terça-feira, 18 de abril de 2023

Sensibilidades


Incompatíveis com as pretensões económicas de cada um. E as diferentes reacções dos diferentes comentadores, com os seus saberes próprios, a indelicadeza chinesa - ponto assente, aliás, quanto a mim, no olhar argutamente escorregadio e falso do seu presidente – com quem se tem de lidar quando se deseja produzir… E Macron é energicamente e patrioticamente dos que deseja.

Em defesa da Aliança Democrática Euro-Atlântica

Como disse Timothy Garton Ash, podemos e devemos unir a opinião pública europeia — mas apenas em torno de uma posição Euro-Atlantista, não Euro-Gaullista.

JOÃO CARLOS ESPADA Director e fundador do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

OBSERVADOR, 17 abr. 2023, 00:199

1Não sei exactamente quais terão sido os objectivos da (inteiramente legítima) recente visita à China do Presidente francês Emmanuel Macron. Um dos possíveis objectivos poderá ter sido a obtenção de central protagonismo mediático internacional. E este (também legítimo) objectivo terá sido seguramente alcançado, mas talvez não no sentido desejado por Macron: as críticas dominaram os media europeus e ocidentais.

Tenho a fraqueza de acreditar que a generalidade destas críticas é inteiramente justificada.

2Em primeiro lugar, e sobretudo, Macron literalmente exibiu uma quebra de maneiras que julgávamos incompatível com o cavalheirismo gaulês. Fez-se acompanhar por uma distinta, e por sinal muito elegante, senhora – a alemã Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia. Mas, depois, aceitou que a mal-educada ditadura comunista chinesa excluísse a senhora da maior parte dos eventos diplomáticos.

Isto seria, só por si, uma chocante falta de maneiras, em flagrante contraste com as civilizadas tradições gaulesas e europeias. Acresce que os bárbaros comunistas chineses se apressaram a sublinhar a rudeza com que excluíram a senhora da maior parte das cerimónias diplomáticas. Disseram eles que Ursula von der Leyen era uma “porta-voz do imperialismo americano” – ainda que, indiscutivelmente, ela seja a Presidente da Comissão Europeia.

3Pior ainda, em segundo lugar, o Presidente Macron não só não se distanciou da falta de maneiras dos ditadores comunistas chineses, como ainda conseguiu implicitamente (ainda que possa ser admitido não intencionalmente) legitimá-la.

Numa entrevista no voo de regresso a Paris, Macron terá dito que “o grande risco para a Europa é que ela seja apanhada em crises que não são nossas [numa chocante referência à ameaça comunista sobre a democrática Taiwan e num chocante silêncio sobre a infame invasão da Ucrânia pela Rússia], o que nos impediria de construir a nossa autonomia estratégica”. A seguir, disse que“a Europa não deve ser vassala nem dos EUA nem da China” (cito a partir do FTWeekend de 15/16 de Abril, p. 5).

4Há aqui um equívoco clamoroso que não pode passar incólume – e que a generalidade da imprensa europeia e ocidental certeiramente detectou.

Uma coisa, inteiramente legítima e altamente estimável, é a ambição europeia de garantir a sua autonomia estratégica. Outra coisa, totalmente diferente e chocantemente errónea, é identificar a autonomia estratégica da Europa com uma espécie de equivalência moral e política entre a democracia americana e a ditadura comunista chinesa.

5Como escreveu o britânico Timothy Garton Ashum europeísta convicto e contundente crítico do Brexit as declarações e o comportamento de Macron enfraqueceram seriamente a unidade europeia e a muito desejável autonomia estratégica da Europa, que Macron diz defender:

“Podemos realmente unir a opinião pública europeia — mas apenas em torno de uma posição Euro-Atlantista, não em torno de uma posição Euro-Gaullista. Macron, por isso, demonstrou brilhantemente a verdade da tese diametralmente oposta à sua.”

Tim Garton Ash, a propósito, será o anfitrião do 14º Dahrendorf Colloquim que terá lugar em Oxford nos próximos dias 28 e 29 do corrente mês de Abril, sob o tema geral “Europe and Freedom”. No dia 28, Tim proferirá a “Dahrendorf Lecture” sob o título “Europe, Whole and Free”. Participarão no evento, entre outros, Anne Applebaum, Timothy Snyder, Ivan Krastev e Francis Fukuyama. [Espero conseguir reportar brevemente o evento na minha próxima crónica, a 1 de Maio].

6Vale a pena reafirmar que no centro de todas estas controvérsias está a questão crucial da escolha moral e política entre a democracia liberal e os seus inimigos – parafraseando o título do muito marcante e inspirador livro de Karl Popper, A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos (1945).

Creio que Tim Garton Ash colocou muito acertadamente a questão no final do seu livro Homelands: A Personal History of Europa[cuja edição portuguesa ele apresentará na 14ª Dahrendorf Memorial Lecture, no âmbito da 31ª edição do Estoril Political Forum, no Hotel Palácio do Estoril, em 26-28 de Junho próximo, sob o tema global “Rebuilding Democratic Consensus — At Home and Abroad & Celebrating the 650th Anniversary of the Anglo-Portuguese Alliance”].

Escreveu Tim, a concluir o seu livro:

“A Europa de hoje, com todas as sua falhas, limitações e hipocrisias, com todas as suas dificuldades dos anos recentes, é ainda muito melhor do que aquela que eu comecei a explorar no início da década de 1970, sem falar do inferno que o meu pai encontrou quando jovem [o pai de Tim participou como militar britânico na primeira vaga do desembarque na Normandia, a 6 de Junho de 1944]. É também melhor do que a Europa dos séculos anteriores, incluindo a Europa pré-1914, idealizada por Stefan Zweig.

“De facto, adaptando a famosa frase de Churchill sobre a democracia, podemos dizer que esta é a pior Europa possível, com excepção de todas as outras Europas que foram tentadas ao longo dos tempos. Defender, melhorar e ampliar uma Europa livre faz sentido. É uma causa merecedora de esperança”.

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COMENTÁRIOS (9)

Gabriela Gop: As posições inflexiveis em relação à política externa da UE, não trazem nem a paz nem os interesses dos europeus. A França, embora não mande nada, faz bem em marcar uma posição autónoma em relação à von der Leyen que é ' o braço armado' do wokismo americano. Quanto à elegância da von der Leyen, só posso dizer que é propaganda pura e dura. A mulher usa uma espécie de farda...e faz negócios com a China todos os dias. Sem os negócios com a China a Ursula e o Biden estariam onde?                Francisco Almeida: Macron criou o seu próprio partido que se esgotará no seu apoio. Pelo caminho esvaziou a esquerda e a direita moderadas. Quando terminar o seu mandato a França tem dois cenários possíveis e um garantido. A dúvida será entre Mélenchon e Le Pen. E a certeza é a violência nas ruas com os cenários consequentes de ingovernabilidade e/ou intervenção militar. A CEE foi um negócio, então paritário, entre a agricultura francesa e a indústria alemã. Essa foi a base do eixo Berlim-Paris. Entretanto a indústria alemã agigantou-se e a França endividou-se. Como o próprio Macron concedeu numa entrevista, a economia alemã era mais forte mas a França era mais forte militarmente. Kim Jong-un poderia ter dito o mesmo das duas Coreias. A França condensou o seu orgulho nacional, a sua superioridade moral, no porta-aviões nuclear (com sistemas elevatórios americanos) Charles de Gaulle e nos caças-bombardeiros Dassault-Rafale. Mas a guerra na Ucrânia, com o rearmamento europeu, veio baralhar os equilíbrios: só Alemanha, nórdicos e Holanda têm capacidade económica para isso. Alemanha, Suécia e Finlândia já mostraram o seu empenho e não será certamente a França a liderar, possivelmente nem a co-liderar um hipotético exército europeu. Só lhe resta demarcar-se replicando De Gaulle. Só que a Macron falta tudo para isso. Nem farda nem tradição anti-nazi, nem carisma nem a lealdade dos para-quedistas da Legião Estrangeira que repuseram a ordem nas ruas em 1968. Macron está batido em todas as frentes e a sua ida à China é a última tentativa de um perdedor patético a tentar pôr-se em bicos dos pés e adiar o óbvio. (Publicado no "Delito de Opinião". Editado)               Ediberto Abreu: O sr. Macron já nos habituou a dislates destes, basta lembrar o seu atarantado comportamento a quando se iniciou o acto terrorista do putin contra a Ucrânia. Só não se ajoelhou perante esse personagem grotesco (leia-se putin) porque ele não deixou que se aproximasse. Ao fim e ao cabo na maioria das vezes não anda longe do comportamento errático e irresponsável de Orbán.                        Fernando Correia: É sempre bom que alguém, como João Carlos Espada, com a sua distinta personalidade, fora da agenda da espuma dos dias, traga este tipo de temas à discussão pública. Eu também considero, acho que toda a gente viu, que a "Senhora" Ursula von der Leyen foi muito mal tratada... com muita deselegância pelo Estado chinês, e com muita falta de cavalheirismo do sr Macron para com a Senhora, também distinta, que, por acso, é a Presidente da União Europeia, de quem a França faz parte. O sr Macron parece que ultimamente ganhou alguns tiques "napoleónicos"... "Make France grate again". Será? Falta-lhe alguma "categoria" para tal desiderato.                   Alberto Rei: O Prof. Espada, deveria, a meu ver, apresentar a sua opinião e explicá-la, e não recorrer à opinião de outra pessoa, porque essa além de ir contra o entendimento de Macron, vai contra a autonomia europeia. Porque é que estará certa, e a de Macron errada? porque a de Gash é euro-Atlântica, isto é, EU-EUA? onde ficaria a autonomia estratégica ? Vejamos o caso recente da Alemanha. Tentou não fornecer tanques à Ucrânia, e até foi ao Brasil, onde levou sopa. Por outros caminhos lá arranjou um fornecimento imperfeito. Por outras palavras, respeitou a Rússia (e os negócios importantíssimos que tem com ela e não os quer perder) e não foi na conversa dos Estados Unidos. Resultado : corria o risco de ficar isolada pela movimentação anglo-saxónica, perdeu autonomia ali, na cara do mundo. Hoje em dia, donde vem o gás ? Mas nada isto lhe causa qualquer transtorno, ou, for that matter, ao sr. Gash. Macron, está certíssimo. Não só foi tratar de arranjar negócios para manter os cidadãos franceses a trabalhar, como avisar os Estados Unidos, de que na Europa, também há gente que pensa pela sua própria cabeça, facto que deveria ser elogiado por si, mas isso era esperar muito de si. Também, os franceses não esquecem a facada anglo-saxónica que levaram por causa do negócio que deu origem ao Aukus...                 klaus muller > Alberto Rei: Deixa-me rir! Um tipo, que publica um comentário destes, considerar que pensa pela sua própria cabeça, só mesmo de quem abdicou da respectiva capacidade de raciocinar. Este seu comentário é a cartilha do que nos é apresentado pela Sputnik e RT. Tenha dó.              Alberto Rei > klaus muller: é cartilha? e então porquê diz lá minha alimária? porque não vou na tua música zeca afonso? Olha, põe um lacinho e vai falar com o tal do Ash, ele é que sabe, guincha como tu: deve ser uma aliança euro-atlântica! claro, ligada aos mandões disto tudo. ligada à arrogância anglo-saxónica. Não obrigado. ligada aos gajos que controlam a política externa europeia, aos vassalos. tenha dó, vassalo.               Rui Lima: Quando temos um PS que alinha com os amigos de regimes totalitários que na prática são inimigos do nosso espaço de liberdade e democracia. A cobardia de alguns regimes ocidentais é ilimitada, por muito menos, foram canceladas visitas .               bento guerra: 7-Vote contra Macron nas próximas eleições. Ele foi lá vender Airbus e equipamento para centrais nucleares, coisas de que os diplomatas do croquete não tratam                 Américo Silva: É curioso quando os comentadores parecem mais bem informados que os cronistas. A China convidou Macron, Macron convidou Úrsula, é natural que a China tenha dado tratamento distinto ao seu convidado, relativamente ao convidado do convidado.

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