E a igualdade num mundo livre, embora não de preconceito, conquanto, sim, de honestidade no critério avaliativo. Um texto bem esclarecedor, este de HELENA MATOS que mereceu 109 comentários.
Adeus classe média
Há um PS antes e outro depois de
António Costa. Antes de Costa a classe média era determinante para o PS. Agora
está a deixar de sê-lo.
HELENA MATOS,
Colunista do OBSERVADOR
OBSERVADOR, 02
abr. 2023, 02:36109
Ao mesmo tempo que anunciava um
programa de habitação que, entre outras coisas, pretende construir habitação estatal e municipal para a classe média
o PS chumbava pela segunda vez a proposta de Carlos Moedas que visa isentar
da cobrança do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) os jovens até 35 anos que comprem casa em Lisboa num
valor máximo de 250 mil euros.
Boicote da esquerda a Carlos Moedas? Em parte. (Basta ler as reportagens-panfleto deste fim-de-semana sobre a manifestação que se
dizia pelo direito à habitação para perceber que novas
geringonças se estão a reconstruir numa espécie de frente anti-Moedas)
Mas
o que leva o PS a estar contra esta isenção de cobrança de IMT que
pode representar uma poupança de oito mil euros para quem compra um andar em Lisboa é muito mais profundo e transversal que a sua vontade de correr com
Moedas. O que esta decisão do PS no IMT em
Lisboa, tal como o fim das PPP na saúde e o fim dos contratos de associação nas
escolas, nos vem mostrar é que estamos
perante o PS mais à esquerda de sempre. Um PS que está a destruir a classe média.
Guterres tinha a paixão da educação. Desapaixonou-se e fugiu
do pântano.
Sócrates quis fazer um choque tecnológico. Acabou preso.
António
Costa é um
primeiro-ministro sem rasgo
nem obra mas é um
líder marcante na história do PS. O mais marcante desde Mário Soares.
António Costa garantiu ao PS anos de poder executivo com o pragmatismo manhoso de quem sabe que tem de dominar
o deve e haver das contas certas em Bruxelas se quer manter em Lisboa um poder
que promete devolver rendimentos enquanto decide cativações.
Ao contrário daquilo que por aí se
repete, António Costa não é o líder que ainda preserva os socialistas
portugueses da deriva esquerdista representada por Pedro Nuno Santos. António
Costa é sim o homem que levou o PS para a esquerda.
Há
um PS antes e outro depois de António Costa. Antes de Costa a classe
média era determinante para o PS. Agora
está a deixar de sê-lo.
Quer dizer que o PS abdica
daquele que foi uma parte significativa e preponderante do seu eleitorado, a classe média? Não. Quer sim dizer que a classe
média é que já não é o que foi e o PS sabe disso, até porque concorreu muito
para que assim seja.
Em
Portugal, o salário mínimo tem crescido a um ritmo muito superior ao do salário
médio “Isso
significa que as classes que até então
estavam mais estáveis e se sentiam mais protegidas, com expectativas de subida
e reconhecimento e de melhoria económica, têm sofrido talvez mais até do que aqueles
que estão na base da pirâmide social, que devido às políticas sociais têm
sido mais objecto de atenção do que os sectores intermédios”, alerta Elísio
Estanque, autor do
livro Classe Média –
Ascensão e Declínio. Basta ver as
imagens e os slogans dos protestos dos professores para percebermos o que é
esse declínio: aquelas pessoas debatem-se com um problema que vai muito para lá
dos seus salários baixos, eles confrontam-se com uma degradação da sua imagem
social e profissional. Há alguns anos os professores eram vistos como classe
média. Agora como uns funcionários desprestigiados.
A dependência
do Estado – a que outrora a classe
média acreditava nunca ter de recorrer – tornou-se agora o denominador comum a
boa parte da sociedade: pobres, menos pobres, empresários, trabalhadores… todos
dependem de apoios, subsídios e tarifas especiais. Temos até um grupo crescente que não pode
aspirar a ganhar mais porque isso os levaria a perder os rendimentos que o
estado lhes garante. Se o ordenado subir, ou se entrarem no mercado
de trabalho, perdem a isenção das taxas moderadoras, a tarifa social da electricidade,
vêem subir a renda da casa municipal… O estado social passou a socialista e o limbo do
dependentismo substituiu a mobilidade social, esse valor indissociável da
classe média.
Os valores em que a classe média se sustentava, independentemente de
se de situar à esquerda ou à direita, fazem parte de um património centrista
que agora está sob fogo. Pertencer
à classe média era sinónimo de segurança. A poupança e a discrição que a classe
média praticava por bom senso e por bom gosto não resistem à voracidade fiscal
dos estados e à perseguição aos investimentos. Os museus, os livros, os filmes
de que gostava, ou de que dizia que gostava, numa ânsia de se mostrar culta,
são agora vasculhados em busca de marcas ofensivas para a minoria do dia. A
esta perda de influência social e cultural junta-se a perda efectiva de
riqueza. Nas últimas décadas, em vários países europeus, os ricos continuaram
ricos ou tornaram-se ainda mais ricos. Os pobres viram a sua pobreza atenuada
por políticas sociais generosas. Mas a classe média perdeu poder económico. Da França à
Alemanha, da Bélgica ao Reino Unido, aquilo a que outrora se chamou classe
média está a ser fustigada: “O meio desaparecido” escrevem os britânicos.
“Declínio das classe médias” alertam os franceses. “Erosão” rotulam os alemães…
O resultado é semelhante onde quer que ocorra o fenómeno da perda de
influência e de poder da classe média: sociedades
mais radicalizadas e mais brutais. Num
primeiro momento, alguns procuram escapar a essa brutalização do quotidiano migrando. Quem seguir a imprensa europeia dá de caras com uma
espécie de movimento contínuo de gente que parte, declarando-se
desencantada com o seu país natal, a que por sua vez chegam outros dizendo o
mesmo do país que deixaram: são os franceses que vão para o Reino Unido ou para
Portugal; os ingleses que vão para França; os alemães para a Suíça… Não procuram necessariamente melhores rendimentos.
Procuram também viver segundo os parâmetros de civilidade que perderam nos seus
países e que acreditam poder manter noutras geografias graças à sua condição de expatriados.
Será que depois do declínio das classes
operárias chegou o ocaso da classe média? Tem de ser assim? Não sei mas sei que, em Portugal, o PS tenta antecipar esse dia. Tarefa em que, como se viu na manifestação deste
sábado em Lisboa, conta com a ruidosa ajuda da esquerda radical e
de uma comunicação social que fala “marxês”. Se queremos
discutir um futuro melhor para Portugal temos de nos libertar da discussão
entre ricos versus pobres. Sim, temos de falar sobre a classe média.
Um de 109 COMENTÁRIOS:
JOHN MARTINS: Quando a colunista HM se refere a Moedas de Lisboa, obviamente, Carlos
Moedas é o alvo a abater, é muito incómodo para o domínio e controlo
socialista, na cintura de Lisboa. E como se sabe, os socialistas, orquestrados
pelo especialista Costa, não olham a meios para atingir os seus fins. A
propósito, estas aparições de Costa em todas a TVS no espaço de uma semana significam
o QUÊ? Depois do adeus? Desespero? Ah e a classe média? Sem classe média que é
a alavanca e motor do desenvolvimento sócio-económico de qualquer país, entra-se
em estagnação; e o turismo apenas encobre a falta de desenvolvimento. Não
chega. A isto me obriga HM pelo seu magnífico artigo. À espera do próximo...
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