Prestes
a sair da arena governativa, Marcelo, que finge amar - amar perdidamente, aqui,
além - na realidade de ninguém gosta, a não ser da sua própria pessoa,
ridiculamente exibicionista. Não creio que ignore as críticas de que é alvo, embora
finja isso, numa impassibilidade a que se sente a frieza, indiferente aos
problemas e às pessoas. Este regabofe com Lula, (precedido dos passeios
anteriores de Marcelo ao Brasil, com um exercício de natação num lago de
jacarés em Brasília, com risco que precisou de ser supervisionado), julgo que
lhe serviu – e a A.Costa - este, todavia, mais virilmente empenhado nas suas
maroscas (mais cordatas) – julgo que não passou de uma vingança contra os
portugueses e a nação portuguesa que finge amar. Vingança por saber que já não
é mais apetecido, por lhe terem descoberto a impostura. Todo este maquiavelismo
– primeiro com Lula, chamado despropositadamente ao 25 de Abril, após o
sensacionalismo imbecilmente atrevido e ofensivo das declarações deste, de
conserto bélico russo-ucraniano, e agora o discurso traiçoeiro sobre a
escravatura portuguesa – assunto excelentemente tratado por JOÃO PEDRO MARQUES – pondo em
risco a própria segurança económica e pacífica do seu país – parece desplante
de loucura, se não, pura vingança senil contra os que há muito lhe descobriram
a careca.
PARÊNTESE: Mas acabo de ler sobre a morte de Paulo Tunhas,
aos
62 anos. Um escritor a quem o pensamento claro não faltou, que tantas vezes
transcrevi do OBSERVADOR. Faço minhas as palavras dos primeiros comentadores,
no OBSERVADOR:
OBSERVADOR, 29/4/2023: (há 22 minutos): Morreu Paulo Tunhas. Professor, investigador, escritor e cronista do Observador tinha 62anos: Professor universitário com um currículo de décadas ligado à área da Filosofia, deu aulas, publicou livros e contribuiu para vários jornais. Tinha 62 anos. COMENTÁRIOS: Fernando CE: Foi com muita tristeza que recebi a notícia da sua morte. Adorava ler as suas crónicas. Que descanse em paz. Luis Morais: Uma pena, um dos cronistas que mais prazer dava ler. Que descanse em paz.
Marcelo e a escravatura: Reprovado
Nunca se viu vontade do Brasil em
pedir desculpa a Portugal por ter continuado a comprar escravos na África
portuguesa, sabotando os frágeis esforços das nossas autoridades para estancar
esse comércio
JOÃO PEDRO MARQUES
Historiador e romancista
OBSERVADOR, 28
abr. 2023, 00:2137
Há
cerca de três meses, Luca Argel, uma pessoa que se apresenta a si própria como
“cantautor brasileiro radicado em Portugal”, veio incentivar Marcelo Rebelo de
Sousa a pedir desculpa pela escravatura. Luca Argel fez esse seu desafio de
duas formas engenhosamente combinadas: através de uma canção
e de um artigo, que vieram a público exactamente no mesmo dia, num
esplendor de estereofonia woke.
Terá
Marcelo Rebelo de Sousa sido sensível ao apelo do cantautor brasileiro? Terá
querido agradar mais uma vez ao visitante Lula da Silva e à sua comitiva que já
estavam de partida? Terá sido vencido pela pressão da nossa extrema-esquerda ou
por razões menos evidentes? Não sei responder. O que é certo é que, no seu
discurso de 25 de Abril, na Assembleia da República, Marcelo, indo na corrente
politicamente correcta destes tempos que vivemos, e falando como representante
máximo do Estado português, pediu desculpa ao Brasil pela
escravatura e, dando um passo maior que a perna, decidiu assumir “responsabilidades
para o futuro” pela sua existência nesse território (e, também, pela exploração
dos índios e pelo sacrifício dos interesses da colónia Brasil). Enfiou,
assim, uma das várias carapuças que o Brasil anda há muito a tentar enfiar na
cabeça de um velho país que foi colonizador. De
facto, há uma antiga corrente de pensamento no Brasil que, sacudindo a água do
próprio capote, tende a atribuir todos os malefícios e limitações de que o país
sofre e sofreu ao antigo colonizador, e Marcelo deu gás e corda a essa corrente.
Fez mal. Equivocou-se, pois ainda que seja eticamente
aceitável ou, até, recomendável, não faz sentido histórico e é um salto
político sem rede pedir unilateralmente desculpa pela escravatura a uma
sociedade e a um país que a praticavam e continuaram a praticá-la já depois de
se terem visto livres de Portugal.
Vejamos isso um pouco mais de perto:
Logo em 1823, no
contexto de uma Representação a apresentar ao corpo legislativo brasileiro,
José Bonifácio de Andrade e Silva, o patriarca da independência do novo país,
encorajou os seus concidadãos a que pusessem fim ao crime do tráfico negreiro e
fossem abolindo gradualmente a escravidão. Porém,
não foi isso que, já liberto da tutela portuguesa, o Brasil fez. E não o fez apesar de, em 1826,
ter assinado um tratado com o Reino Unido para suprimir completamente o tráfico
de escravos. Esse tratado foi letra morta ou, como se dizia na época, foi
apenas “para inglês ver”. As autoridades brasileiras não aplicaram a legislação
anti-tráfico, fecharam os olhos à importação massiva de escravos e, por isso,
de 1822 em diante, entraram 1,3 milhões de africanos escravizados no Brasil
independente.
Em 1835, no
contexto da revolta dos (escravos) Malês, o
representante brasileiro em Lisboa, solicitou a cooperação portuguesa no
combate anti-tráfico, mas, no final desse ano, passado que estava o susto da
revolta, essa ideia caiu e não voltou a ser aventada. Ou seja, por norma, o Brasil não procurou chegar
a acordo com Portugal para pôr fim à chegada de escravos, muitos deles
provenientes de zonas da costa africana administradas ou reivindicadas por
Portugal. Pior. Quando, a partir de 1840, a Armada portuguesa
começou efectivamente a apresar navios negreiros brasileiros nos mares e costas
de Angola ou de Moçambique, o governo português viu-se bombardeado por queixas
do seu homólogo brasileiro, que considerava esses apresamentos ilegais por
serem supostamente feitos fora das águas territoriais ou por outros motivos
igualmente discutíveis. Em conformidade, e a fim de evitar desinteligências e
pendências com o Brasil, os governos de Lisboa ordenaram aos comandantes navais
portugueses que não apresassem navios brasileiros senão quando fossem
incontestavelmente negreiros e estivessem fundeados ou pairando nas águas
consideradas como pertencentes à Coroa de Portugal.
É verdade que entre Brasil e
Portugal persistiam estreitas ligações e que uma parte do tráfico transatlântico
corria pelas mãos de aventureiros portugueses residentes no Rio, em Salvador e
noutras cidades brasileiras, mas só o Brasil estava em posição e tinha meios
para pôr fim ao tráfico negreiro, como, aliás, ficou provado em 1850, quando,
sob fortíssima pressão inglesa, os brasileiros aprovaram e começaram a aplicar
a chamada Lei Eusébio de Queirós, que extinguiu efectivamente esse tráfico num
curto espaço de três anos. O
estado de escravidão, esse, manteve-se por mais 35 anos, sendo abolido apenas
em 1888, o que significa que o Brasil foi o último país do Ocidente a pôr fim à
escravidão no seu território.
Perante
este quadro, a pergunta que coloco é a seguinte: faz algum
sentido Portugal pedir desculpa ao Brasil pela escravatura? A meu ver, e
excepção feita aos aspectos éticos da questão, não faz. Sobretudo quando nunca se viu (que eu saiba)
qualquer vontade do Brasil em pedir desculpa a Portugal por ter continuado a
comprar escravos na África portuguesa, sabotando os intermitentes e geralmente
frágeis esforços das autoridades portuguesas para estancar esse comércio
proibido.
Sempre fui contrário a pedidos de
perdão por factos ocorridos há muito tempo. Esses pedidos terão carga política,
ideológica e marcadamente religiosa, mas não têm razão de ser histórica. De
qualquer forma, tem-se insistido, com frequência, em que sejam apresentadas
desculpas a África, o continente que, por acção conjunta e muitas vezes
simultânea de negociantes árabes ou berberes, de chefias da África subsariana e
dos negreiros ocidentais, foi privado de milhões de seres humanos numa
emigração forçada de enormes e trágicas dimensões. E, efectivamente, já houve
dirigentes políticos ou espirituais que vieram, por essa razão, pedir desculpa
a África e aos africanos. Mas pedir
desculpa ao Brasil, “the very child and champion of the slave trade”, como lhe
chamou, em 1822, o grande abolicionista inglês William Wilberforce, é uma
novidade, suponho eu, e um absurdo só compreensível por voluntarismo, excesso
de zelo e desejo de agradar.
Mais absurdo ainda, a meu ver, é
assumir “responsabilidades para o futuro” pela escravatura. Que quer isto dizer? Quererá Marcelo arcar
com os males dos outros e, à semelhança dos nossos activistas woke, transferir
a responsabilidade histórica brasileira no que à escravatura diz respeito, para
as costas largas do simpático e hospitaleiro Portugal? Marcelo Rebelo de Sousa
não especificou o que é que estas “responsabilidades” implicam, mas isso pode
funcionar como um cheque em branco. Adverti, logo ao terceiro ou quarto artigo que escrevi sobre
este assunto, que a seguir aos pedidos de perdão viriam as
exigências de reparações materiais, indemnizações financeiras e outras
compensações. Esse risco existe pois estas declarações do PR, ainda que bem
intencionadas e inseridas num bom discurso, globalmente correcto, foram mal
pensadas e muito insensatas.
Aliás, se passaram relativamente
despercebidas à generalidade dos nossos comentadores, elas foram imediatamente
percebidas, valorizadas e politicamente exploradas no estrangeiro, onde estão
em destaque nas agências noticiosas e sites internacionais, tendo sido
ampliadas — ampliação que o próprio Marcelo sugeriu — para abarcar não apenas a
relação de Portugal com o Brasil, mas todo o envolvimento português na
escravatura. A cadeia Al Jazeera,
por exemplo, noticia que Marcelo Rebelo de Sousa é o primeiro líder português a
pedir desculpa pelo papel central que os portugueses tiveram no tráfico
transatlântico de escravos, e a reconhecer que o país devia assumir
responsabilidades por esse facto. No
Brasil, como era expectável, Silvio Almeida, o actual
ministro brasileiro dos Direitos Humanos e da Cidadania, rejubilou
com as declarações do nosso PR. Considerou que Marcelo tinha dado “um passo
extremamente positivo” e sublinhou, como se este assunto fosse alheio aos
antigos brasileiros, e como se eles tivessem sido vítimas passivas das vontades
do colonizador, que o Brasil continua a sofrer “os reflexos de uma herança da
escravidão”.
Entre nós os activistas reagiram logo. A luso-moçambicana Paula Cardoso, fundadora da
rede digital Afrolink, apreciou o simbolismo das palavras de Marcelo, mas
lamentou que não tivessem sido acompanhadas por “medidas e compromissos”
concretos. E Cristina Roldão veio, com o seu
radicalismo habitual, zurzir o PR pelo que disse e pelo que não
disse, por ter ficado aquém do que os activistas exigem, e por se ter atrevido
a falar nas coisas boas que os portugueses também haviam feito, como se
quisesse equilibrar o deve e o haver, e esquecendo que elas haviam sido feitas
“pela bala, estupro e catequização jesuíta”.
Veremos
o que o futuro nos reserva nesta área, mas, em pezinhos de lã e com toda a
bonomia do mundo, no passado dia 25 de Abril de 2023 Portugal pode ter dado um
tiro no próprio pé. Em Abril
de 2017, de visita ao Senegal, Marcelo Rebelo de Sousa não atendeu às sugestões
para que pedisse formalmente desculpa pelo envolvimento de Portugal na
escravatura de africanos. O que fez foi lamentar a violência e iniquidade
dessas práticas, mas recordou, também, que o nosso país abolira a escravatura
no território metropolitano, em meados do século XVIII, se bem que só no século
XIX tivesse alargado essa abolição aos territórios coloniais. Acrescentou que,
ao fazê-lo, o país tinha reconhecido o que houvera de injusto e de condenável
no “comportamento anterior”. Essas suas declarações foram muitíssimo
criticadas pela esquerda woke, mas, do meu ponto de vista, foram adequadas e
elogiei-o por isso num artigo intitulado Marcelo e a escravatura: 20 valores. Agora, no
discurso que fez na Assembleia da República, o PR pediu desculpa ao Brasil pela
escravatura — e, por analogia e extensão, a todas as outras antigas colónias ou
províncias ultramarinas portuguesas — e decidiu assumir responsabilidades pela
sua existência. Não sei o que o terá feito mudar de opinião, mas esteve mal.
Esta sua nova posição é seguidista, historicamente absurda e, temo-o,
politicamente desastrada. Não posso, por isso, deixar de reprová-lo.
BRASIL MUNDO ESCRAVATURA SOCIEDADE
COMENTÁRIOS:
klaus muller: Sem dúvida que esses africanos escravizados e
transportados para as Américas foram uns desgraçados e devem ter sofrido
horrores. Mas permitiram que aos seus atuais descendentes tenha saído a sorte
grande.
Alfredo Vieira: A força da razão destes artigos é sempre um prazer de
leitura. Obrigado! Lourenço de Almeida:
Os antepassados
dos brasileiros é que eram esclavagistas e não os nossos antepassados. Além de
que continuaram a escravatura depois de independentes quando os nossos
antepassados já a tínhamos proibido no nosso território. Francisco Almeida:
Em termos de
ciência e fora da área do direito constitucional, Marcelo é um ignorante. E. na
área do direito constitucional, sabe mas não exerce. bento guerra:
Sem a escravatura
,,não existiria o Brasil,mas o Marcelo é um pantomineiro João Floriano: Não faz qualquer sentido Marcelo
assumir responsabilidades para o futuro. Mais uma vez está a adiantar-se e a
assumir compromissos que envolvem outros decisores políticos. Foi assim com o
desastrado convite a Lula para discursar numa casa onde Marcelo não é o dono, a
menos que os poderes estejam todos entrelaçados, o que até é verdade. O que daí
resultou todos nós sabemos e as ondas de choque ainda não se acalmaram porque o
grotesco encontro de amigos na sala de visitas foi visto e revisto pelos
portugueses e cada vez mais eu acho aquilo mais parecido com uma sala de
visitas do Júlio de Matos do que a troca de impressões de grandes figuras
nacionais. Mas não apenas Marcelo deve ser apontado como tendo procedido mal. O
Ministro da Cultura deu também um triste exemplo de completa submissão aos
wokes brasileiros. Toda a visita de Lula está cheia de momentos insólitos em
que não sabemos se havemos de rir ou irritar-nos. Este apontamento de Marcelo é
mais um que nos pode acarretar altos custos porque o que esta gente quer é
euros e só com muitos euros se lavam as ignominias do passado. Paula Barbosa: Está a ficar completamente
senil ! Faz pena assistir à degradação intelectual de uma pessoa tão culta, mas
altamente calculista e verrinosa. Volte para sua casinha em Cascais e aos
banhos na praia da Conceição e à missinha de Domingo, com o saco das esmolas
partilhado com Lili Caneças.
Jorge Barbosa: Descontextualizar para se poder criticar os nossos
antepassados, apenas para se tirarem dividendos políticos pessoais imediatos, é
um acto eticamente execrável, o que dá conta da falta de caráter e da
desonestidade pessoal de quem com estas ações pactua a sua acção presidencial. Pontifex Maximus: Quando é que Marcelo exige que
Itália se desculpe pela escravização dos povos ibéricos, lusitanos, cónios,
turdulos, véteres, etc., etc. feita pela república / império romano? E a
Tunísia pelo que os cartagineses fizeram por cá nesse domínio? E os alemães,
pelas invasões suevas, vândalas e visigóticas? E os muçulmanos, não só aquando
da invasão de 711 como depois da libertação do solo ibérico na guerra de corso,
sobretudo contra o Algarve? Já agora, falta muito tempo para esse caramelo ir
chatear outros?
Manuel Martins: No geral, concordo com o teor da crónica. Importa no
entanto separar a abolição em lei da prática. A geração que viveu nas colónias
antes do 25abril saberá certamente confirmar que existiam muitas situações que,
não sendo escravatura, andavam lá perto ( por exemplo, o que se passava nas
roças de café em São Tomé). Agora, também considero ridículo Portugal pedir
desculpa ao Brasil na questão da escravatura, um pais onde existem muitos
indícios que a escravatura ainda ocorre impunemente . Denise Pereira > Manuel Martins: Se tiver oportunidade de
visitar uma roça de café em São Tomé actualmente e trocar impressões com um
trabalhador do tempo colonial vai ficar supreendido .......... Fernando Magalhães:
Novamente e como
já é habitual, muitos parabéns por mais um notável artigo.
……………………….
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