quarta-feira, 5 de abril de 2023

O espanto dos contrastes:


«LE DIABLE ET LE BON DIEU»: Um livro bem ao sabor existencialista, sobre um mundo de guerra - entre o clero e o povo, tendo por cenário tempos na Alemanha medieval, entre os camponeses e a Igreja - um livro pesado, de um discurso insistente nos ódios, nas incompreensões, na crueldade humana, nas certezas do vazio universal, que inspira os cinismos das falas, resultantes do sentimento da impotência humana no desvendar da verdade sobre o ser e o nada. Um livro sufocante, a lembrar tempos presentes, provavelmente inspirado nos tempos sufocantes vividos na guerra que Sartre atravessou e o ajudou a ponderar nas incongruências do mundo e dos homens de todo o sempre. E, com tudo isso, uma dialogação carregada de reflexão e sentenças quantas vezes sardónicas, à maneira bem sartriana, que destaca sentimentos e caracteres, o Mal e o Bem considerados numa perspectiva bem ateia de modelo doutrinário existencialista.

Dele citarei apenas a frase final, da personagem principal – Goetz – como expressiva do falso dilema entre o Bem e o Mal, característica dessa filosofia, explorada ao longo da peça, numa paranoia severa de discursos de crueldade e sátira entre as várias personagens, os afectos no mesmo plano da indiferença cruel:

“Goetz: «Não tenhas medo, eu não fraquejarei. Far-lhes-ei horror porque não tenho outro modo de os amar, dar-lhes-ei ordens porque não tenho outra forma de obedecer, ficarei só com este céu vazio por cima da cabeça, visto que não tenho outra maneira de estar com todos. Há esta guerra a fazer e fá-la-ei.»”

 

«A FLOR E O PEIXE»: Não assim este livro de Afonso Cruz, livro poético, livro retórico, um livro patético, que reduz o ser humano à mesma condição de qualquer outro ser terreno, pretensioso no rebuscamento das imagens e cenários, usando o amor humano como símbolo de todo o amor difuso na Terra, em todos os seres, criem eles teias ou raízes.

Um livro, quanto a mim, maçudo no exagero dos simbolismos, sem um fio condutor de racionalidade credível, sempre joguete de rebuscados paralelismos de uma filosofice imagística nem sequer credível – apenas um copo vazio, embora de discursos ofuscantes, de pensamento inesperado, quando muito um pretensioso caleidoscópio para entreter especulações, que nada nos diz de realmente válido em termos de racionalidade, puro surrealismo apenas. Mas um livro naturalmente bem cotado, na nossa actualidade avaliativa quantas vezes  soez.

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