segunda-feira, 24 de abril de 2023

Vidas

 

Em relevo, neste dia 425º dia de uma guerra que a sociedade woke ignora. Ou talvez aceite.

I - GUERRA NA UCRÂNIA

OBSERVADOR, 24/4/23

Em directo/ China. Países da ex-URSS "não são independentes"

Embaixador chinês em França considera que países que resultaram da ex-União Soviética, como a Ucrânia, não têm estatuto no direito internacional. Josep Borrell diz que comentários são inaceitáveis.

GUERRA NA UCRÂNIA

Wagner tenta confederação anti-Ocidente em África

Documentos secretos dos serviços de inteligência dos EUA, revelados pelo The Washington Post, mostram a influência crescente do grupo de mercenários Wagner em África para angariar aliados de Moscovo.

GUERRA NA UCRÂNIA

Rússia recupera bunkers da II Guerra Mundial

Milhares de abrigos em toda a Rússia estão a ser avaliados e remodelados — incluindo o grande bunker de Samara, a capital de reserva da União Soviética durante a II Guerra Mundial.

II A escravatura politizada de Cristina Roldão

Eu interesso-me pela escravatura enquanto fenómeno histórico. Cristina Roldão só se interessa pela escravatura em função do racismo (que supõe, algo simplisticamente, ser um subproduto da mesma).

JOÃO PEDRO MARQUES Historiador e romancista

OBSERVADOR, 24 abr. 2023, 00:1610

Sem nunca me nomear, a socióloga Cristina Roldão veio responder a algumas objecções que tenho feito à sua visão da história da escravatura, o que agradeço. E agradeço não apenas por isso, mas também porque esse seu novo artigo, no Público, é ilustrativo de uma forma de pensar que assenta em vários erros e mal-entendidos, e desfazê-los — como irei agora tentar — poderá ser útil para o debate.

Eu afirmo, com base nos dados da Slave Trade Database — que a socióloga também utiliza — que Portugal foi responsável pelo transporte de 4,5 milhões de pessoas escravizadas de África para as Américas. Cristina Roldão tem apontado para perto de 6 milhões e continua a teimar nesse patamar. Porquê? Porque decidiu incluir no somatório português os quantitativos do tráfico para o Brasil após a independência desse país. Para justificar esse abuso diz que tem um “entendimento distinto” do meu e que o tráfico brasileiro era “também” português. E era-o, na sua ideia, porque Portugal continuara a beneficiar economicamente dos proventos que, no Brasil, de 1822 em diante, se acumularam com o tráfico e a exploração do trabalho escravo. Mas esse argumento é, salvo o devido respeito, um disparate. Os britânicos beneficiaram com esse tráfico brasileiro porque muito do crédito disponibilizado pelos bancos para esse efeito, e muitos dos têxteis que se usavam nesse comércio, para venda na costa de África, eram britânicos (como David Eltis, o criador da Slave Trade Database, mostrou). Deveríamos, então, considerar que o tráfico para o Brasil era, também, britânico, e contabilizá-lo como tal? O disparate é óbvio. O tráfico era multinacional, mas a contabilização historiográfica do seu volume é feita segundo o critério de país importador/transportador e não pode ser martelado ao sabor das conveniências de uma agenda política.

Mas Cristina Roldão lança mão de uma segunda razão, ainda mais débil, para considerar que o tráfico brasileiro após 1822 seria, também, português. Diz ela que o Brasil ficou a ser governado por um português que era, além disso, herdeiro do trono de Portugal. A questão da nacionalidade de D. Pedro e da legitimidade da sua pretensão ao trono português levar-nos-ia por caminhos demasiado demorados e sinuosos, por isso sigo outra via, mais directa, para dizer que a nacionalidade do rei, fosse ela qual fosse, nada risca neste assunto. Vários reis da Grã-Bretanha e, depois, do Reino Unido, eram alemães. Quererá Cristina Roldão que atribuamos grande parte do tráfico de escravos britânico dos séculos XVIII e XIX à Alemanha? O absurdo é total. E mesmo que o argumento não fosse absurdo seria curto pois, como sabemos, D. Pedro só ficou no Brasil até 1831 e os brasileiros continuaram a importar escravos até meados da década de 1850. Não, estas contas, repito, não se fazem assim. De 1822 a 1856 entraram cerca de 1,3 milhões de escravos africanos no Brasil. Esses números são atribuíveis por inteiro a esse novo país, não a Portugal (nem ao Reino Unido). Na sua estranha contabilidade a socióloga atribui esses 1,3 milhões a Portugal e zero ao Brasil (ou, então, contabiliza-os também no Brasil, o que implica duplicação). O erro é evidente e persistir nele é reforçada má-fé.

Vire-se, porém, esta página para entrar numa parte mais importante do artigo de Cristina Roldão porque vai ao âmago das contradições do pensamento woke a respeito da escravatura. De facto, quando nos falam em tráfico de escravos e em escravidão, e demonizam os europeus pelo seu envolvimento nessas práticas, os woke mais lúcidos estão conscientes de que têm dois grandes telhados de vidro: o primeiro é que também havia escravatura em África; o segundo é que os africanos livres que lutavam contra os europeus estavam envolvidos na escravatura (como é, por exemplo, o caso da rainha Njinga) e os que, sendo escravos, obtinham a liberdade através da fuga ou da revolta, voltavam frequentemente a envolver-se nela, como ando a mostrar há décadas.

Para tentar contornar estes importantes embaraços lógicos os woke recorrem a um duplo truque de ilusionismo: num primeiro passo, a escravidão praticada por africanos passa a ser designada pela palavra mais suave de “servidão” (um dos mais conhecidos vocalistas dessa doce canção de embalar é Mamadou Ba); num segundo passo, e reconhecendo que as figuras africanas que tentam afanosamente classificar como anti-escravistas estavam envolvidas na escravatura, os woke usam o conceito de “complexidade” para justificar tais factos. A rainha Njinga comerciava escravos? Sim, mas é necessário perceber de forma séria a “complexidade” das suas acções (ficando implícito que as acções dos negreiros ocidentais não tinham complexidade nenhuma; agiam assim apenas porque eram brancos e cruéis agentes do capitalismo).

Encontramos muito deste ilusionismo no artigo de Cristina Roldão, desde logo no panegírico à heroicidade da rainha Njinga. Efectivamente, a socióloga insiste em que a rainha africana é uma das figuras que personifica a resistência negra à escravatura, e que o facto de não ter rompido “totalmente” (sic) com essa prática não retiraria legitimidade ao contributo que terá dado “para a luta contra a escravatura”, o que é um mal-entendido que resulta de estar a olhar apenas para uma parte do quadro. De facto, Cristina Roldão diz que Njinga resistiu “à escravatura do seu povo pelos europeus” e supõe que isso é um grande feito anti-escravista. Não o é. Quase todos os povos tinham normas que dificultavam ou proibiam a venda da sua própria gente. Eram os inimigos e os que vinham de fora que se escravizavam e traficavam, como muitos reinos africanos fizeram. Os negreiros brancos e cristãos também tinham normas que proibiam a escravização de outros brancos cristãos. Julgará Cristina Roldão que também eles eram grandes lutadores contra a escravatura?

E, como era inevitável, e se bem que não use a palavra servidão, a socióloga preocupa-se também em distinguir o “tráfico transatlântico de pessoas escravizadas de outras formas de escravatura no continente africano”. Acha que na primeira se usou uma forma de exploração “proto-industrial” do trabalho que teria originado o capitalismo, ao passo que, na forma africana, “prevaleceu o uso de mão-de-obra escravizada para trabalho doméstico, exploração sexual e demonstração de prestígio”. Deixa, assim, de fora dessa forma africana de escravatura, entre outros, os escravos que eram destinados a ser mortos em cerimónias várias e os muitos que, no final do século XIX, no califado de Sokoto, e tal como acontecera nas Américas, eram usados exaustivamente em regime de plantação. Não lhe bastando essa omissão, Cristina Roldão prossegue a distinção entre escravatura ocidental e africana, dando um tom menos pesado à segunda. Assim, entre os africanos a pessoa escravizada estaria numa posição de “inferioridade social”, mas tenderia “a ser considerada humana”; no Ocidente, a escravatura teria uma base racial e as pessoas negras — na opinião da socióloga — não seriam “totalmente humanas, nem cultural nem biologicamente”.

Tudo isto está errado ou enviesado. Não é necessariamente verdade que, em África, um escravo fosse socialmente inferior. Também não é verdade que as pessoas fossem “arrancadas a África para serem escravizadas nas Américas”, como Cristina Roldão afirma, pois essas pessoas já haviam sido escravizadas em África e era, por norma, nessa condição que eram entregues aos negreiros que as levavam para o outro lado do Atlântico. Mas é sobretudo a ideia de que, no Ocidente, as pessoas negras não eram consideradas totalmente humanas que é arrepiante, até pelo tom dogmático e radical da afirmação. Cristina Roldão não fundamentou essa estranha afirmação, o que é pena. Seria interessante ver onde foi buscar ideia tão errada. E errada porque as pessoas escravizadas sempre foram, para o pensamento cristão, filhas de Adão e Eva, iguais a todas as outras, criadas à imagem de Deus e dotadas, como quaisquer outras, de uma alma — e durante muito tempo a fundamentação ideológica do tráfico assentou justamente na ideia da salvação das almas. Biologicamente foram geralmente entendidas da mesma forma. Houve excepções,como já referi num outro artigo, mencionando especificamente Edward Long, o autor setecentista de History of Jamaica, que considerava que os africanos não pertenciam à mesma espécie dos europeus. Mas pessoas como Long eram relativamente raras nessa altura e, tanto quanto sei, raríssimas em Portugal.

O que me separa de Cristina Roldão nesta matéria não é uma questão de “entendimento distinto”, como a socióloga afirma. Eu interesso-me pela escravatura — em todas as formas e em todos os tempos e lugares — enquanto fenómeno histórico. Cristina Roldão só se interessa pela escravatura em função do racismo (que supõe, algo simplisticamente, ser um subproduto da mesma) e não gosta que, nas suas próprias palavras, se diga “que a escravatura já estava fortemente implantada em África antes do tráfico transatlântico” porque essa afirmação seria não só uma forma de minimizar “as consequências do tráfico transatlântico nos dias de hoje e o papel dos portugueses no mesmo”, mas também “e sobretudo, de despolitizar a escravatura” (sic).

Sucede, porém, que a dita afirmação é verdadeira, ainda que seja inconveniente para a luta política de Cristina Roldão. Eu não sou militante político; sou historiador e os historiadores interessam-se pela verdade. Ao longo da minha actividade como historiador tenho-me preocupado em mostrar o papel dos portugueses no tráfico de escravos sem cortinas ou minimizações. Mas uma coisa é tentar mostrar esse papel com objectividade e sem juízos morais, outra coisa é descrever a acção dos portugueses da forma desequilibrada, descontextualizada e persecutória a que temos assistido nos últimos anos. Ao contrário de Cristina Roldão eu não estou vocacionado para politizar a escravatura, estou apenas interessado em contar como ela foi e em lutar contra os que persistem em politizá-la. E uma forma de lutar é escrever assiduamente sobre ela, mostrando, entre outras coisas, que existia escravatura em África, sim, antes de os portugueses lá terem chegado e que, por essa altura, já os negreiros muçulmanos haviam levado, calcula-se, 5,7 milhões de seres humanos da África subsariana — mais do que Portugal transportaria, depois, através do Atlântico. Tenho esperança de que essas e outras informações despolitizadas ajudem os leitores de boa-fé a formar as suas próprias opiniões.

ESCRAVATURA   SOCIEDADE   HISTÓRIA   CULTURA   POLITICAMENTE CORRECTO

COMENTÁRIOS:

TIM DO Á: Eles só querem saber de atacar a sociedade ocidental e a raça branca, que somos nós. Para além de traidores, são maníaco-depressivos com tendências suicidas que fazem o culto da morte.              Maria Augusta Martins: Com certeza que a senhora frequentou e participou activamente nas lições teóricas e práticas do emérito professor doutor Boaventura Montanelas de Barcouço e recebeu o diploma com distinção e louvor.                 Pedro Almeida: Há muita gente a usar o discurso woke apenas para subir na carreira. Um dia vão cair                 Manuel Martins: Para mim, do que leio dessa senhora, nada tem de científico ou histórico. Trata-se de mera manipulação da história para fins políticos. Não é ciência é ativismo. Mas tal não me afasta de poder concordar com a mesma num ponto: muito do fundamento da escravatura europeia tinha por base um pensamento racista de superioridade dos brancos. Não é difícil encontrar sinais dessa perspectiva nas obras de sociologia e antropologia, mesmo no século XX.

José Ramos

"Aquela cativa

Que me tem cativo,

Porque nela vivo

Já não quer que viva.

Eu nunca vi rosa

Em suaves molhos,

Que pera meus olhos

Fosse mais fermosa.

[...]

Pretidão de Amor,

Tão doce a figura,

Que a neve lhe jura

Que trocara a cor.

Leda mansidão,

Que o siso acompanha;

Bem parece estranha,

Mas bárbara não.

 

Presença serena

Que a tormenta amansa;

Nela, enfim, descansa

Toda a minha pena.

Esta é a cativa

Que me tem cativo;

E pois nela vivo,

É força que viva. , Luís de Camões, in Endechas a Bárbara Escrava, séc. XVI

M. Nunes da Serra: os Registos paroquiais portugueses estão repletos de baptismos, casamentos e óbitos de escravos e filhos, pais, tios e avós. Ao lado de qualquer outra pessoa. Negar isso é pior que incompetência... Paulo Silva: Caro João Pedro Marques, que a voz nunca lhe doa! Os “arqueólogos da desgraça”, (se assim os posso chamar), andam a desenterrar cadáveres como se não houvesse amanhã, e a conjurar todo o tipo espíritos maléficos para tormento das consciências e remorsos do homem branco. Numa mão o “Das Kapital” e os seus novos testamentos, na outra uma pá… Nunca falaram da escravatura feita pelos outros, (árabes e africanos), mas agora que os dados históricos são relembrados e avivados por pessoas como o caro, inventam teorias e narrativas para os branquear. Os adeptos do internacionalismo dos subalternos querem à viva força destruir as identidades nacionais dos países ocidentais. É esse o seu objectivo estratégico: querem que os portugueses se verguem e se envergonhem de serem portugueses. Terão muitos motivos para não estarem de bem com a sua consciência, especialmente no presente, mas nunca esses.               José Paulo C Castro: O objectivo dos woke é chegarem às indemnizações estatais para descendentes de escravos e incluir nisso as minorias que os elegem. Toda a história será deturpada em função disso. Nem por um momento estão interessados na verdade histórica.                  António Sabbo: O aproveitamento da história, alterando-a ser acordo com ideologias inexistente à época é, só por si, um embuste, e tem sido utilizado por regimes absolutistas autoritários de esquerda ou de direita, ditaduras que viabilizam atrocidades e assassinatos em massa, que se impõem pela repressão política e pela censura das opiniões diversas. Quem os defende não tem qualquer legitimidade para se outorgar o direito de ser referência ética, social ou política para as sociedades organizadas. Tradicionalmente estes absolutistas da opinião são defensores do ataque a todo o resto do espectro do pensamento social e político. São os discursos de ódio do maniqueísmo político assente na falsa dicotomia de um pensamento bipolar e, como tal, disfuncional.             Fernando Cascais: Esta linha de pensamento pode a curto prazo vir a ser censurada. Lula, numa das suas entrevistas agora em Portugal disse que o seu governo está a desenvolver legislação para combater o “fake News”. Sabendo-se que o Movimento Woke tem a sua grande implementação nos governos de esquerda, a possibilidade de utilizar os novos mecanismos de combater o “fake News” no combate ao contraditório e linhas de pensamento não alinhadas é muito real.                  manuel rodrigues: Pseudo-cientistas, diz bem. Aliás neste mundo de gente e gerações "cada vez mais bem preparadas", pseudo-cientistas abundam nos mais variados domínios                Ricardo Pinheiro Alves: Obrigado por nos ensinar e por desmentir as falsidades que cada vez mais abundam nos jornais e são divulgadas por pseudo-cientistas. Maria Clotilde Osório: Em cada artigo seu aprendo mais alguma coisa. Só espero que não desista de nos ensinar. Obrigada 

 

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