De “O
pão nosso de cada dia nos dai hoje”, embora não se encaixe nela, que aspira
a vitualhas de maior efeito físico e espiritual. Mas aquilo para nós serve, para nos refazermos,
ademais, do pecado da inveja no nosso ADN, e obedecermos igualmente ao apelo “Anda,
Pacheco!” da nossa Hermínia, que também se nos aplica, simpáticos e prestáveis,
e assim vamos indo e sendo. E estando. Apesar dos esforços infrutíferos de
Alberto Gonçalves para nos corrigir. Ou fazer sair do nosso Amen.
Em terra de cegos, surdos e mudos, o dr. Costa é PM
Não devia ser preciso lembrar que os
demais países sobem nas tabelas da especialidade à custa da nossa descida, e
que é esquisito ver um governante orgulhar-se disso.
ALBERTO GONÇALVES Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 22
abr. 2023, 00:227
“A direita, que
tem a inveja no seu ADN, só se preocupa com aqueles que estão menos
desenvolvidos do que nós se aproximam [sic]de nós. Nós não temos inveja: temos
satisfação!”
A
extraordinária frase acima, proferida pelo dr. Costa numa celebração dos 50
anos do PS, não mereceu, que eu notasse, referências nos telejornais e de
certeza não suscitou vestígio de indignação pública. Porém, merece dois ou três
comentários. Vamos por partes, excluindo desde já a parte em que a
língua é atropelada com gravidade. A
ideia geral é a de que os socialistas apreciam que os países mais pobres da
Europa deixem de o ser, e que só a “direita”, a “direita” invejosa, ressentida
e desumana, é capaz de lamentar semelhante facto. A imensa bondade do PS está
explícita nestas considerações.
Infelizmente,
o que sobra ao PS em princípios falta-lhe em fins, excepto os tristes. Não
devia ser preciso lembrar que é a administração do dr. Costa a responsável
pelos resultados de Portugal em indicadores económicos, sociais, etc. Ou
seja, que os demais países sobem nas tabelas da especialidade à custa da nossa
descida, e que é esquisito ver um governante orgulhar-se disso. A
verdade é que o público-alvo não é exigente. O público-alvo aplaude tais
bazófias com o entusiasmo com que recebe uma esmola de 10 euros após o fisco o
aliviar em 100. Ou com que aplaudiria os ossos devolvidos depois de o PS lhe
comer o frango.
Não
confundo o público-alvo com os dirigentes que, no referido evento, reagiram em
êxtase às declarações do dr. Costa e à constatação de que a Roménia está menos
miserável que nós. Os sujeitos e sujeitas com cadeiras reservadas nos
certames do PS não só escapam à miséria como prosperam graças a ela. Logo, não
há que presumir a sua idiotia. São desavergonhados, desonestos e na vasta
maioria incompetentes: não são necessariamente irracionais.
O
mesmo não se pode dizer dos eleitores contumazes ou potenciais do partido,
aquelas almas simples que, em vez de lucrarem com as manigâncias, são suas
vítimas – e não percebem que o são. É para essa gente que o dr. Costa fala. É a
essa gente que o dr. Costa mente. É com essa gente que o dr. Costa conta para
lhe engolir patranhas infantis e tomá-las pela palavra da salvação. É essa
gente que votou PS na sequência da “geringonça”, vota PS nas circunstâncias
actuais e votará PS no dia em que o dr. Costa anunciar que o PIB per capita da
Serra Leoa se superiorizou ao português, notícia que deveremos saudar com vivas
e espírito solidário.
Assim
é fácil. Sabem aqueles mitos acerca da prodigiosa habilidade
política do dr. Costa? São exactamente mitos, postos a circular pelos comparsas
para efeitos de propaganda e pelos adversários para mitigar a humilhação de
termos uma criatura limitadíssima a mandar nisto com enorme à-vontade. A descontracção do dr. Costa, um Churchill se
Churchill tivesse sido porteiro de boîte em Rio Tinto, é inversamente
proporcional ao discernimento de uma parcela da população, a parcela suficiente
para manter vivo nas sondagens um governo que reduziu a cinzas a própria noção
de governo. Não é a história dos cegos e do rei zarolho: é pior. Em terra de brutos,
invisuais, surdos e mudos, o dr. Costa é primeiro-ministro. E a terra em causa está desgraçada. O dr.
Costa e os matraquilhos em redor fazem tudo o que querem, e nada do que eles
querem é bom para nós.
Não
pretendo insinuar que os eleitores da actual “direita” são modelos de lucidez.
Aliás, os cidadãos excessivamente lúcidos só votarão em qualquer dos partidos
não socialistas (tosse) com a alegria com que se desvitaliza um dente sem
anestesia. Mas o ponto não é esse, do mesmo modo que, ao contrário do que
acredita o inquilino de Belém, o ponto não é descobrir se a “direita”, seja lá
o que isso for, está preparada para governar. O ponto é que o
PS não está. O PS está preparadíssimo para continuar a governar-se, exercício
que de resto vem praticando em 22 dos últimos 28 anos, e em estilo venezuelano
nos recentes sete. Neste momento, a “direita”, nas coligações que fizesse e nas
coligações que rejeitasse, até podia ser uma delegação de especialistas em
bisca lambida e bagaceira (e não há garantias de que não o seja) e ainda teria
uma vantagem: não é o PS.
As
negociatas, os saques, os embustes e o despudor do PS ridicularizam o regime e
asfixiam as pessoas, quer estas o compreendam quer não. Cada dia, o enxovalho é
maior. Em cada semana deparamo-nos com rábulas que seriam impensáveis na semana
anterior e são saudosas na seguinte. A cada mês, os portugueses que o terminam
em condições de pensar pensam como é possível chegarmos a isto. E como é?
Há
o PS, uma rede de rústicos com apetite voraz. Há, ou não há, uma oposição
entretida em traçar “linhas vermelhas” entre si e segundo instruções do PS. Há o prof. Marcelo, que se colou ao PS enquanto a
colagem não lhe prejudicar a popularidade e independentemente dos danos. E há o tal povo, que em quantidade bastante se deseja
tão apático e tão dependente e tão baralhado que, entre outras maravilhas
retóricas, gosta de ouvir o dr. Costa jurar que a indigência nacional é uma
coisa positiva. O que não há são novidades.
Nota: estarei de férias nas próximas duas semanas. A crónica
regressa a 13 de Maio.
GOVERNO POLÍTICA ANTÓNIO COSTA CRESCIMENTO
ECONÓMICO ECONOMIA
COMENTÁRIOS (7):
Manuel Martins: Também
considerei surreal a declaração de Costa. Algo que seria alvo de aberturas de
telejornais e 1as páginas de jornais se viesse da direita, ou ocorresse num
pais com uma democracia saudável: um primeiro-ministro contente por ver outros
países a ultrapassar-nos .Mas caro AG, não concordo consigo na caracterização
do votante PS: não é em todos os casos ignorância, cegueira, surdez ou mudez. É
sobretudo egoísmo. Não há como este regime para garantir subsídios, pensões (
como o criminoso aumento de 200 a quem recebe já uma pensão de 5000€), proteger
os incompetentes e preguiçosos. E infelizmente temos cá muitos, os suficientes
para decidir quem governa... Alexandre Barreira: Pois. Caro AG. "em terra de cegos, surdos e mudos". Não substime o povo português. É ele que lhe dá o "conduto". Favor não "cuspir" no prato. Que o
"sustenta".....! Eduardo Cunha: excelente crónica. parabéns. JOHN MARTINS: Ora, aí temos uma crónica,
mesmo a jeito da celebração dos 50 do PS. Merecem isto e
muito mais, já que são os grandes responsáveis pelo estado a que isto chegou. Grande
zurzidela com fino sentido crítico.
Boas férias, bem
merecidas!.. José Paulo C Castro: Alguém como o PM, que cresceu rodeado por ascendentes
que achavam que os países do chamado 'Pacto de Varsóvia' estavam a progredir
mais que nós, só pode ficar contente quando eles estão efectivamente a fazê-lo. Fica provado que o socialismo real era o passo que faltava, em Portugal,
para que o Leste da Europa revelasse a sua superioridade face aos membros da
CEE. Maria Paula Silva: AG, a d o
r e i!!! Excelente! Deliciosa et très
mignonne esta frase: "em que o dr. Costa anunciar que o PIB per
capita da Serra Leoa se superiorizou ao português, notícia que deveremos saudar
com vivas e espírito solidário." Boas férias! De certo não sou só eu,
vamos sentir a sua falta, volte bem e depressa!!! :) F. Mendes: De novo um artigo muito
assertivo, e não tão exagerado como isso (comparação com a Serra Leoa, à parte;
pelo menos, para já). Este virar do bico ao prego, na questão da nossa
ultrapassagem por países que, há 20 anos, tinham cerca de 30% do nosso nível de
riqueza (Roménia), revela alguma habilidade do PS. Claro que se deveria
contra-argumentar, perguntando como recebendo nós tanto dinheiro, crescendo
acima da "média", e aproveitando tão bem os fundos, caímos a olhos
vistos. Como bem escreve o AG, a nossa CS não faz perguntas e o povo engole
tudo. Sinto-me incomodado, por tanta gente, com quem me cruzo diariamente, não
ter ainda percebido (por opção?) o óbvio. É o que temos: uma tremenda falta de
ambição, directamente proporcional à preguiça mental de muitos, e à indiferença
resignada de outros tantos.
Maria Liz: Pois é. Nada a acrescentar.😭😭😭
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