Foi Miguel Torga que o disse,
não me parece, todavia, que ele tenha minimizado assim tanto o que se passava
em seu redor. Seria bom se assim fosse a vida, como ele a descreve, mas é um
pensamento passageiro, puramente poético, e pelo texto de Raquel Abecasis, António Costa, também pensando
com simplicidade, a respeito da vida e da criação do seu mundo, em todo o caso,
virou mais prosador que poeta, acho, e vai em frente no cumprimento
imperturbável dos seus desígnios do costume, pois nem todos, é claro, se
agarram às mesmas poeiras de que trata Torga, em A Criação do Mundo, ou preferimos mesmo tratar com frieza as
que vemos, ouvimos e lemos de que
trata Sophia e a que se refere Raquel.
De resto, Costa tem que
cumprir o que lhe pedem que cumpra, no exercício das suas funções, até já
expulsou os elementos da embaixada russa, corajosamente, em represália, bem se
arriscando, que o Putin não é dos que se fica, mesmo com um país que ele já em
tempos ajudou a reduzir, em proveito próprio, e que já não tem mais para lhe dar…
Leiamos Torga, enquanto pudermos:
BUCÓLICA
A vida é feita de nadas
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;
De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;
De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.
Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar
Acho extraordinário que o governo
português faça discursos, apresente um programa de governo e se prepare para
apresentar um orçamento como se o mundo não tivesse mudado com esta guerra.
RAQUEL ABECASIS, Jornalista e
ex-candidata independente pelo CDS nas eleições autárquicas e
legislativas
OBSERVADOR, 05
abr 2022, 00:1714
Lembro-me
de ser jornalista há muito pouco tempo na Rádio Renascença e de ter dado a notícia
da queda do avião que transportava o presidente do Ruanda. O suposto acidente, que afinal foi um atentado,
resultou poucos dias mais tarde no início de uma guerra civil que causou
um dos maiores e mais vergonhosos genocídios do século passado. Anos depois, vi no cinema o filme Hotel Ruanda com o relato
do que então se passou. Quando as luzes da sala de cinema se acenderam não pude
deixar de pensar na superficialidade com que eu, jornalista contemporânea
àquela história de horror, fui dando notícias sobre o que lá se passava. Até
hoje me pesa a consciência, não porque tivesse conseguido mudar o curso dos
acontecimentos, mas pela banalidade com que encarei a situação só porque estava
longe. Sempre pensei que ao menos eu, que era jornalista, devia ter encarado
aquela guerra e os relatos que de lá chegavam de forma diferente.
Nos
últimos dias, sobretudo depois das imagens que nos chegaram de Bucha, Irpin e
de outras localidades nos arredores de Kiev, voltei a ter o mesmo sentimento.
Já não sou jornalista, mas sou uma cidadã europeia. Da mesma Europa onde se praticaram crimes de guerra
hediondos e cobardes. A diferença
é que agora, ao contrário do que aconteceu no passado, os
acontecimentos entram-nos em casa em tempo real. Escreveu Sofia de
Mello Breyner: “Vemos, ouvimos e
lemos, não podemos ignorar”.
Os
tempos modernos são férteis em comoções generalizadas da opinião pública que
age em conformidade, procurando mostrar-se solidária de várias formas com as
vítimas de situações de catástrofe. São gestos valiosos e que fazem a diferença
a muitas vidas. Mas as imagens dos últimos dias pedem mais do que esta
solidariedade. Pedem que as mesmas opiniões públicas europeias exijam aos
seus governos uma nova atitude.
Imagino
que não seja fácil à Alemanha e a outros países europeus prescindirem do
fornecimento de gás e petróleo russos. Provavelmente essa decisão colocará a
Europa numa nova crise profunda, com necessidade de recurso a racionamentos
próprios de uma guerra. Mas é numa guerra que estamos. Não é só a Ucrânia
que está a ser violentamente atacada com a invasão russa. É todo o mundo
ocidental, em particular a União Europeia. Nenhum negócio se justifica
com um país que tortura e massacra cidadãos indefesos, como está a acontecer na
Ucrânia. Não são relatos difusos. Vimos todos com os nossos olhos.
Ainda
hoje achamos incompreensível o comportamento de alguns povos europeus durante a
Segunda Guerra Mundial. Colaboracionista é um adjetivo que ainda perdura na
nossa memória colectiva, apesar das décadas decorridas. Na altura, alguns
podiam desculpar-se com a ideia de que não sabiam o que estava a acontecer.
Agora sabemos todos. Não tirarmos consequências em função do que vimos é
transformar toda a União Europeia, governantes e governados, em
colaboracionistas.
Ninguém sabe o que pode acontecer se o
Ocidente endurecer posições. Há riscos grandes? Há. Mas fazer de conta que esta
guerra não nos diz respeito não é seguramente a melhor estratégia para lidar
com o tirano russo. A verdade é
que, depois das imagens dos últimos dias, estamos
todos em guerra. Como bem
notou Volodymyr
Zelensky quando esta
segunda-feira visitou Bucha: “Convido a senhora Merkel e o senhor Sarkozy a
visitar Bucha e a ver aquilo a que uma política de cedências conduziu ao longo
dos últimos 14 anos. Para verem com os seus próprios olhos os homens e mulheres
ucranianos torturados.”
Por
mais que queiramos resistir à ideia,
o mundo mudou. Não podemos
ficar indiferentes ao que se está a passar porque a indiferença vai
matar-nos e desta vez ninguém pode dizer que não sabia.
PS:
Acho extraordinário que o Governo português recém-empossado faça discursos,
apresente um programa de governo e se prepare para apresentar um orçamento como
se o mundo não tivesse mudado com esta guerra no coração da Europa. Não sou
economista, mas não é preciso sê-lo para perceber que a escalada da
inflação, o aumento dos juros e a nossa pesada dívida externa são uma mistura
explosiva que não vai e não está a deixar-nos na mesma. Os tempos que aí vêm não se compadecem com discursos optimistas
e ingénuos. O país devia estar a prevenir o embate dos efeitos da guerra na
nossa economia, começando por não criar a ilusão de que estamos protegidos aqui
neste cantinho da Europa.
GUERRA NA UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO NOVO GOVERNO POLÍTICA
COMENTÁRIOS:
Rita Salgado: Parabéns! João Ramos: Bom e muito consciente artigo,
já estamos fartos de ver e ouvir assobiar para o lado por parte do governo e
não só, por essa Europa fora também há muito governante que assobia para o
lado, uma coisa é certa se Putin ganha na Ucrânia o futuro da Europa será ainda
mais incerto, se o conseguirmos repelir a Europa sairá muito mais forte e unida
pois mostrou ao Mundo e a ela própria que era capaz de defender os seus ideais
e não ser uma ambiguidade como até aqui… Cisca Impllit: Pois, desde que o menino esteja
em pm - é sempre a dar-lhe é a rir do português que está sempre para ele
disponível Domingos
Rita: Excelente artigo. Cada vez
mais, estou satisfeito por ter aderido a este projecto, sendo assinante do
único órgão de comunicação totalmente isento e que nos esclarece com a verdade
tudo o que se passa à nossa volta. Tiago S: A TRIANGULAÇÃO Os Portugueses estão a ser novamente
triangulados por este governo. Eis os
motivos da nossa preocupação: - Aumento
brutal do custo de vida - Inflação
galopante com perda de poder de compra dramática para as famílias - Taxa de juros na eminência de escalada
comprometedora para um país de habitação própria assente em empréstimos
indexados. - Uma guerra que promete não
ficar por aqui e que irá arrastar a europa 20 anos para trás. - Seca, impostos a um nível insuportável, custos
proibitivos dos factores de produção, greves, boicote da função pública. Exceptuando
a Guerra, tudo se está a passar à frente dos nossos olhos desde Novembro, e
silenciosamente, o governo nada diz e age como se nada se passasse. Apesar
da guerra e apesar de tudo, resposta do governo mantém-se: um plano de
recuperação do país assente no sector público e não na sociedade civil,
criadora de riqueza e de empregos, na desvergonha insuportável de atender a sua
base eleitoral. A estratégia, essa, é a mesma de sempre: a triangulação dos
Portugueses. Não enfrentar, desvalorizar, apelidar os críticos de
apocalípticos, fazer tudo ao contrário do que manda o bom senso de reforma e
gestão do país e tentar passar por entre os pingos da chuva sem factura
eleitoral. Sócrates, o seu ministro das finanças, e o governo socialista de
então, também andaram a tapar com muito êxito o sol com a peneira durante
vários anos. Os Portugueses esses, pagaram com mais impostos, desigualdades e
injustiças que ficaram no nível onde ficaram, e das quais nunca mais
recuperámos. A ciência política chama a isto socialismo. S
Belo > Tiago S: E lá vamos, cantando e rindo, exultantes a
caminho do cepo. bento
guerra: Calma, o Medina só ontem foi
apresentado à Lagarde, a Impressora e vai haver Conselho Europeu. Manda quem
paga. João Floriano: Os nossos tempos são férteis
em «comoções generalizadas» mas que passam rapidamente perante a avalanche de
informação que nos cai em cima. E no meio dessa avalanche ainda precisamos de
distinguir onde estão as fake news. Os governos europeus, que segundo
a articulista devem ser questionados, terão muito cuidado com as
consequências económicas de cortes radicais com a Rússia. Vemos, ouvimos e
lemos mas sobre uma guerra que por enquanto está ainda longe das nossas casas e
que podemos ignorar. O exemplo dado sobre a guerra do Ruanda é muito
elucidativo. Temos pena mas, para já não nos diz respeito. Sobre o que se
passa internamente, vi ontem uma reportagem em que Fernando Medina, o novo
Ministro das Finanças se apresentava aos seus congéneres europeus. A frase mais
ouvida foi Nice to meet you! Entretanto Fernando Medina assegura que
nos manteremos no trilho das contas certas. Nunca percebi como um país com uma
das maiores dívidas externas da Europa, em queda no ranking, pode garantir
contas certas com a inflação a subir. O mais certo é daqui a uns tempos
trocarmos «Nices» to meet you! com uma nova troika. advoga
diabo O Governo devia encolher-se num
canto a roer as unhas? Vergonhoso como RA e afins manipulam a tragédia para
cumprir agenda patronal! joaquim zacarias A Raquel ainda não compreendeu,
que economia e socialismo não combinam. António Lamas: Bonito e sentido texto. Vemos o horror sentados no conforto das nossas
casas como se fosse uma série de televisão. Esta
é a mais mediatizada guerra desde sempre e paradoxalmente a realidade é mais
horrorosa que as imagens. Os
portugueses estão a pensar no campeonato do mundo da bola. O Secretário
Geral da ONU está preocupado com o ambiente. O mundo está louco Luis Martins: É
realmente bizarro constatar que o OE do PS seja exactamente o mesmo de há meses
quando a guerra não existia e a inflação era marginal (ou inexistente). Não se
percebe e é ilógico. Será que Medina e os seus acessores são tão incapazes
que nem sequer conseguem alterar/actualizar o OE em tempo útil? Será que
não interessa mesmo alterar porque o OE tem umas boas fatias para alimentar a
famiglia e em que ninguém pode tocar? Com este Peiésse e Costa tudo é
possível.
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