornar-se famoso por causa das mensagens por
whatsapp e por ser obviamente o elo politicamente mais fraco da
série de casos que têm a TAP como denominador comum.
*O caso
Carla Alves. Foi secretária
de Estado da Agricultura por 25 horas e 53 minutos. Tomou posse a 4 de Janeiro de 2023 e demitiu-se a 5.
Primeiro soube-se que tinha contas arrestadas. Depois que o seu marido, e
antigo presidente da Câmara de Vinhais, estava a a ser investigado, num
processo que envolve mais de 4,7 milhões de euros. Depois que tinham acontecido
outros processos-crime. A ministra da Agricultura disse que não sabia de nada e
também não parece ter-se interrogado sobre se deveria ter procurado saber.
*O caso do
Hospital Militar de Belém e do ministro que já foi da Defesa. A 20 de Dezembro de 2022, o agora ministro dos Negócios
Estrangeiros, que tutelou a Defesa entre 2018 e 2022,
disse que “não” autorizou nem lhe foi solicitado “que autorizasse” que mais
que triplicasse a despesa com as obras no Hospital Militar de Belém: estavam
orçamentadas em 750 mil euros e acabaram a custar mais de 3,2 milhões de euros). Mas em Fevereiro de 2023, quando vai a uma audição
ao parlamento, João Gomes Cravinho declara algo de substancialmente
diferente: a Direcção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) enviara um
mail a 20 de Abril de 2020 com o real custo da requalificação do Hospital
Militar de Belém mas só dois meses depois tomou
conhecimento desta mensagem porque os anexos excediam o limite e foi “recusado
pelo servidor“. Dias antes fora Pedro Nuno Santos a
lembrar-se que afinal dera “anuência política” por Whatsap para saída da TAP de
Alexandra Reis e, não menos importante, que foi informado do valor final do
acordo, ou seja dos 500 mil euros que a TAP pagou a Alexandra Reis. Isto não é
para acreditar, pois não?
Tal
como no passado os “casos e casinhos” não eram criações da “central de criação
de soundbites da direita”, também agora não é um equívoco o caso do parecer
sobre o despedimento da CEO da TAP que Ana Catarina Mendes e Mariana Vieira da
Silva afirmavam existir e ser tão relevante quem nem podia ser divulgado e que
Fernando Medina veio depois dizer que nunca existira. Ou a
reunião secreta do PS com a CEO da TAP.
Toda esta sucessão de factos resulta
da forma como António Costa concebeu este governo: fechado sobre o PS.
PS. Enquanto escrevo sucedem-se os títulos sobre a vinda
de Lula a Portugal. Sim, também
tivemos o caso do convite a Lula da Silva para ir ao parlamento no dia 25 de Abril. Que dentro
de algum tempo não se tornem um embaraço as fotos destes dias é o que se
espera. Para bem de Portugal e do Brasil.
GOVERNO POLÍTICA ANTÓNIO COSTA TAP EMPRESAS ECONOMIA
Nenhum comentário:
Postar um comentário