sábado, 29 de abril de 2023

Uma trama bem urdida


Prestes a sair da arena governativa, Marcelo, que finge amar - amar perdidamente, aqui, além - na realidade de ninguém gosta, a não ser da sua própria pessoa, ridiculamente exibicionista. Não creio que ignore as críticas de que é alvo, embora finja isso, numa impassibilidade a que se sente a frieza, indiferente aos problemas e às pessoas. Este regabofe com Lula, (precedido dos passeios anteriores de Marcelo ao Brasil, com um exercício de natação num lago de jacarés em Brasília, com risco que precisou de ser supervisionado), julgo que lhe serviu – e a A.Costa - este, todavia, mais virilmente empenhado nas suas maroscas (mais cordatas) – julgo que não passou de uma vingança contra os portugueses e a nação portuguesa que finge amar. Vingança por saber que já não é mais apetecido, por lhe terem descoberto a impostura. Todo este maquiavelismo – primeiro com Lula, chamado despropositadamente ao 25 de Abril, após o sensacionalismo imbecilmente atrevido e ofensivo das declarações deste, de conserto bélico russo-ucraniano, e agora o discurso traiçoeiro sobre a escravatura portuguesa – assunto excelentemente tratado por JOÃO PEDRO MARQUES – pondo em risco a própria segurança económica e pacífica do seu país – parece desplante de loucura, se não, pura vingança senil contra os que há muito lhe descobriram a careca.

PARÊNTESE: Mas acabo de ler sobre a morte de Paulo Tunhas, aos 62 anos. Um escritor a quem o pensamento claro não faltou, que tantas vezes transcrevi do OBSERVADOR. Faço minhas as palavras dos primeiros comentadores, no OBSERVADOR:

OBSERVADOR, 29/4/2023: (há 22 minutos): Morreu Paulo Tunhas. Professor, investigador, escritor e cronista do Observador tinha 62anos: Professor universitário com um currículo de décadas ligado à área da Filosofia, deu aulas, publicou livros e contribuiu para vários jornais. Tinha 62 anos.             COMENTÁRIOS: Fernando CE: Foi com muita tristeza que recebi a notícia da sua morte. Adorava ler as suas crónicas. Que descanse em paz.      Luis Morais: Uma pena, um dos cronistas que mais prazer dava ler. Que descanse em paz.


Marcelo e a escravatura: Reprovado

Nunca se viu vontade do Brasil em pedir desculpa a Portugal por ter continuado a comprar escravos na África portuguesa, sabotando os frágeis esforços das nossas autoridades para estancar esse comércio

JOÃO PEDRO MARQUES Historiador e romancista

OBSERVADOR, 28 abr. 2023, 00:2137

Há cerca de três meses, Luca Argel, uma pessoa que se apresenta a si própria como “cantautor brasileiro radicado em Portugal”, veio incentivar Marcelo Rebelo de Sousa a pedir desculpa pela escravatura. Luca Argel fez esse seu desafio de duas formas engenhosamente combinadas: através de uma canção e de um artigo, que vieram a público exactamente no mesmo dia, num esplendor de estereofonia woke.

Terá Marcelo Rebelo de Sousa sido sensível ao apelo do cantautor brasileiro? Terá querido agradar mais uma vez ao visitante Lula da Silva e à sua comitiva que já estavam de partida? Terá sido vencido pela pressão da nossa extrema-esquerda ou por razões menos evidentes? Não sei responder. O que é certo é que, no seu discurso de 25 de Abril, na Assembleia da República, Marcelo, indo na corrente politicamente correcta destes tempos que vivemos, e falando como representante máximo do Estado português, pediu desculpa ao Brasil pela escravatura e, dando um passo maior que a perna, decidiu assumir “responsabilidades para o futuro” pela sua existência nesse território (e, também, pela exploração dos índios e pelo sacrifício dos interesses da colónia Brasil). Enfiou, assim, uma das várias carapuças que o Brasil anda há muito a tentar enfiar na cabeça de um velho país que foi colonizador. De facto, há uma antiga corrente de pensamento no Brasil que, sacudindo a água do próprio capote, tende a atribuir todos os malefícios e limitações de que o país sofre e sofreu ao antigo colonizador, e Marcelo deu gás e corda a essa corrente. Fez mal. Equivocou-se, pois ainda que seja eticamente aceitável ou, até, recomendável, não faz sentido histórico e é um salto político sem rede pedir unilateralmente desculpa pela escravatura a uma sociedade e a um país que a praticavam e continuaram a praticá-la já depois de se terem visto livres de Portugal.

Vejamos isso um pouco mais de perto:

Logo em 1823, no contexto de uma Representação a apresentar ao corpo legislativo brasileiro, José Bonifácio de Andrade e Silva, o patriarca da independência do novo país, encorajou os seus concidadãos a que pusessem fim ao crime do tráfico negreiro e fossem abolindo gradualmente a escravidão. Porém, não foi isso que, já liberto da tutela portuguesa, o Brasil fez. E não o fez apesar de, em 1826, ter assinado um tratado com o Reino Unido para suprimir completamente o tráfico de escravos. Esse tratado foi letra morta ou, como se dizia na época, foi apenas “para inglês ver”. As autoridades brasileiras não aplicaram a legislação anti-tráfico, fecharam os olhos à importação massiva de escravos e, por isso, de 1822 em diante, entraram 1,3 milhões de africanos escravizados no Brasil independente.

Em 1835, no contexto da revolta dos (escravos) Malês, o representante brasileiro em Lisboa, solicitou a cooperação portuguesa no combate anti-tráfico, mas, no final desse ano, passado que estava o susto da revolta, essa ideia caiu e não voltou a ser aventada. Ou seja, por norma, o Brasil não procurou chegar a acordo com Portugal para pôr fim à chegada de escravos, muitos deles provenientes de zonas da costa africana administradas ou reivindicadas por Portugal. Pior. Quando, a partir de 1840, a Armada portuguesa começou efectivamente a apresar navios negreiros brasileiros nos mares e costas de Angola ou de Moçambique, o governo português viu-se bombardeado por queixas do seu homólogo brasileiro, que considerava esses apresamentos ilegais por serem supostamente feitos fora das águas territoriais ou por outros motivos igualmente discutíveis. Em conformidade, e a fim de evitar desinteligências e pendências com o Brasil, os governos de Lisboa ordenaram aos comandantes navais portugueses que não apresassem navios brasileiros senão quando fossem incontestavelmente negreiros e estivessem fundeados ou pairando nas águas consideradas como pertencentes à Coroa de Portugal.

É verdade que entre Brasil e Portugal persistiam estreitas ligações e que uma parte do tráfico transatlântico corria pelas mãos de aventureiros portugueses residentes no Rio, em Salvador e noutras cidades brasileiras, mas só o Brasil estava em posição e tinha meios para pôr fim ao tráfico negreiro, como, aliás, ficou provado em 1850, quando, sob fortíssima pressão inglesa, os brasileiros aprovaram e começaram a aplicar a chamada Lei Eusébio de Queirós, que extinguiu efectivamente esse tráfico num curto espaço de três anos. O estado de escravidão, esse, manteve-se por mais 35 anos, sendo abolido apenas em 1888, o que significa que o Brasil foi o último país do Ocidente a pôr fim à escravidão no seu território.

Perante este quadro, a pergunta que coloco é a seguinte: faz algum sentido Portugal pedir desculpa ao Brasil pela escravatura? A meu ver, e excepção feita aos aspectos éticos da questão, não faz. Sobretudo quando nunca se viu (que eu saiba) qualquer vontade do Brasil em pedir desculpa a Portugal por ter continuado a comprar escravos na África portuguesa, sabotando os intermitentes e geralmente frágeis esforços das autoridades portuguesas para estancar esse comércio proibido.

Sempre fui contrário a pedidos de perdão por factos ocorridos há muito tempo. Esses pedidos terão carga política, ideológica e marcadamente religiosa, mas não têm razão de ser histórica. De qualquer forma, tem-se insistido, com frequência, em que sejam apresentadas desculpas a África, o continente que, por acção conjunta e muitas vezes simultânea de negociantes árabes ou berberes, de chefias da África subsariana e dos negreiros ocidentais, foi privado de milhões de seres humanos numa emigração forçada de enormes e trágicas dimensões. E, efectivamente, já houve dirigentes políticos ou espirituais que vieram, por essa razão, pedir desculpa a África e aos africanos. Mas pedir desculpa ao Brasil, “the very child and champion of the slave trade”, como lhe chamou, em 1822, o grande abolicionista inglês William Wilberforce, é uma novidade, suponho eu, e um absurdo só compreensível por voluntarismo, excesso de zelo e desejo de agradar.

Mais absurdo ainda, a meu ver, é assumir “responsabilidades para o futuro” pela escravatura. Que quer isto dizer? Quererá Marcelo arcar com os males dos outros e, à semelhança dos nossos activistas woke, transferir a responsabilidade histórica brasileira no que à escravatura diz respeito, para as costas largas do simpático e hospitaleiro Portugal? Marcelo Rebelo de Sousa não especificou o que é que estas “responsabilidades” implicam, mas isso pode funcionar como um cheque em branco. Adverti, logo ao terceiro ou quarto artigo que escrevi sobre este assunto, que a seguir aos pedidos de perdão viriam as exigências de reparações materiais, indemnizações financeiras e outras compensações. Esse risco existe pois estas declarações do PR, ainda que bem intencionadas e inseridas num bom discurso, globalmente correcto, foram mal pensadas e muito insensatas.

Aliás, se passaram relativamente despercebidas à generalidade dos nossos comentadores, elas foram imediatamente percebidas, valorizadas e politicamente exploradas no estrangeiro, onde estão em destaque nas agências noticiosas e sites internacionais, tendo sido ampliadas — ampliação que o próprio Marcelo sugeriu — para abarcar não apenas a relação de Portugal com o Brasil, mas todo o envolvimento português na escravatura. A cadeia Al Jazeera, por exemplo, noticia que Marcelo Rebelo de Sousa é o primeiro líder português a pedir desculpa pelo papel central que os portugueses tiveram no tráfico transatlântico de escravos, e a reconhecer que o país devia assumir responsabilidades por esse facto. No Brasil, como era expectável, Silvio Almeida, o actual ministro brasileiro dos Direitos Humanos e da Cidadania, rejubilou com as declarações do nosso PR. Considerou que Marcelo tinha dado “um passo extremamente positivo” e sublinhou, como se este assunto fosse alheio aos antigos brasileiros, e como se eles tivessem sido vítimas passivas das vontades do colonizador, que o Brasil continua a sofrer “os reflexos de uma herança da escravidão”.

Entre nós os activistas reagiram logo. A luso-moçambicana Paula Cardoso, fundadora da rede digital Afrolink, apreciou o simbolismo das palavras de Marcelo, mas lamentou que não tivessem sido acompanhadas por “medidas e compromissos” concretos. E Cristina Roldão veio, com o seu radicalismo habitual, zurzir o PR pelo que disse e pelo que não disse, por ter ficado aquém do que os activistas exigem, e por se ter atrevido a falar nas coisas boas que os portugueses também haviam feito, como se quisesse equilibrar o deve e o haver, e esquecendo que elas haviam sido feitas “pela bala, estupro e catequização jesuíta”.

Veremos o que o futuro nos reserva nesta área, mas, em pezinhos de lã e com toda a bonomia do mundo, no passado dia 25 de Abril de 2023 Portugal pode ter dado um tiro no próprio pé. Em Abril de 2017, de visita ao Senegal, Marcelo Rebelo de Sousa não atendeu às sugestões para que pedisse formalmente desculpa pelo envolvimento de Portugal na escravatura de africanos. O que fez foi lamentar a violência e iniquidade dessas práticas, mas recordou, também, que o nosso país abolira a escravatura no território metropolitano, em meados do século XVIII, se bem que só no século XIX tivesse alargado essa abolição aos territórios coloniais. Acrescentou que, ao fazê-lo, o país tinha reconhecido o que houvera de injusto e de condenável no “comportamento anterior”. Essas suas declarações foram muitíssimo criticadas pela esquerda woke, mas, do meu ponto de vista, foram adequadas e elogiei-o por isso num artigo intitulado Marcelo e a escravatura: 20 valores. Agora, no discurso que fez na Assembleia da República, o PR pediu desculpa ao Brasil pela escravatura — e, por analogia e extensão, a todas as outras antigas colónias ou províncias ultramarinas portuguesas — e decidiu assumir responsabilidades pela sua existência. Não sei o que o terá feito mudar de opinião, mas esteve mal. Esta sua nova posição é seguidista, historicamente absurda e, temo-o, politicamente desastrada. Não posso, por isso, deixar de reprová-lo.

BRASIL   MUNDO   ESCRAVATURA   SOCIEDADE

COMENTÁRIOS:

klaus muller: Sem dúvida que esses africanos escravizados e transportados para as Américas foram uns desgraçados e devem ter sofrido horrores. Mas permitiram que aos seus atuais descendentes tenha saído a sorte grande.               Alfredo Vieira: A força da razão destes artigos é sempre um prazer de leitura. Obrigado! Lourenço de Almeida: Os antepassados dos brasileiros é que eram esclavagistas e não os nossos antepassados. Além de que continuaram a escravatura depois de independentes quando os nossos antepassados já a tínhamos proibido no nosso território.             Francisco Almeida: Em termos de ciência e fora da área do direito constitucional, Marcelo é um ignorante. E. na área do direito constitucional, sabe mas não exerce.     bento guerra: Sem a escravatura ,,não existiria o Brasil,mas o Marcelo é um pantomineiro           João Floriano: Não faz qualquer sentido Marcelo assumir responsabilidades para o futuro. Mais uma vez está a adiantar-se e a assumir compromissos que envolvem outros decisores políticos. Foi assim com o desastrado convite a Lula para discursar numa casa onde Marcelo não é o dono, a menos que os poderes estejam todos entrelaçados, o que até é verdade. O que daí resultou todos nós sabemos e as ondas de choque ainda não se acalmaram porque o grotesco encontro de amigos na sala de visitas foi visto e revisto pelos portugueses e cada vez mais eu acho aquilo mais parecido com uma sala de visitas do Júlio de Matos do que a troca de impressões de grandes figuras nacionais. Mas não apenas Marcelo deve ser apontado como tendo procedido mal. O Ministro da Cultura deu também um triste exemplo de completa submissão aos wokes brasileiros. Toda a visita de Lula está cheia de momentos insólitos em que não sabemos se havemos de rir ou irritar-nos. Este apontamento de Marcelo é mais um que nos pode acarretar altos custos porque o que esta gente quer é euros e só com muitos euros se lavam as ignominias do passado.               Paula Barbosa: Está a ficar completamente senil ! Faz pena assistir à degradação intelectual de uma pessoa tão culta, mas altamente calculista e verrinosa. Volte para sua casinha em Cascais e aos banhos na praia da Conceição e à missinha de Domingo, com o saco das esmolas partilhado com Lili Caneças.               Jorge Barbosa: Descontextualizar para se poder criticar os nossos antepassados, apenas para se tirarem dividendos políticos pessoais imediatos, é um acto eticamente execrável, o que dá conta da falta de caráter e da desonestidade pessoal de quem com estas ações pactua a sua acção presidencial.             Pontifex Maximus: Quando é que Marcelo exige que Itália se desculpe pela escravização dos povos ibéricos, lusitanos, cónios, turdulos, véteres, etc., etc. feita pela república / império romano? E a Tunísia pelo que os cartagineses fizeram por cá nesse domínio? E os alemães, pelas invasões suevas, vândalas e visigóticas? E os muçulmanos, não só aquando da invasão de 711 como depois da libertação do solo ibérico na guerra de corso, sobretudo contra o Algarve? Já agora, falta muito tempo para esse caramelo ir chatear outros?            Manuel Martins: No geral, concordo com o teor da crónica. Importa no entanto separar a abolição em lei da prática. A geração que viveu nas colónias antes do 25abril saberá certamente confirmar que existiam muitas situações que, não sendo escravatura, andavam lá perto ( por exemplo, o que se passava nas roças de café em São Tomé). Agora, também considero ridículo Portugal pedir desculpa ao Brasil na questão da escravatura, um pais onde existem muitos indícios que a escravatura ainda ocorre impunemente .          Denise Pereira > Manuel Martins: Se tiver oportunidade de visitar uma roça de café em São Tomé actualmente e trocar impressões com um trabalhador do tempo colonial vai ficar supreendido ..........             Fernando Magalhães: Novamente e como já é habitual, muitos parabéns por mais um notável artigo.

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