Para obstar às inépcias da toleima nacional,
de falsidade embrutecedora. Como os seus comentadores, também agradeço a
hombridade corajosa de Jaime
Nogueira Pinto. O poder agora reside na desordem generalizada, da conveniência
de quem manda, para melhor dissimular os seus próprios jogos de compadrio e
farsa.
#NÃOPODIAS
Estando, neste regime e neste país,
preparado há muito para tudo, confesso que fiquei, por uma vez, surpreendido.
JAIME NOGUEIRA
PINTO Colunista do Observador
OBSERVADOR, 29
abr. 2023, 00:194
Pensei, em primeiro lugar, que se
tratava de uma manobra da reacção, de uma campanha engendrada por saudosistas
do fascismo, sepultado há 49 anos, e que, para desacreditar o regime
democrático, tinham publicado, como que vindos de genuínos antifascistas
delirantes, os cartazes e as frases do Antes do 25 de Abril #NãoPodias.
Mas não. Era mesmo uma campanha
institucional, presumo que generosamente financiada, com o objectivo de “Dar ênfase às liberdades conquistadas com
a revolução dos cravos, mostrando aos mais novos o que não se podia fazer antes
do Dia da Liberdade”, porque “Conhecer
a História é imprescindível para compreender o presente e construir o futuro.”
Trata-se nitidamente de uma campanha de Acção
Psicológica que cumpre
um duplo objectivo: entreter os mais novos, sensibilizando-os
para a amordaçada existência juvenil dos agora “idosos”; e surpreender os que,
antes do Dia da Liberdade, já tinham atingido a “idade da razão”. Não sei quem
tem a responsabilidade da campanha, mas, se fosse seu correligionário, ficaria
seriamente preocupado.
Senão, vejamos algumas das coisas que
não podíamos fazer antes do 25 de Abril:
#NãoPodias esperar pela namorada ao
sair das aulas
Lamento
desiludir os mais novos, mas não foi a revolução dos cravos que veio acabar com
o “namoro de janela”. Eu andei, no Porto, no Liceu Normal de D. Manuel II, um
óptimo estabelecimento de ensino onde tive excelentes professores, geralmente
de esquerda, que me marcaram profundamente pelo seu saber, amor à profissão e
atenção aos alunos. No fim das aulas, íamos em bando para a porta do vizinho
liceu feminino Carolina Michaellis ver a saída das “miúdas”. Alguns, os que ali
tinham namoradas, iam buscá-las e acompanhavam-nas a casa. Outros, ficávamos a
ver, a conversar e a tentar a sorte, por vezes através de piropos, geralmente
decentes e inocentes (coisa que hoje #NãoPodes).
#NãoPodias beber vinhos franceses – não podiam entrar no mercado nacional
bebidas estrangeiras
Bebia-se
whisky, sim, e não era nacional; e, pelo menos nos bons restaurantes de Lisboa
e do Porto, havia vinhos franceses. É natural que nesse período, anterior
à entrada de Portugal no Mercado Comum, houvesse impostos altos para
proteger a produção nacional, que era de boa qualidade. Enfim, não
beber vinhos franceses podia ser uma provação infligida pelo antigo regime, mas
a revolução dos cravos só nos
veio libertar dela com a entrada na CEE. Agora, embora haja vinhos franceses
relativamente baratos em qualquer supermercado nacional, representam um grande
#NãoPodes para um número cada vez maior de portugueses (a par de muitos bens de
primeira necessidade).
#NãoPodias ver um filme dobrado
Lá isso é verdade. Ao
contrário do que acontecia no Brasil e em Espanha, países onde vivi no exílio
depois do 25 de Abril (porque #NãoPodias não gostar de cravos vermelhos), os
filmes em Portugal não eram dobrados, e a prática, graças a Deus, continuou com
a democracia. O argumento avançado pela campanha de que a legendagem ajudava à censura é, no
mínimo, insólito, pois quem fazia a dobragem também teria de ler um
texto e a legendagem permitia até a comparação com o original. Na
altura, vi muito filme com muita legenda em Portugal, mas nunca vi traduzir-se
“extrema-esquerda” e “ultra-esquerda” por “extrema-direita” e “ultra-direita”,
como há dias na reportagem da RTP sobre as manifestações de França.
#NãoPodias ter as pernas à mostra nas
praias
A grande revolução dos costumes não se
deu com a revolução dos cravos, deu-se bem antes, nos anos 60, com os Beatles,
o biquíni, a mini-saia, os grupos yé-yé. Lembro-me de que, até ao final
dos anos 50, até para os homens havia uma regra nos fatos de banho, que tinham
de ter uma espécie de peitilho; mas isso acabou por volta de 1960. E bem
antes do 25 de Abril já se usavam biquínis nas praias portuguesas. Tive
muitas amigas e conhecidas que usavam biquíni nesse tempo. O “Biquíni pequenino às bolinhas amarelas”
era aqui cantado, desde os anos 60, por Pedro Osório e Seu Conjunto; e todos
conhecíamos o “biquíni encarnado” que, em 1968, Natércia Barreto levava para a
praia juntamente com o rádio portátil e os óculos de sol (além do pente, do
espelho, do bâton e do “creme muito bom”). Não é difícil deduzir que houvesse
também pernas à mostra. Mas a comissão para a comemoração do 25 de Abril,
lá saberá de outras praias, talvez no Mar Negro ou no Báltico da RDA, onde os
costumes seriam mais vigiados.
#NãoPodias sonhar com um curso
A taxa de escolaridade e frequência
de cursos médios e superiores era com certeza inferior à de hoje, como em
qualquer país europeu. No entanto, os licenciados não tinham de emigrar porque
#Podiam sonhar com um emprego em Portugal.
#NãoPodias viajar sem autorização
Outra
vez, o redactor desta frase deve estar a confundir o Portugal de antes de Abril
com a então União Soviética… Independentemente do facto de, há 50
anos, aqui e no resto do mundo, se viajar muito menos, sobretudo para o
estrangeiro, no meu caso concreto – e de todos os jovens que tínhamos feito 20
anos e estávamos a aguardar a incorporação militar –, tínhamos de pedir
autorização para deslocações ao estrangeiro; mas o resto era livre. Quanto
às mulheres casadas, foi antes da revolução que deixaram de precisar do aval do
marido para viajarem sozinhas.
#NãoPodias ler o livro que quisesses
Havia alguns livros proibidos ou
retirados de circulação, ora por razões políticas, ora por serem considerados
moralmente impróprios. Mas quem tivesse vontade de ler, lia. Li as principais obras de Marx e Lenine
em francês ou em edições brasileiras. Os escritores esquerdistas e comunistas,
franceses e italianos, estavam todos na edição corrente. Quanto à “moralidade”,
li a Lolita, de Nabokov, e O Amante de Lady Chaterley, de D.H. Lawrence,
entre os 15 e 16 anos, no Livre de Poche.Agora há livros que
só se podem ler quando devidamente expurgados pelos novos censores (que não
existem, porque #VivemosEmDemocracia).
#NãoPodias falar com um grupo de
amigos na rua
Esta
“História” (de não poder falar com um grupo de amigos na rua) é verdadeiramente
“imprescindível para compreender este presente.”
#NãoPodias votar
Podia-se
votar, os adultos maiores de sexo masculino e as mulheres licenciadas ou
cabeças de casal podiam votar… só que, de facto, o governo ganhava sempre as
eleições (PS: Felizmente, temos agora liberdade de voto e muito por onde
escolher, como se pode ver). Antes da Revolução não havia partidos políticos, o
regime era autoritário e havia censura. Mas sabia-se que havia e o que aquilo
era, para efeitos de confronto.
#NãoPodias beber Coca-Cola
Não havia, de facto, Coca Cola em
Portugal. Foi proibida no tempo da I República pelo Professor Ricardo Jorge por
causa de a marca não facultar publicamente os ingredientes. Quanto à embirração de Salazar com a Coca
Cola tem uma história curiosa, ligada a um administrador da dita marca que veio
a Portugal e, pensando que estava numa república das bananas ou no Portugal de
hoje, tentou subornar o próprio Presidente do Conselho… No Portugal
pós-revolucionário, no seu período mais eufórico, o entusiasmo com a entrada no
País da “água suja do imperialismo americano” também não foi unânime.
#NãoPodias adoecer
Só entre os anos 70 e 80 se
generalizaram na Europa os Serviços de Saúde universais. Agora,
felizmente temos SNS, mas dado o estado a que chegou nos últimos anos
#ÉMelhorQueNãoAdoeças.
#NãoPodias dizer “vermelho”
Quanto custou este cartaz? O orçamento
já deve estar a bater no vermelho. No
Porto sempre se disse e, em Lisboa, era mais uma questão social, como, de
resto, ainda é. Dizer ou não dizer “vermelho” ou “encarnado” não é nem
nunca foi uma questão política.
#NãoPodias
namorar na rua
Não
fiz outra coisa – eu e toda a minha geração. Na rua, na faculdade, nos cafés.
#NãoPodias manifestar-te
É um facto. No Estado Novo todas as
manifestações de rua tinham de ser autorizadas pelo Governo Civil. Agora, basta
avisar a Câmara Municipal. Pode também dizer-se que, então, as manifestações
não eram propriamente encorajadas, dado que não havia muitos direitos
políticos. Mas havia direitos civis. Apesar disso vi, desde o liceu,
muitas manifestações estudantis e entrei em algumas.
#NãoPodias fazer parte da Europa
Felizmente, não fazíamos parte da Europa
do Pacto de Varsóvia, mas estávamos na EFTA, Associação Europeia de
Comércio Livre. Ao tempo, o
Mercado Comum tinha apenas nove membros: Alemanha, França, Itália, Países
Baixos, Bélgica, Luxemburgo, Dinamarca, Irlanda, Reino Unido.
#NãoPodias discordar
Agora podemos discordar. E até
perguntar: a quem foi entregue esta campanha? Qual o orçamento desta Comissão,
paga por nós todos? Chegou-se a isto por consenso político? A escolha foi por
concurso público? #PodesDiscordarOuPerguntar mas #NinguémTeVaiResponder.
Estando, neste regime e neste país,
preparado há muito para tudo, confesso que fiquei, por uma vez, surpreendido.
A SEXTA COLUNA PAÍS HISTÓRIA CULTURA 25 DE ABRIL
COMENTÁRIOS:
Fernando CE: Esqueceu-se
dos fósforos e dos isqueiros….para proteger a indústria nacional. Na
democrática França e embora tivesse caído em desuso antes, há duas décadas, revogou-se
uma lei que proibia as mulheres de usarem calças. E na democrática Inglaterra
em 1948 condenou-se o homossexual Alan Turing em castração química, tão só por
essa sua orientação sexual. Este último foi o inventor do Codebreaker que
desvendou as comunicações secretas dos nazis e que hoje é considerado um herói
nacional reabilitado há menos de uma década
pela rainha Isabel Ii. Rui
Lima: São cartazes ridículos, o 25 de abril
fala por si não precisa de lavagens ao cérebro nem de campanhas culturais
inspiradas nos valores maoistas. Muito bom!
GateKeeper:
Excelente "lembrete" para nós, os mais velhos
e um esclarecimento fundamental sobre o que nos "vai na ialma", para
os mais novos. Haja alguém que sabe "pôr em texto" aquilo que
"dizemos surdamente para dentro". Especialmente para aqueles e
aquelas que comungam de um certo tipo e forma da amargura
"envergonhada" de uma [ ainda viva] 'maioria silenciosa'. Obrigado
JNP. Essa do #Não podias adoecer é típica! A Saúde só começou no pós 25 A, até
então morriam todos doentes, depois do 25 A passaram a morrer na mesma ....Mas
cheios de saúde! Estes pandilheiros querem convencer-nos que foi um tal
advogado Arnaut que criou o SNS, que já estava criado desde o tempo da rainha
D. Leonor com as Misericórdias, também existiam as caixas de previdência, as
casas do Povo, dos Pescadores, mútuas e outras formas de protecção. O que o SNS
faz foi "nacionalizar" essas estruturas que continuaram a funcionar
tal qual funcionavam e que foram lentamente adaptando ao dito SNS. Olhem eu
trabalhei em saúde no concelho de Fafe, fiz os postos médicos de Serafão,
Queimadela e Sra da Lagoa, isto nos anos 70, aposto que nos dias de hoje, com o
tal SNS o pessoal tem que ir á sede do concelho para ter uma consulta médica ou
um serviço de enfermagem, querem apostar? GateKeeper > Maria Augusta Martins: Não, porque sei há muito tempo
que perdia a aposta. Rui Guilhoto Loureiro: Brilhante texto! Isto é autêntico serviço público. Obrigado JNP. Ana Silva: Excelente artigo a desmontar a
propaganda socialista. Entre o testemunho pessoal de Jaime Nogueira Pintoe algumas pinceladas de humor
se descobrem as verdades. Obrigada. Paulo J Silva: Excelente artigo como só o JNP
sabe fazer! Seria bom que as direitas organizassem também eventos comemorativos nos 50
anos do 25 de Abril fazendo memória da verdade histórica, quer do que foi na
realidade a autocracia do Estado Novo (que não era fascista), quer do que foi a
revolução (que não foi dos comunistas) e o 25 de Novembro (que nos deu a
democracia e a liberdade cumprindo as promessas de Abril). Não ao revisionismo histórico! Ana Silva > Paulo J Silva: Apoiado! S Belo: Que madrugador é o lápis azul !
Sete da manhã e já me retiraram uma opinião completamente inócua, educada
etc, etc..
S Belo > S Belo: Falava de uma campanha cujo
alvo parece ser uma sociedade infantilizada e ignorante manuel
rodrigues: Excelente artigo, caro Jaime
Nogueira Pinto! Espero, sinceramente espero, que venha a ser lido pelos
jornalistas e demais colaboradores do Observador. Bem precisam. Coronavirus
corona: Excelente. Que
grande crónica. Jorge
Barbosa: Muito obrigado ao
JNP por mais uma vez, com este excelente artigo pôr a nu as mentiras idiotas
que continuam a ser despudoradamente propaladas sobre o regime anterior,
certamente que para esconderem os gigantescos insucessos da actual III
República, até agora dominada pelo Centro esquerda. Paulo
Moreira e Silva: Muito bom! #keepcalm #estamosentreguesàbicharada
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