“Isento,
forro, poderoso”, indispensável para libertar – ou não - das paixões das
riquezas e vaidades, foi o que também disse o Anjo à Alma, disposta a seguir as
fantasias traiçoeiras das paixões terrenas com que o Diabo a entreteve
momentaneamente, com grande empenho. Mas o certo é que, não fora a ajuda
preciosa do Anjo Salvador a convencê-la da inanidade dessas fantasias humanas –
para mais apoiado pela Igreja e respectivos doutores - Sto. Agostinho, Sto.
Ambrósio, S. Jerónimo, S. Tomás – e lá cairia a pobre da Alma nas
tentações do demónio, sem “livre alvedrio” que lhe valesse. Isto é o que diz
a peça vicentina, para moralizar as gentes, apoiada na doutrinação católica da
redenção. Suponho que o alvedrio de Putin é definitivamente pessoal, ” isento,
forro, poderoso”, sem precisar da redenção para nada, ávido de sucesso terreno,
indiferente ao “Mal” praticado. Na segurança tenebrosa dos seus esconderijos, bastando-se
a si próprio, no esplendor da sua maldade desafiante de todos os pruridos de
consciência ou mesmo de “Fé”. Borrifando-se para a predestinação, está visto. Indiferente,
ou regozijando-se mesmo, com os monstruosos espectáculos de destruição e dor
que vai semeando impunemente.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 03.04.22
Hoje,
começo por afirmar que é real a dicotomia entre a predestinação e
o livre arbítrio. E essa
dicotomia faz-se sentir no distanciamento das Civilizações por via das
respectivas filosofias predominantes a que, assentes em dogmas, chamamos
religiões. Claro está que me estou a
referir a dogma como matéria indiscutível de fé.
Poderá
não ter sido sempre assim, mas actualmente, o Cristianismo
católico romano e o luterano têm o livre
arbítrio como elemento
fundamental da liberdade decisória da pessoa enquanto o islamismo toma a predestinação como algo contra
que o homem nada pode fazer. Destas duas
posições resulta a maior dignificação e responsabilização do cristão e a subordinação do islamita à dura «sorte»
que lhe calhou nesta vida.
Eis
mais uma razão a justificar o progresso das sociedades de génese
cristã – em especial, a católica romana e a luterana – e o «medievalis«mo» islâmico, sobretudo o
sunita.
Não
estou com isto a querer lavar a História; estou apenas a referir-me ao que se
passa actualmente (e, por isso mesmo, este texto vai datado).
E,
a propósito de «hoje», o que terá o Patriarca de Moscovo a dizer sobre o
livre arbítrio dos seus fiéis?
Lisboa, 3 de Abril de 2022
Tags: filosofia
COMENTÁRIOS
Anónimo 03.04.2022 15:01
Uma das cenas emblemáticas do filme “Lawrence da Arábia” foi quando, após duas tribos árabes, capitaneadas por aquele, terem
atravessado um deserto mortífero, se constatou que faltava um membro, que teria
ficado no deserto, o que significava morte certa. O inglês logo se
prontificou a voltar para trás, sozinho, a fim de o resgatar. Um dos chefes
árabes tentou dissuadi-lo, dizendo que não valia a pena, pois estava escrito
que tinha chegado a sua hora e nada poderia salvá-lo. Mas Lawrence fez o que
desejava e conseguiu resgatar o árabe perdido. Quando passou pelo chefe árabe,
mais morto do que vivo, murmurou: “Nada está escrito”. A triste ironia
do destino (seria determinismo?) foi quando o inglês soube, passados uns dias
sobre os acontecimentos acabados de descrever, que um árabe tinha roubado algo
a um membro da outra tribo, e o castigo tinha de ser a morte do ladrão por
alguém pertencente à outra tribo, o que seria suscetível desencadear um
processo recíproco e sucessivo de vingança entre as duas tribos. Para o
evitar, Laurence prontificou-se a executar o ladrão. Só soube quem era no
momento em que ia matá-lo – era tão-só o árabe que ele tinha
salvo dias antes. O Homem pensa, pode
decidir sozinho, pelo que não será fácil sustentar que as acções humanas são
reflexo da vontade divina, mesmo estando-se perante um Deus omnipotente. Aliás,
como comentário a um post recente teu, transcrevi umas linhas dum livro do Papa
João Paulo II em que ele enfatizava que o homem pode decidir sozinho, sem
Deus, o que é bom e o que é mau. Outro tipo de
determinismo – o histórico – foi também desmentido pela realidade.
Quanto à pergunta que fazes, Henrique, talvez o
Patriarca esteja a dar graças a Deus, por a Igreja não perfilhar actualmente o
determinismo religioso. Assim, é possível imputar os actos malignos
exclusivamente aos agentes humanos. Abraço.
Carlos Traguelho
António Justo 04.04.2022 10:02:
Muito oportuno texto! De facto essa
dicotomia com a aposta no livre arbítrio (dignidade da pessoa humana) é o foco
do desenvolvimento humano e das nações e que torna os fundamentos católicos
como estrutura base da cultura ocidental e ao mesmo como orientação para a
História em geral!
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