domingo, 23 de abril de 2023

Universalidade nos afectos


No nosso caldeirão de virtudes, cabem todos os espécimes de Joões Ratões, Carochinhas que somos, a preparar jantaradas – mais as nossas que as deles, mau grado a aparência, que não passamos sem essas, e daí a embriaguez dos abraços a todos os Joões – na nossa ficção (ou fixação) em respeitos vários, de burlões confessos. Como quem estende a mão indiferentemente, submissamente, pois o que conta é a espórtula resultante. Eugénia de Vasconcellos analisa exemplarmente o fenómeno – do João Ratão falseador da realidade que, carochinha leviana acolhemos na nossa festa – direi mesmo que no nosso leito - apesar do compromisso com o nobre João do compromisso anterior. Hábitos velhos de desonestidade que jamais murcha, essa, como se tem visto, exemplarmente.

Já murcharam tua festa, pá

Lula da Silva, Grande-Colar da Ordem da Liberdade por Jorge Sampaio, discursa a 25 de Abril de 2023 a convite de Marcelo Rebelo de Sousa, que condecorou Zelensky com a mesma Ordem.

EUGÉNIA DE VASCONCELLOS Poeta, ensaísta, escritora

OBSERVADOR, 22 abr. 2023, 00:136

A questão Lula da Silva nas celebrações do 25 de Abril não é uma questão menor. É uma questão exemplar. Não se pode defender uma coisa e o seu contrário. Ou pode quando se trata de liberdade e de democracia?

Lula da Silva tem sido claro e consistente. Para Lula, a Ucrânia é tão responsável pela guerra como a Rússia de Putin. Pior. Os Estados Unidos, a União Europeia e a NATO partilham da responsabilidade pela invasão russa da Ucrânia. E pela estimulação da guerra através do fornecimento de armas e de formação militar. Ou seja, este é um homem que faz equivaler agressor e agredido. E tem-lo demonstrado em sucessivas declarações. Logo após a invasão russa da Ucrânia; em entrevista à Time; voltou a fazê-lo em Pequim; e agora nos Emiratos Árabes Unidos. Este é o homem a quem Lavrov, ministro dos negócios estrangeiros da Rússia de Putin, agradeceu «a clara compreensão da génese da situação», e sobre quem disse «temos visões similares». A convicção de Lula da Silva da responsabilidade da Ucrânia, dos Estados Unidos, da União Europeia e da Nato na invasão russa, repito, russa, tem sido reiterada em cada oportunidade.

Isto é o mesmo que dizer que as valas comuns de Bucha, Izium, de Mariupol são também de responsabilidade ucraniana, norte-americana, europeia e da NATO. O mesmo para os civis ucranianos mortos. Para as crianças mortas e para as raptadas. Para as mulheres violadas. Para as vítimas de tortura. Isto é o branqueamento dos crimes de guerra russos.

Como tive oportunidade de escrever, aqui, no Observador, a este propósito, há mais de um ano, Lula da Silva faz parte do grupo daqueles para quem se uma mulher de mini-saia é violada, é porque estava a pedi-las – na verdade, igual posição tem qualquer fundamentalista que no Irão nos repugna quando exige que a mulher se cubra totalmente e nem o cabelo mostre para garantir o controlo do comportamento sexual dele.

Lula da Silva considera que a integridade territorial de um país, logo o direito internacional, não tem significado efectivo. No entanto, é este o homem que, a despeito do horário, discursará no Parlamento, no dia das comemorações do 25 de Abril.

Celebramos a democracia com o discurso de quem tão profundamente a desrespeita, com a conivência de Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Augusto Santos Silva.

Ouvir Marcelo Rebelo de Sousa justificar o convite com as boas relações institucionais entre Portugal e Brasil e a relação privilegiada entre os dois países não apaga as declarações anti-democráticas e em absoluto desrespeito pela Carta das Nações Unidas e pela União Europeia que reiteradamente Lula da Silva proferiu.

E se a presença de Lula no Parlamento a 25 de Abril tem convulsionado os media é só porque repugna a muitos portugueses, qualquer que seja a sua filiação política. O PSD, através de Paulo Rangel, veio exigir ao governo «a demarcação diplomática e pública» das posições de Lula, e uma «posição pública e formal». Os exemplos de repúdio são tantos, mesmo dentro do próprio Partido Socialista, que este veio, através de Jaimila Madeira, justificar tal presença. As declarações feitas em nome do PS manifestam a desonestidade intelectual e moral deste socialismo. Onde diz «paz», está implicada a submissão ucraniana, pois foi condenada a entrega de armas pelos aliados europeus. Onde diz países da CPLP, implica economias dependentes da Rússia.

Não deixa de ser uma coisa e o seu contrário, enquanto é também uma ironia: Lula da Silva, Grande-Colar da Ordem da Liberdade por Jorge Sampaio, discursa a 25 de Abril de 2023 a convite de Marcelo Rebelo de Sousa, que condecorou Zelensky com a mesma Ordem.

A autora escreve segundo a antiga ortografia

LULA DA SILVA     BRASIL   MUNDO   GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA   EUROPA   25 DE ABRIL   PAÍS

COMENTÁRIOS:

Maria Alva: Bem fundamentado e muito desconfortável para o status quo nacional.             João Floriano: Há uma grande diferença entre ler o artigo de Eugénia de Vasconcelos antes ou depois de ter ouvido Lula e sobretudo Marcelo discursarem e responderem aos jornalistas na conferência de imprensa de hoje. Para começo de conversa já não percebo se Lula discursa ou não no parlamento a 25 de Abril, mesmo que antes da sessão solene, ou se nessa manhã estará de partida para Madrid. O Lula descrito e bem no segundo parágrafo não é o mesmo que hoje esteve na conferência de imprensa com o Presidente Rebelo ( Que estranho! sabemos que é o mesmo, mas parece-nos diferente!). Diria que Lula tem um lado vira casacas em que existe um discurso para Rússia e amigos e outro discurso para ser aplicado no Ocidente. O PSD, através de Paulo Rangel, veio exigir ao governo «a demarcação diplomática e pública» das posições de Lula, e uma «posição pública e formal». Só que Marcelo passou a perna ao PSD  citando o elogio de Cavaco Silva a Lula em 2011 e fê-lo por duas vezes não fosse o PSD ter falhado a audição da primeira. E não só Cavaco, também Sampaio se encantou com  Lula. Que argumentos se seguem? Não sei se a festa murchou, é bem possível porque o mote está apresentado, as perguntas colocadas e as respostas serão sempre as mesmas com leves variações. Agora o que murchou foi o interesse em confrontar Lula, em fazer-lhe sentir que não concordamos com ele.                    Eduardo Manuel Marques de Meneses: Muito bem argumentado! País e suas instituições à deriva. Marcelo deveria dissolver o parlamento e abdicar em seguida.                    Vanessa Serra: Plenamente de acordo!                 Maria Cordes: Estamos esclarecidos, se dúvidas existissem, o seu artigo responde. Muito obrigada. Os senhores que convidaram Lula, se vivessem ao tempo da segunda guerra mundial, teriam convidado Hitler, e ralhado com os aliados, por não terem acedido às exigências.              bento guerra: Ou seja, com colar ou sem colar,uma oportunidade para escrever um "linguado" e receber o habitual

 

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