quinta-feira, 20 de abril de 2023

Sempre brilhante


Como um disco rachado é já a referência à questão da visita de Lula na tal “data histórica nossa” e os seus conceitos ignaros de presunçosa harmonia anti belicista, e desonesta “desarmonia” na reprodução dos feitos genocidas da autoria russa. Mas é sempre um prazer ler as páginas morais e filosóficas de Paulo Tunhas.

Lula em Portugal

Lula tem todo o direito a desejar uma nova ordem mundial. Um direito que ele não tem é o de destruir as distinções básicas sobre as quais assentam as nossas capacidades de emitir juízos políticas.

PAULO TUNHAS, Colunista do OBSERVADOR

OBSERVADOR, 20 abr. 2023, 00:192

Até às declarações em Pequim sobre a invasão russa da Ucrânia, não prestei atenção nenhuma à notícia da ida de Lula à AR no dia das comemorações do 25 de Abril. Sem dúvida que o homem não se recomenda excessivamente e que a sua presença ali é divisiva, além de acentuar o papel da esquerda nas comemorações. Mas não foi mais ou menos sempre assim? E as pessoas não se habituaram a considerar isso normal, mesmo que não seja? Há mais coisas em que pensar.

O problema foram as declarações de Pequim. Lula referiu-se à Ucrânia e à Rússia como se não houvesse distinção entre agredido e agressor. E mais: acusou os Estados Unidos e a Europa de estarem por detrás da guerra. É verdade que, uns dias depois, com o presidente da Roménia, lá se permitiu criticar a invasão russa. Mas fê-lo sem o entusiasmo e a convicção das declarações de Pequim.

Estas eram, de resto, coerentes com as preferências políticas de Lula, grande admirador da Venezuela, da Nicarágua e de Cuba, todos regimes apoiantes de Putin. Mas que Lula seja adepto de uma “nova ordem mundial” oposta à das democracias liberais – e não apenas Lula como uma boa parte do PT, a começar pela sua presidente, Gleisi Hoffmann– é uma coisa. Apesar de tudo, ele está longe de ser o único “perfeito idiota latino-americano”, para citar o título de um livro célebre. Outra coisa diferente – e muito mais grave – é o grau de cegueira que lhe permite recusar o óbvio do óbvio: a distinção clara entre o agressor e o agredido, bebendo o cálice da propaganda russa até à última gota.

Foi esse aspecto que Paulo Rangel, pelo PSD, denunciou com as palavras certas e que a deputada socialista Djamila Madeira procurou branquear com o estapafúrdio argumento de que Lula visava apenas, como todos nós, a busca da paz. Como se a preocupação com a paz passasse pela obliteração da distinção entre agressor e agredido. Não passa, não pode passar.

Mais. Se se elimina a distinção, tudo daí se pode deduzir, sem controle algum. A desonestidade e a mentira pura e simples tornam-se a única moeda corrente. Todas as falsificações da história se tornam possíveis e tendencialmente inevitáveis. Nada pode servir como pedra-de-toque para a verdade.

Lula tem todo o direito a desejar uma nova ordem mundial, por mais terrivelmente nociva que ela seja para os habitantes deste bom velho planeta. Um direito que ele certamente não tem é o de destruir as distinções básicas sobre as quais assentam as nossas capacidades de emitir juízos políticos.

Tenciono ouvir o seu discurso na AR. E, desejando que ele não recaia nas barbaridades de Pequim, espero que, caso o faça, receba uma resposta com a devida firmeza por parte de alguns deputados, que lhe façam notar que a apologia do crime não é bem-vinda naquele lugar.

GUERRA NA UCRÂNIA    UCRÂNIA    EUROPA    MUNDO    BRASIL

COMENTÁRIOS:

João Floriano: Como filósofo, Paulo Tunhas conhece os inúmeros casos em que a Política se sobrepõe à Ética. Sendo a Política a arte do possível, está no oposto à Ética cujos valores são bem mais sólidos e permanentes. Gostei sobretudo da expressão «alguns deputados» dos quais Paulo Tunhas espera uma resposta assertiva à altura. Isso significa que há outros deputados que vão aplaudir Lula, até porque bebem água na mesma fonte e outros que se manterão em silêncio em nome do sentido de estado e que darão razão ao ditado popular de que quem cala consente. Calculo que o discurso de Lula se ficará pelas banalidades do costume: os países irmãos, a língua e tudo no geral inspirado no Fado Tropical do Chico Buarque. Não creio que cometa a grosseria de nos vir ofender com a propaganda pró Putin. Uma coisa é indesmentível: a qualidade do convidado está de acordo com a qualidade de quem fez o convite e com o momento estranho que estamos a viver. Não ouvi o discurso de António Costa no jantar de aniversário, mas pelo que fui lendo por aqui, o PS está num frenesim de luxúria de esquerda como antes nunca visto. Logo, qual a admiração do convite a Lula? É apenas mais um sintoma da enorme doença que atinge o país e que se chama costite aguda. E a doença ameaça tornar-se crónica.               Carlos Quartel: Essa ideia de discurso na sessão do 25A parece ter sido de Marcelo que agora se mantém caladinho. Quanto a Lula, é um sindicalista, apoiado , por décadas, pelo Kremlin e foi, toda a vida, um adorador do paraíso na Terra, da pátria dos trabalhadores, como o são todos os velhos comunistas. É um fenómeno mais religioso do que racional, e não conseguem deixar de digerir todas as narrativas que venham da Rússia, a adorada pátria. Temos cá o PC, com a mesma postura e vamos encontrá-la em todos os comunistas de 70 ou 80 anos. A isto junta sérios problemas com a corrupção, como o mensalão. os filhos com grandes propriedades, etc O erro não é dele, foi de quem o convidou e , em última análise, dos brasileiros que não conseguiram arranjar melhor do que Lula e Bolsonaro. Também diz muito de um povo, que insistimos em engraxar e que não perde uma oportunidade de nos enxovalhar.. Ver as centenas de anedotas sobre portugueses, em que somos sempre os atrasados  e eles os civilizados e cultos .... ....     Pedro Almeida: O Lula é o retrato do Brasil              Alexandre Barreira: Pois. É pá. Já chega de Lulas. Já enjoa. Uns "jakinzinhos"". Pra variar....!             Fernando CE: Nem mais. E tudo partindo de um, pelo menos , analfabeto político como Lula. Face à minha idade (de sexagenário), lembro-me de ouvir as bacoradas e os discursos ignorantes da maioria dos homens do MFA, sem esquecer o discurso tresloucado de Vasco Gonçalves num célebre discurso em Almada. Estávamos num “ manicómio em autogestão”. E até existiram figurões do poder que, para além de tentarem adiar as primeiras eleições livres em 25 de abril de 1976, depois do PS as ter ganho, terem vindo dizer que o povo não quis votar no PS mas no “socialismo”…      Rui Lima: Os donos do 25 de abril teriam convidado o Estaline se ele ainda fosse vivo .                  Cisca Impllit: Muitíssimo bom texto e simples de compreender.

 

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