sexta-feira, 28 de abril de 2023

O que vale é que somos um povo de fé


E de lágrimas para os nossos anseios, que o Pai Nosso e o Avé Maria bem aplicados e em ladainha muitas vezes, não deixarão de produzir os ansiados efeitos.

As ilusões só prosperam na ignorância

Não encontrarão um deputado que se assuma contra a transparência. E, no entanto, na Saúde ou na Educação, a qualidade da informação reduziu-se nos últimos anos, impedindo o escrutínio pelos cidadãos.

ALEXANDRE HOMEM CRISTO, Colunista do Observador        OBSERVADOR, 27 abr. 2023,

Extinguiu-se a avaliação externa dos hospitais. Desde 2021, deixou de ser possível identificar os melhores hospitais públicos, visto que a avaliação deixou de ser feita, por decisão da Entidade Reguladora de Saúde (ERS). Este Sistema Nacional de Avaliação em Saúde operou entre 2009 e 2021 e avaliava 164 dos 168 hospitais do SNS. O seu criador, Eurico Castro Alves, qualificou a decisão de “crime político“. O bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, concorda: é “mais um sinal de querer esconder os maus resultados do SNS“.

Algo semelhante já havia sucedido na Educação quando, em 2016, se interrompeu a monitorização sistematizada dos desempenhos dos alunos no ensino básico. Deixámos de ter provas (finais ou de aferição) na conclusão dos ciclos do ensino básico, com resultados comparáveis e de acesso público, como desde 2001 — já escrevi várias vezes sobre o tema e as suas implicações (podem ler aqui, aqui ou aqui). Mais recentemente, no ensino secundário, os exames passaram a restringir-se aos alunos que pretendem candidatar-se ao ensino superior, inviabilizando diagnósticos sobre o desempenho do sistema como um todo.

A informação está na base de um regime democrático saudável. Mas, se assim é, como explicar que os dados sejam tantas vezes escassos ou pouco trabalhados, condicionando as percepções dos cidadãos sobre o que funciona bem ou mal nos serviços públicos?

Um estudo experimental recentemente publicado ajuda a responder à questão, oferecendo pistas sobre como os cidadãos e os parlamentares lidam ou reagem a informação comparativa sobre o funcionamento de serviços públicos. O estudo realizou-se na Alemanha e incide sobre os desempenhos dos sistemas educativos dos seus 16 estados federados — mas poderia incidir sobre saúde ou outro sector público competitivo, o princípio seria o mesmo. Há três conclusões que me parecem de maior relevância.

A primeira é que, na ignorância e sem acesso a dados comparados, as pessoas tendem a acreditar que os serviços públicos funcionam mais ou menos bem (a posição média). Neste caso, quando levados a adivinhar a classificação do seu estado federado no ranking nacional (de 1 a 16 estados federados), os inquiridos indicam o meio da tabela. Consequentemente, quem habita num estado federado com elevado desempenho estima uma posição abaixo da real — e vice-versa: ao apontar para o meio da tabela, quem habita num estado federado com baixo desempenho estima que o seu estado federado estará melhor na classificação do que realmente está. Esta tendência é válida para cidadãos e para parlamentares, e tem uma implicação importante: perante a falta de informação, as pessoas inclinam-se para cenários médios, que são razoavelmente satisfatórios e não geram pressão reformista sobre os agentes políticos.

A segunda conclusão é que os cidadãos reagem fortemente à informação quando esta lhes é devidamente apresentada. Neste caso, os cidadãos nos estados federados com desempenhos acima da média apresentam +27,3 pontos percentuais de satisfação face ao ponto de referência para a comparação (o grupo de controlo). Por seu lado, os cidadãos de estados federados com desempenhos abaixo da média têm uma satisfação que está -16,2 pontos percentuais abaixo do ponto de referência para comparação. O resultado parece óbvio, mas tem uma importância enorme: prova que a comparação de indicadores de desempenho, por exemplo através de rankings, é muito valorizada pelas populações e contribui decisivamente para determinar as suas percepções.

A terceira conclusão é que o apoio à publicação de informação é constante para os cidadãos, mas varia entre os agentes políticos. Habitem num estado federado com bons ou maus desempenhos, os cidadãos apoiam incondicionalmente a existência de dados comparados. No caso dos agentes políticos, o apoio à publicação de dados depende do desempenho do seu estado federado: se os resultados forem bons, há mais parlamentares a defender avaliações externas aos alunos (+10,1 pontos percentuais que o valor de referência do grupo de controlo); se os resultados forem maus, os parlamentares reduzem fortemente o seu apoio à existência de avaliações externas (-19,8 pontos percentuais comparativamente ao valor de referência). Ou seja, o estudo identifica um comportamento oportunista nos agentes políticos: como concluem os autores do estudo, as políticas de transparência vêem o seu apoio colapsar nos estados federados com maus desempenhos assim que os parlamentares são confrontados com essa má performance.

Soa familiar? É porque o é. Se perguntarem aos 230 deputados na Assembleia da República, não encontrarão um único que se assuma contra políticas de transparência. E, no entanto, na Saúde, na Educação e em tantas outras áreas, a qualidade da informação reduziu-se gravemente nos últimos anos, impedindo a avaliação e o escrutínio pelos cidadãos, muitas vezes por iniciativa ou com forte apoio parlamentar. O estudo acima descrito ajuda-nos a perceber que isto não se resume a uma infeliz coincidência: as ilusões de que tudo está bem só prosperam na ignorância. Afinal, quando os resultados são maus, há uma maioria absoluta de políticos que desconfia do valor da transparência.

TRANSPARÊNCIA   ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA   ESTADO   POLÍTICA

COMENTÁRIOS

Carlos Oliveira: Para esta gentalha que nos oprime das mais diversas maneiras, o que conta não é o que é mas sim o que parece de modo a enganar o eleitor.                    Alexandre Barreira: Pois. O problema é que. Existe muita ignorância. Com "canudo".....!                   José Carvalho: Nós só somos a Alemanha com sol (afirmações de Centeno) para o que interessa comparar. Para os restantes indicadores cujos resultados são péssimos, escondem-se as comparações.                  Maria Emília Ranhada Santos: Claro! Ordens dos socialistas para ninguém saber o que se passa! Assim todos andam às cegas e vão para onde não devem! Malvado socialismo.             Alfredo Vieira: Excelente artigo!                 Ana Maia: O texto parece-me algo inútil no Portugal socialista de hoje, acho que é reconhecido por todos o estado lastimoso dos serviços públicos e 30% da população já o percepciona, tanto que só nos últimos 2 anos os seguros de saúde aumentaram 30% e as inscrições nas escolas privadas também. A falta de informação serve para esconder os maus resultados que no nosso caso são tão tremendamente mais que nem assim o escondem. Não há propaganda que mascare a realidade.             Américo Silva Nada mais transparente que os fundos Airbus. Será legal?             José Ribeiro > Américo Silva: Comentário ridículo! Sempre a cassette a funcionar, evolua!              Américo Silva >José Ribeiro: Boa tarde, talvez a falta seja minha, mas não me lembro que essa operação tenha sido divulgada na altura.       José Ribeiro > Américo Silva: Certamente, quando houver um artigo relativo ao assunto então fará o seu comentário oportuno. Neste não era de todo o tema.                    José Carvalho > Américo Silva: Ontem na comissão parlamentar um alto dirigente da parpública revelou que forneceu todos os dados dessa operação ao governo de Costa. Se não foi divulgado por este é porque não interessou por alguma razão.                Miguel Ramos > Américo Silva: Já tinha saudades do contraditório inútil e com zero valor acrescentado para a discussão proposta na crónica. A típica trapaça da retórica populista.                   João Ramos: O Estado socialista ao reduzir as comparações entre as instituições está como é evidente a reduzir a transparência e isto é a prova provada de como os governos Costa (PS) são incompetentes e altamente prejudiciais ao progresso do país, ter medo da verdade é o pior defeito de qualquer governo e é uma clara característica dos governos Costa… Sérgio: Pois.... Bem-vindos a republica pobretanas e atrasadita das bananas da Europa e OCDE, com o alto patrocínio do gang nepotista e mafioso e corrupto DDT e facilitista e desleixado e com o aval da nódoa inócua das selfies e com o voto do povão mais ignorante e iletrado e mal formado e medíocre....                    Francisco Almeida: Excelente artigo. Claro e, atrevo-me a vaticinar, irrefutável. Pessoalmente achei revelador que o que já intuía para este Portugal do PS é afinal a aplicação da regra geral (se é legítimo generalizar a partir da realidade alemã).                  Alfaiate Tuga: A avaliação da qualidade dos serviços prestados pelo estado feita há um ano e uns meses pelos portugueses foi óptima, deram maioria absoluta ao PS. Se não for antes, em 2026 volta a ser feita nova avaliação, prevejo que os resultados também serão satisfatórios, isto a avaliar pelo dinheiro que está a ser distribuído pelo eleitorado alvo do PS.                    Carlos Chaves: Quem não sabe é como quem não vê, e depois chamam incompetentes aos socialistas! Eles sabem muito bem o que andam a fazer! As conclusões desse estudo há muito que orientam os socialistas. Obrigado Alexandre por mais este “grito“ de alerta.           Ark Nabul: A moda a Ocidente é esconder a verdade ao mesmo tempo que se promove a mentira para que a cada dia a realidade ir sendo ocultada pela hiper-realidade. É uma propositada instalação do Caos para o Ocidente morrer e ressuscitar purificado, abraçando os valores colectivos e rejeitando os valores individuais. Parte deste processo é a insistência em direitos de certas "identidades" que, gradualmente, substituem os direitos do indivíduo.

 


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