Para o mundo. Na descrição magistral de J.N.P.
Ventos de França
Menos de um ano depois da eleição,
Macron tem a opinião desfavorável de 69% dos franceses, e a única vencedora da
crise das Reformas parece ser Marine Le Pen.
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 22 abr. 2023, 00:1716
Emmanuel
Macron tornou-se motivo de escândalo quando, no regresso da China, quebrou a
unidade da cruzada das democracias e da NATO, ao afirmar que, no caso de
Taiwan, a Europa devia ter uma política própria: “A autonomia estratégica deve ser o
combate da Europa”, foram as
palavras que usou.
Referindo-se
aos malefícios do alinhamento incondicional com os Estados Unidos e da
consequente falta de autonomia estratégica da Europa, o Presidente francês
sublinhou que a Europa não podia cair “na armadilha” de chegar tarde “à
clarificação da sua posição estratégica”, sob pena de ser “apanhada por um
desregulamento do mundo” e enredada em crises alheias.
Para
Macron, a França não deve entrar numa lógica de blocos –
República Popular da China versus Estados Unidos da América – e deve mesmo
evitar ser atirada para o confronto amarrada à América. Mais: para não ficarem “fora da História”, a
França e a Europa terão de criar entre a América e a China um terceiro pólo.
As declarações do Presidente francês levantaram desde logo reacções
adversas na Alemanha, na República Checa e noutros países da Aliança. Nos
Estados Unidos, como seria de esperar, também não foram bem recebidas. Apesar
do silêncio apaziguador da Casa Branca, políticos republicanos, como Marco
Rubio, não pouparam o Presidente francês, e a imprensa conservadora,
nomeadamente o Wall Street Journal, fez duras críticas ao que Donald Trump
resumiu como “Macron’s kissing Xi’s ass in China”.
Além
das especulações, explicações e justificações em que Macron, o Eliseu e o Quai
d’Orsay têm sido generosos, o mais importante, como sublinhou Ted Snider em The
American Conservative, está no comunicado conjunto, em que a China e a França
se declaram empenhadas em “fortalecer o sistema internacional multilateral, sob
a égide das Nações Unidas num modo multipolar”.
Paris
demarca-se assim da “ordem liberal internacional” e da
solidariedade transatlântica, para passar ao reconhecimento de uma “ordem
multipolar”. Talvez até seja já essa a
realidade, mas do ponto de vista da frente UE-NATO é uma quebra grave.
Quando a França desce à rua
Estará o Presidente francês a recorrer à política externa para
salvar a situação interna? Macron está a viver uma grave crise, com a
resistência sindical e popular à mudança do regime geral da idade da reforma
dos trabalhadores, embora os números e as condições objectivas pareçam
justificar a razoabilidade da passagem da idade da reforma dos 62 para os 64
anos.
Quando
o sistema foi instituído, nos anos do pós-guerra, a expectativa de vida dos
franceses, que é agora de 83 anos, andava pelos 66 anos; e se hoje, por cada
reformado, não chega a haver dois trabalhadores activos (1/1,7) na altura o
ratio era 1 para 4. A França
tem uma dívida pública de três triliões de Euros, equivalente a 113% do PNB, o
orçamento geral do Estado é de quase 60% desse PNB e 14% vão para as pensões.
Comparativamente, a idade da reforma em França é também das mais baixas da União
Europeia. Assim, a reforma do governo Macron – Élizabeth Borne, parece até
razoável.
Mas para os sindicatos e para uma larga fatia da opinião pública é
tudo menos razoável. Porquê?
Talvez porque os franceses não precisem de muito para descer à rua. É uma
tradição que vem dos tempos da Fronda, entre 1648 e 1653, quando os parisienses
vinham para as ruas contra Mazarino e o jovem Luis XIV, levando o Rei, logo que
pôde, a mudar a corte para Versalhes. Depois,
vieram as revoluções – de 1789, de 1830 e de 1848. E no século XX, sobretudo
nos anos 30, o Quartier Latin assistia às arruadas de comunistas, socialistas,
monárquicos, nacionalistas e fascistas, que por vezes envolviam pancadaria,
quase sempre contra a Polícia, com mortos e feridos. Depois da Segunda Guerra, a tradição
continuaria a cumprir-se: nos anos 50, foram as manifestações contra e a favor
da Argélia Francesa, e nos anos 60, o Maio de 68. Desaparecidas as colónias e as paixões
políticas extremas, foi o tempo das “reformas sociais” e das “questões
fracturantes”. Em Novembro de 1995, o
Plano Juppé para a reforma da Segurança Social mobilizou os sindicatos da
função pública e deu origem às maiores manifestações multitudinárias desde o
Maio de 68. Seguiram-se, mais próximas, as paradas arco-iris, das pró LGBT às
MANIF POUR TOUS.
Desta
vez, quem está na linha da frente são as centrais sindicais das várias famílias
político-ideológicas. Porém, na vanguarda da escalada da violência, perfila-se o líder da La France Insoumise, Jean-Luc
Mélenchon, que
parece querer suscitar uma “revolução social”, num regresso nostálgico aos bons
velhos tempos de juventude, ou ao tempo em que cerrava fileiras com dois
saudosos amigos e companheiros de caminho, Fidel de Castro e Hugo
Chávez:
“É preciso não só conquistar o poder, mas exercê-lo de forma
revolucionária. A conquista da hegemonia política tem um preâmbulo: é preciso
transformar tudo em conflito” – dizia, já em 2012.
É
com esta radicalização que a Nova Esquerda – convencida da verdade e da razão
absolutas dos seus valores e princípios e ciente de que, através do voto
popular, não chegará nunca ao poder – declara o sistema como destituído de
legitimidade.
Um
dos seus grupos, os Black Blocs (ecologistas radicais que actuam
com a cabeça tapada por cagulas) tem vindo
a misturar-se nas manifestações multitudinárias. São os Black
Blocs,
conjuntamente com outros grupos radicais, os principais responsáveis pela
deriva violenta a que temos vindo a assistir em Paris e noutras cidades
francesas. Foi
a este propósito que, com a sua habitual independência, a RTP traduziu em
legenda “extrême-gauche” e a “ultra-gauche” (a cuja violência se
referia claríssima e inequivocamente o Ministro do Interior francês, Gérald
Darmanin) por “extrema-direita” e “ultra-direita”. A ignorância poderá ser
grande, e tende a sê-lo, mas dificilmente chegará a tanto…
Por um relógio de pulso
De
qualquer modo, e independentemente da razoabilidade da lei da reforma, Macron
parece conseguir, como ninguém, encarnar a ideia de um poder desligado do povo,
excitando o fenómeno de repulsa popular pelas elites prepotentes e alienadas.
Um
episódio anedótico mostra-o bem: numa entrevista televisiva, transmitida pela
TF1 e pela France 2 em 22 de Março, o Presidente retirou do pulso o relógio,
sendo imediatamente acusado nas redes sociais de usar um objecto de luxo de
80 mil Euros. O Eliseu desmentiu a história como fake news, acrescentando que o
relógio de Macron era um simples relógio de 2.400 Euros, ou seja, um gadget ao
alcance da bolsa do comum cidadão de classe média.
Macron
foi eleito por duas vezes em segunda volta contra Marine Le Pen, em 2017 e
2022, obrigando uma esquerda contrariada a juntar-se ao centrão e aos liberais
para “parar o fascismo”. Só que, aparentemente, as coisas começam agora a ficar
diferentes.
Em 2022
Marine Le Pen teve 41,5% dos votos contra os 58,5% do vencedor. Menos de um ano depois da eleição, segundo uma sondagem
da IPSOS publicada por Le Point, Macron tem a opinião desfavorável de
69% dos franceses. Pior que ele,
só a sua Primeiro-ministro, Élisabeth Borne, que não consegue mais do que 23%
de popularidade. Como os
líderes da esquerda, com Jean-Luc Mélenchon à cabeça, permanecem estáveis, os
únicos vencedores desta crise parecem ser Marine Le Pen e o seu Rassemblement
National.
Quando,
logo a seguir à decisão favorável do Conselho Constitucional, presidido por
Laurent Fabius, Macron promulgou a lei das reformas, Marine não perdeu tempo:
“Ao
decidir promulgar a injusta lei das reformas às 3 horas e 28 minutos da madrugada,
Emmanuel Macron provocou pela enésima vez os franceses […] É um pirómano”.
Ao
mesmo tempo, uma sondagem da ELABE, com os mesmos candidatos de 2022, dava
Marine como vencedora à primeira volta, com 31% dos votos, Macron com 23% e
Mélenchon com 18,5%; só que, à segunda volta, Marine teria já 55%, contra os
45% de Macron.
Mas podem os antifascistas permanecer calmos, que ainda faltam
quatro anos para 2027.
EMMANUEL
MACRON FRANÇA EUROPA MUNDO MARINE LE PEN FRENTE
NACIONAL
COMENTÁRIOS (16):
João Floriano: Sobre a azia
francesa com os Estados Unidos, tradicionalmente não é de agora. Os americanos
sempre adoraram a França, talvez devido aos acontecimentos da Segunda Grande
Guerra, ao sangue aliado que ficou nas praias da Normandia. meio um PSD Fiquei
com a ideia de que a França tinha ficado melindrada por ter sido «esquecida» na
formação da AUKUS ( um bloco geoestratégico). A França tem um passado de glória
em que exportou as suas ideias, cultura e língua para todo o mundo. Agora as
coisas são bem diferentes. A França enfrenta a radicalização de esquerda e
direita e no meio fica não direi o vazio, mas uma força política cada vez mais
fraca. Em Portugal caminhamos para o mesmo com o PS cada vez mais encostado à
esquerda, o CHEGA no lado oposto e no que pretende ser moderado mas que não
cativa, porque a clivagem a radicalização é muito grande. Sobre a criação de
blocos como os novos BRICS, CIVETS e outros de menor expressão, lembro que
também temos o nosso, sem grande brilho, mas é o nosso: PIGS. Antonio Marques
Mendes: O problema dos franceses é que antes os
soviéticos só tinham a esquerda para manipular as manifestações dos franceses,
mas agora Putin tem a esquerda Mélenchon e a direita Le Pen para manipular. Estupidamente,
Macron continua a apostar no tradicional chauvinismo e anti-americanismo dos
Franceses e a aproximar-se de Putin/Xin alienando a unidade Ocidental. Maria Clotilde Osório:
A Eurásia é uma realidade que se irá
impor? Em
oposição à América do Norte? E será que a Europa se irá voltar para Este
novamente. Quase seiscentos anos depois? Seremos, no final do séc XXI, uma
Europa mais asiática? O desenvolvimento do projecto da maior economia mundial
actual, a China, irá impor as novas regras políticas e civilizacionais? E a
Rússia, será o terceiro suporte nesta nova ordem? A aguardar as respostas.
João Ramos: Macron
quer imitar o incomodo de Gaule, só que não é de Gaule e os tempos são outros e
talvez muito mais perigosos, enquanto a Europa nas duas grandes guerras do
século XX e sobretudo a França devem a sua liberdade aos EUA e porque não
dizê-lo também à Inglaterra, caso contrário pelo menos a França ainda andaria
de braço estendido e é este país que no pós guerras viveu abusivamente sob a
protecção dos EUA vem agora irresponsavelmente pôr se em bicos de pés
atraiçoando quem os protegeu e arriscando uma importante fissura dentro da
Nato, isto num momento muito grave para todos os Europeus e não só… Francisco Almeida: Macron criou o seu próprio partido que se esgotará no seu
apoio. Pelo caminho esvaziou a esquerda e a direita moderadas. Quando terminar
o seu mandato a França tem dois cenários possíveis e um garantido. A dúvida
será entre Mélenchon e Le Pen. E a certeza é a violência nas ruas com os
cenários consequentes de ingovernabilidade e/ou intervenção militar.
A CEE foi um negócio, então paritário, entre a agricultura francesa e a
indústria alemã. Essa foi a base do eixo Berlim-Paris. Entretanto a indústria
alemã agigantou-se e a França endividou-se. Como o próprio Macron concedeu numa
entrevista, a economia alemã era mais forte mas a França era mais forte
militarmente. Kim Jong-un
poderia ter dito o mesmo das duas Coreias. A França condensou o seu orgulho
nacional, a sua superioridade moral, no porta-aviões nuclear (com sistemas
elevatórios americanos) Charles de Gaulle e nos caças-bombardeiros
Dassault-Rafale. Mas a guerra na Ucrânia, com o rearmamento europeu, veio
baralhar os equilíbrios: só Alemanha, nórdicos e Holanda têm capacidade
económica para isso. Alemanha, Suécia e Finlândia já mostraram oa seu empenho e
não será certamente a França a liderar, possivelmente nem a co-liderar um
hipotético exército europeu. Só lhe resta demarcar-se
replicando De Gaulle. Só que a Macron falta tudo para isso. Nem farda nem
tradição anti-nazi, nem carisma nem a lealdade dos para-quedistas da Legião
Estrangeira que repuseram a ordem nas ruas em 1968. Macron está batido em todas
as frentes e a sua ida à China é a última tentativa de um perdedor patético a
tentar pôr-se em bicos dos pés. (Publicado no "Delito de Opinião".
Editado) José Tomás: No caso das pensões, Macron tem
razão. É algo evidente, básico, indiscutível. Se quem tem razão não consegue
prevalecer numa democracia devermo-nos preocupar com a qualidade dos eleitos e
dos eleitores. Maria
Madeira: Mais um artigo bastante
interessante. Pedro
de Freitas Leal: Mais um artigo extraordinariamente lúcido do JNP,
obrigado Jaime! Sim, os franceses fervem em pouca água. Tal como em
Portugal, a direita radical ganha pontos. Mas Macron não apenas me parece
correcto em termos nacionais, no que toca à reforma das pensões, como está já a
preparar caminho para o tal mundo bipolar que ainda assusta os europeus. O
que a França mais teme é ter que ir defender os interesses americanos no Mar do
Sul da China. Américo
Silva: A Europa já não pode viver sem ser sodomizada pelos USA. TIM DO Á: A França, há algumas décadas um
dos países mais belos do mundo, suicidou-se. Como voltar ao que era? Esse é o
grande desafio. E ainda será possível? bento
guerra: Macron fez uma
política errada, porque foi calculista em função do calendário eleitoral. Não
avançou com as reformas, nem enfrentou os fortes sindicatos comunistas e
anarquistas, para não perder votos e agora teve de recorrer ao célebre 49.3
para impor vontade "majestática" a franceses oportunistas e a apalpar
o terreno. Mas, mais grave ,impôs a sua vontade sobre a Lagarde, no calendário
das taxas de juro, Alexandre
Barreira: Pois. O mundo muda. A uma velocidade estonteante. As pessoas é que andam distraídas. E quando "acordarem"......! Rui Lima: A França que conheci em jovem não existe, morreu. 1/3
da sua população vinda ou descendente de longe, cria condições de uma guerra civil de baixa
intensidade há vítimas todos os dias . Até nisto era
o país da gastronomia é agora fast
food Hambúrgueres, bagels, burritos,
wraps, sushi, pizzas, tacos, espetadas, taças... Nunca houve tantos restaurantes
de fast food no país: 52.500 no total - em comparação com 13.000 vinte anos
atrás. Deixo aqui um vídeo não são imagens da
Ucrânia são de Marselha . https://www.dailymotion.com/video/x449nmw Jose Miguel
Pereira > Rui Lima: Morreu 1/3 da sua população?... Ou foi a sua pontuação
que nem chegou a nascer? Rui
Lima > Rui Lima: A maioria percebeu é o que conta, os franceses também
percebem fecham os olhos quando votam porque sentem que lhes roubaram o seu
modo de vida , por isso até os comunistas votam em le Pen que não é nenhuma solução
mas é voto de protesto. Os engraçadinhos mestres de escola aparecem sempre. Tem mais algo a dizer ? Ou
não tem coragem ou conhecimento para mais? Como deve
saber um QI normal percebe uma frase com 30% das palavras , lamento que não
faça parte do grupo . Rui Martins: Obrigado JNP Os novos ventos da Europa...
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