Que se solta no primeiro vagido,
resultante do desconforto da entrada na vida, talvez, e é por isso que o riso
lhe é posterior uns meses – dois ou três – na desconfiança do que lhe pode,
talvez, seguir de desastroso. Mas depende dos feitios. Às vezes também é um
acto exibicionista, como tive ontem a ocasião de comprovar no Hospital de
Cascais, onde passei treze horas, a aguardar não o meu, mas o atendimento de um
filho meu, treze horas em que a leitura – por vezes a conversa – foram preenchendo
o tempo e a paciência, a par do reconforto de uns chocolates para mim e uns panados
para ele. De repente, surgem, naquele espaço de incómodas cadeiras alinhadas,
os ais de uma senhora, sempre acompanhados de referências apelativas, do tipo “acudam-me”,
que me fizeram olhá-la com compaixão, mas não me desloquei para lhe acudir, até
porque ela conseguiu desviar o discurso dos ais apelativos para outros receptores
mais do foro etéreo e não houve modo de a calarem nem de lhe acudirem, apesar
da companhia de um familiar, que pouco êxito teve na eliminação daqueles. Não
duvidei do sofrimento, e comecei por sentir piedade, mas a mistura ininterrupta
dos ais com os destinatários deles, fizeram estancar a natural simpatia pelo
sofrimento, que logo achei exagerado e talvez não de todo verdadeiro, tanta foi
a freima apelativa e ininterrupta dos santos, que só podia prejudicá-la, pelo
cansaço, no abrandamento das dores. Mas por largos momentos, a senhora dos ais
conseguiu impor a sua pessoa interrompendo a pasmaceira de uma espera brutal,
ou a tranquilidade das pessoas que liam ou conversavam ou mexiam nos seus
aparelhos manuais de evasão a distância. Felizmente que foi dali deslocada, não
sei se por ter surtido fraco efeito a ostentação da sua dor no nosso espaço com
dezenas de componentes em espera de idêntico atendimento, e desejar alargar o seu
efeito a esses outros ouvintes à espera da sua vez.
Mas sei que me desvio do tema que o Senhor
Embaixador nos quer transmitir. “Pas pleurer” é muito nobre, e não acessível a
todos. Mesmo porque muitos dos que se queixam também são ou foram capazes de enfrentar
as dores que a vida lhes traz ou trouxe, por erros próprios ou alheios. E quanto
mais nos adiantamos na idade, mais nos comovemos com tanto “desvio” do que é
bem, no susto pelos nossos e pelos vindoiros, na zanga contra os desvios, e os
atropelos que a todos afectam. Mas é claro que heróis como a heroína que é
descrita, não são comuns, embora muitos heróis estejam também escondidos na
tenacidade com que enfrentam as suas vidas, queixando-se ou não, mas sempre lutando!
Não temos que ser todos tão espantosos assim, como, afinal, o vemos, ainda
hoje, nos Zelenskys de uma pátria atraiçoada.
Mas se o chorar é tão natural, embora simbolicamente falando, nos próprios sons dos instrumentos musicais, ou da própria natureza, que sofre e se desarranja em convulsões anímicas de destruição e pesadelo, como descreve poeticamente Camilo Pessanha, em versos de magia, como não o hão fazer naturalmente os homens e as mulheres e mais os “acrescentos” de hoje, (ou “reduções”, não distingo bem) em todo o sempre?
Comprovemos com Pessanha:
Chorai
arcadas
Do
violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes
aladas
De
pesadelo...
De
que esvoaçam,
Brancos,
os arcos...
Por
baixo passam,
Se
despedaçam,
No
rio, os barcos.
Fundas,
soluçam
Caudais
de choro...
Que
ruínas, (ouçam)!
Se se
debruçam
Que
sorvedouro
Chorai
arcadas
Do
violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes
aladas
De
pesadelo...
Mas leiamos antes o Senhor Embaixador,
com os seus argumentos de seriedade experiente e certeira:
Luis Soares
de Oliveira 19 de Abril
de 2015 ·
PAS PLEURER
Aos que estão sempre a lastimar-se, recomendaria a
leitura do livro «Pas pleurer», de Lydie Salvayre (Prémio Goncourt, 2014). A
escritora conta-nos a história de sua mãe. Em 1939, para fugir às tropas de
Franco e à sanha dos falangistas, Montse, com a filha bébé enfaixada ao seu
corpo, caminhou durante semanas por veredas e bosques, desfiladeiros e
escarpas, sem dinheiro e apenas com a roupa que trazia no corpo. Alimentava-se
de raízes e assim atravessou os Pirenéus e chegou a França, onde refez a sua
vida. Ela mostrou-nos que os que não choram e enfrentam corajosamente os
sacrifícios e a dor que lhes são impostos conseguem ultrapassar, até situações
de zero total.
Eu sei por experiência própria - ainda que não tão
dramática - que, quando é preciso, o ser humano encontra em si reservas de
energia insuspeitadas desde que não se entregue ao sofrimento. Muitos dos meus
estimados compatriotas parecem não acreditar. Para estes, um conselho: chorar,
nunca!
1 COMENTÁRIO
João de Santarém: Caro Sr. Embaixador. Muito brigado pela dica. Já está no radar enquanto não
termino "La batalla de la Granja - Historia de un enfrentamiento
olvidado" de Héctor Monterrubio Santiín y Eduardo Juárez Valero, comprado
em 2022 no final da visita en La Gran…
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