terça-feira, 11 de abril de 2023

Mas as naus transformaram-se em navios


Contra-torpedeiros, hidro-aviões, aviões, de grande envergadura, não há língua, sequer de santo, que lhes detenha a força. Paleio de chacha para esses. Mas vale sempre reler a alegoria de Vieira, que José Diogo Quintela referiu, e que a Internet dispensou:

[Já não restam trocadilhos com TAP para título]

Para a generalidade dos portugueses, uma companhia aérea é uma empresa de aviões; para o PS, uma companhia aérea é uma acompanhante distraída: pode-se enfiar a mão e abusar à vontade.

JOSÉ DIOGO QUINTELA Colunista do Observador

OBSERVADOR; 11/4/23

Estou perplexo por haver quem esteja mesmo convencido que Pedro Nuno Santos já não tem futuro na política. É não perceber nada de estatística. Como toda a gente sabe, a probabilidade de se morrer num acidente de carro é muito maior do que num desastre aéreo. Isso também vale para a morte política. Ora, se Eduardo Cabrita sobreviveu durante vários meses a um atropelamento na A6, é evidente que PNS se vai aguentar, mesmo sendo o principal responsável pelo fiasco da gestão da TAP. Uma frota de aviões não era tão mal gerida desde que a força aérea japonesa achou que seria boa ideia os pilotos jogarem-se contra barcos inimigos. A diferença é que os kamikaze tinham objectivos e cumpriam-nos, destruíam com rigor e eficácia. Pedro Nuno Santos e a sua equipa nem isso conseguem. São kamikazelhas.

Apesar da espectacularidade do falhanço, estou confiante que ainda vamos ver Pedro Nuno chegar a Primeiro-Ministro. Naturalmente, empossado por José Sócrates, cujo processo entretanto irá prescrever, levando os socialistas a poderem dizer que é inocente, uma vez que não foi condenado.

Se Portugal precisava de mais provas de que o Partido Socialista é a maior instituição política do país, basta ver a diferença como o PSD e o PS reagem a infortúnios com aeronaves. Enquanto os sociais-democratas ainda hoje choramingam a queda do Cessna que privou a direita das suas maiores figuras, os socialistas sabem que não é este desaire que vai impedir Pedro Nuno Santos e João Galamba de virem um dia a ocupar os cargos a que estão destinados.

Mesmo uma figura menor como Hugo Mendes vai safar-se. Apesar de António Costa ter ontem dito que, se tivesse sabido do mail, o teria despedido na hora, a verdade é que isso não significa que Hugo Mendes deixe de ter futuro como rémora de Pedro Nuno Santos. Até porque tudo isto tresanda a injustiça. É óbvio que Mendes nunca deveria estar próximo da TAP, a única qualificação para gerir uma companhia aérea é ter o cabelo de alguém que vai de asa delta para o trabalho, mas tenho sérias dúvidas que seja culpado pelo que se passou.

A minha teoria: o Governo sofre grande escassez de mão-de-obra e toda a gente é forçada a trabalhar o triplo. Reparem que há 20 ministérios, 40 secretarias de estado, 80 direções-gerais, centenas de grupos de estudo, empresas públicas, comissões e observatórios, e é preciso atafulhar tudo isto com militantes. Mesmo que o ISCTE fosse uma coelheira, com intelectuaizinhos a reproduzirem-se desenfreadamente, seria impossível fornecer o número de jovens quadros necessários para alimentar a voragem socialista e governar o país. O PS é vítima do seu próprio sucesso. Atrapalhado para responder a tantas solicitações, sem assessores disponíveis a quem apelar, o Governo viu-se obrigado a recorrer a um daqueles softwares que conversam com as pessoas, tipo Chat GTP. Só que, para poupar, não compraram Inteligência Artificial, instalaram antes Chico-Espertice Artificial.

Foi esse programa que respondeu aos mails de Hugo Mendes. Estudou tudo o que o PS diz desde que é Governo, e depois agiu em conformidade, respondendo com a desfaçatez aprendida. Daí ordenar à CEO que transformasse um voo da TAP no jacto privado da Presidência. Só faltou sugerir que, da mesma forma que os americanos têm o Air Force One, chamássemos àquele avião o Presidente Um. O P-Um.

Também é óbvio que foi a Chico-Espertice Artificial a responder por João Galamba quando Christine Ourmières-Widener lhe perguntou se podia participar na reunião preparatória do seu próprio interrogatório. (Evidentemente, para efeito de comicidade, estou a fingir que acredito na patranha de Galamba). A resposta inteligente seria: “Nem pensar, minha senhora. Tal não é ético”. Mas enquanto a Inteligência Artificial continua a aprender com as circunstâncias, a Chico-Espertice Artificial, preguiçosa, parou de evoluir na altura em que a impunidade do PS ainda era aceite com bonomia.

Este sub-caso é mais um exemplo do excesso de trabalho a que são sujeitos os membros do Governo. Se não estivesse cansado, Galamba teria percebido que era melhor dizer a verdade. Se tivesse admitido que fora ele a convocar a CEO para a reunião, passava por calculista sem escrúpulos, o que até lhe dá pontos no partido; como optou por dizer que se limitou a aceitar uma sugestão da CEO para participar, passa só por tolo. Bem dormido, tenho a certeza que João Galamba preferiria que o julgassem pérfido em lugar de nabo. Em vez de Maquiavel, saiu palonço.

Parece-me que o grande ponto de discórdia sobre a TAP deve-se a haver uma diferença de entendimento sobre o que é uma companhia aérea. Para a generalidade dos portugueses, uma companhia aérea é uma empresa de aviões; para o PS, uma companhia aérea é uma acompanhante distraída: pode-se enfiar a mão e abusar à vontade, que ninguém dá por isso.

TAP    EMPRESAS    ECONOMIA    PEDRO NUNO SANTOS    POLÍTICA    GOVERNO

COMENTÁRIOS:

Fernando Cascais: António Costa é o John Travolta português dos aviões. Vai tirar o brevet e acoplar uma pista de aviação com um hangar ao palácio de São Bento para ter os aviões e a TAP no quintal. A TAP está para Costa como a Febre de Sábado à Noite está para o Travolta. Durante o dia Costa dança pelos salões da política, à noite vai fazer festas aos aviões. Meus lindos meninos, diz Costa. Ronaldo colecciona Bulgattis, Costa colecciona AirBus. Com o brevet tirado sairá a voar de São Bento num voo rasante pelo Atlântico para não ser detectado pelos radares na direcção do oriente.            Alexandre Barreira: Pois. Caro JDQ, Essa "piada" do Cessna. Tem "água-no-bico"....!                     Maria Paula Silva: Excelente! De facto, deve haver algumas poucas excepções, o PS é um cardume de rémoras.            Maria Liz: Muito bom. Gostei especialmente da imagem da "rémora". 😂 o que não falta nesta coisa são rémoras.

 

NOTAS DA INTERNET:

A Língua de Santo António

Se alguma rémora houve na terra, foi a língua de Santo António, na qual, como na rémora, se verifica o verso de São Gregório Nazianzeno: Lingua quidem parva est, sed viribus omnia vincit. O Apóstolo Santiago, naquela sua eloquentíssima Epístola, compara a língua ao leme da nau e ao freio do cavalo. Uma e outra comparação juntas declaram maravilhosamente a virtude da rémora, a qual, pegada ao leme da nau, é freio da nau e leme do leme. E tal foi a virtude e força da língua de Santo António. O leme da natureza humana é o alvedrio, o piloto é a razão: mas quão poucas vezes obedecem à razão os ímpetos precipitados do alvedrio? Neste leme, porém, tão desobediente e rebelde, mostrou a língua de António quanta força tinha, como rémora, para domar a fúria das paixões humanas. Quantos, correndo fortuna na nau Soberba, com as velas inchadas do vento e da mesma soberba (que também é vento), se iam desfazer nos baixos, que já rebentavam por proa, se a língua de António, como rémora, não tivesse mão no leme, até que as velas se amainassem, como mandava a razão, e cessasse a tempestade de fora e a de dentro? Quantos, embarcados na nau Vingança, com a artilharia abocada e os botafogos acesos, corriam infunados a dar-se batalha, onde se queimariam ou deitariam a pique se a rémora da língua de António lhes dão detivesse a fúria, até que, composta a ira e ódio, com bandeiras de paz se salvassem amigavelmente? Quantos, navegando na nau Cobiça, sobrecarregada até às gáveas e aberta com o peso por todas as costuras, incapaz de fugir, nem se defender, dariam nas mãos dos corsários com perda do que levavam e do que iam buscar, se a língua de António os não fizesse parar, como rémora, até que, aliviados da carga injusta, escapassem do perigo e tomassem porto? Quantos, na nau Sensualidade, que sempre navega com cerração, sem sol de dia, nem estrelas de noite, enganados do canto das sereias e deixando-se levar da corrente, se iriam perder cegamente, ou em Sila, ou em Caribdes, onde não aparecesse navio nem navegante, se a rémora da língua de António os não contivesse, até que esclarecesse a luz e se pusessem em vista.

(P. António Vieira, “Sermão de Santo António aos Peixes” III)

Nenhum comentário: