Mecanização, robotização e mais sinónimos,
foi sempre o que me pareceu, para justificar tanta submissão a ideais que
parecem de justiça e são de puro ódio, mecanizado a esmo, de tão interiorizado. Em
“Tempos Modernos”, Charlot bem exprimiu a mecanização – dos gestos,
não dos sentimentos – no seu trabalho, em extraordinária cena de atarraxador de
roscas, na sua fábrica, e nem admira que, ao sair dela, já na rua, fosse atrás
dos botões da senhora, para lhos atarraxar, como se roscas fossem, e foi essa a
imagem que me acudiu, ao ler o descritivo poderoso de Paulo Tunhas, a respeito do PC de cá, espécie de
robot atarraxador de botões, por confusão nas ideias. Todavia, acabei de ouvir
o “Bolero de Ravel”, no Youtube, para me lavar do inferno que sofre o povo
ucraniano, que vamos vivendo à distância, em revolta inútil. E o Bolero, que
começa surdamente, com uma primeira flauta, vai progressivamente num crescendo
de instrumentos musicais vários, de extraordinário efeito que nos trespassa o
corpo e a alma. E essa palavra trespasse, me fez comparar delicadamente o PC
com o Bolero, embora a música daquele seja outra, mas a sua repercussão mais
extraordinária ainda, nos efeitos arrasadores do PC de lá, que não incomodam o
de cá, e, pelo contrário, lhe dão mesmo orgulho e justificações, que passam
pela responsabilização do ocidente europeu e americano nessa coisa do
arrasamento da Ucrânia. Foi assim o PC de cá, começando pelo instrumento de
sopro, meio arrepanhado do nosso primeiro espécime ilustre, que para a Rússia
se pisgou, em parte a nado, lá de Peniche, mas voltou em propício tempo, e cuja
acção – e entoação discursiva cautelosamente virulenta - se repercutiu, como
rosca ou cunha que se enterrou por cá, nos discursos erosivos de idêntica entoação
contida, dos seus continuadores … Mas leiamos antes Paulo Tunhas, cuja
análise é de racionalidade, pesquisa e seriedade. Sem música de nenhuma
espécie, que o caso a não merece.
O solipsismo colectivo do PCP
Este amor pela conquista do poder,
saudoso da velha virilidade bolchevique, que desprezava os bons sentimentos,
como Lenine aconselhava, manifesta-se também caseiramente.
PAULO TUNHAS
OBSERVADOR, 28
abr 2022, 00:1930
Há coisas que não nos deveriam em caso algum
surpreender, porque intelectualmente estamos preparados para elas, e que, no
entanto, nos surpreendem sempre um bocadinho quando acontecem. Sabemos, por
exemplo, que um louco é louco. Mas, face a um particular acto de loucura,
encontramo-nos subitamente desprevenidos. A distância entre a expectativa
mental e a reacção emocional adquire proporções inesperadas. Convém
vivamente, nestes casos, pôr as coisas na ordem. Quer dizer, proceder à
rememoração das causas passadas das nossas expectativas mentais e
perceber que elas são perfeitamente compatíveis com a situação presente que
nos provoca alguma surpresa. Mais: que a situação presente quase delas
perfeitamente se deduz.
Vem isto, é claro, a propósito do PCP e da sua actual
posição face à invasão russa da Ucrânia. Muita gente proclamou o seu desmesurado espanto com
o facto de o PC adoptar como boa a interpretação russa dos acontecimentos e insistir
que os principais fautores da guerra são os Estados Unidos e a NATO, que não
passa de um seu braço armado. A própria palavra “invasão” queima os
lábios e Jerónimo de Sousa – muito debilitado, é verdade – contorce-se para
a evitar, permitindo-se apenas falar de “guerra”, e mesmo isto fazendo remontar
a sua existência ao ano de 2014, deixando entender que a culpa da dita
guerra cabe aos ucranianos pelos conflitos no Donbass. A líder
parlamentar do PC, Paula Santos, diz, como não podia deixar de dizer, o
mesmo. As sanções contra a Rússia e a cedência de armamento à Ucrânia
representam o imperialismo em acção, num novo episódio da sua constante luta
contra a paz, que desta vez se acompanha de um “pensamento único” engendrando
uma “nova censura” e constantes “tentativas de intimidação”. Citei dois
comunistas. Mas poderia acrescentar outros: Miguel Tiago e António Filipe,
por exemplo. Mais: poderia – e isso é que é verdadeiramente interessante –
citar todos sem excepção. Como se o PC possuísse uma única cabeça, uma
mónada psíquica colectiva, que por todos pensa e cuja coerência pétrea se
exprime numa linguagem invariável e inflexível, sem interstícios por onde entre
a sombra de um pensamento que não esteja pré-programado desde o início.
Foi sempre assim, admito que com ligeiras variações que
cabe aos historiadores estudar. Tomemos, por exemplo, a negação da invasão russa e do
carácter voluntário desta. O PC passou toda a sua história a negar a existência
do Gulag na defunta U.R.S.S. Ainda não há tanto tempo assim, a ex-deputada Rita
Rato, agora directora, por ironia e amizade do PS, do Museu do Aljube,
pretextava falta de informação sobre o assunto para não se pronunciar na
matéria. Bernardino Soares não via nenhum sinal óbvio de totalitarismo no
regime da Coreia do Norte. Digam-me o nome de um comunista e eu responderei
imediatamente com a lista de vários factos históricos indubitáveis que ele
passou toda a sua vida a negar. Em tempos em que a palavra “negacionismo” anda
na boca de tanta gente, é surpreendente que o PC não se torne num caso de
estudo privilegiado.
O PCP acompanha Putin na denúncia da natureza nazi do
presente regime ucraniano. Nada de novo também aqui. O PC sempre usou a
palavra “fascista” com uma extraordinária liberalidade. Do PS para a
direita ninguém lhe escapou. E, à sua esquerda, os “aliados objectivos” do
fascismo eram todos e mais alguns. Perguntem a quem andou pela
extrema-esquerda nos anos 70, logo a seguir ao 25 de Abril. Na altura, o PC
gozava de um estatuto autónomo face à extrema-esquerda: dizia-se “o PC e a
extrema-esquerda”. Esta última, sobretudo a maoista, definia-se também
contra o PC (os trotskistas, pelo seu lado, sonhavam ainda em servir de
força casamenteira entre o PC e o PS, um casamento que os guindaria ao
invejável estatuto de guias espirituais da revolução, através, por exemplo, da
chamada técnica do “entrismo” – no PS francês, o caso mais célebre foi o de Lionel
Jospin). Mas, fosse qual fosse a pinta do esquerdismo, ele era aliado objectivo do
fascismo. Resumindo: toda a gente era fascista em Portugal fora do PC. Qual a
surpresa de, por estes dias, os ucranianos serem, aos seus olhos, nazis?
O PC continua a celebrar a “revolução russa” de
Outubro de 1917 como o maior acontecimento da história da humanidade, porque
daí data o nascimento do “Sol da Terra”, para usar as palavras célebres de
Álvaro Cunhal. Hoje em dia, o Sol murchou e o PC assegura-nos que a Rússia
se transformou num regime capitalista. Algo, no entanto, sobrevive do velho
amor, e não é apenas o anti-americanismo que mobiliza as paixões. É difícil
esquecer o lugar e o tempo em que fomos felizes e há uma velha chama que ainda
arde e aquece o coração neste presente inóspito, mesmo que ela tenha a forma de
Putin. Simplesmente, esta doce história repousa numa mentira fundadora.
Não houve revolução alguma em Outubro de 1917. Houve uma, efectivamente, em Fevereiro desse ano – que foi destruída pelo putsch bolchevique de Outubro, que
mergulhou a Rússia num dos mais gélidos universos totalitários de que há
memória. Como Max Weber previu, a partir do ambiente sentido em 1919, “não é o florir do Verão que nos espera, mas,
antes de tudo, uma noite polar, glacial,
sombria e rude. Com efeito, aí onde nada
existe, não foi unicamente o
imperador, mas também o proletário, que perdeu os seus direitos. E, quando esta noite lentamente se dissipar, quantos viverão ainda, de
todos aqueles que viveram a actual Primavera, de rosto tão opulento?”. Weber, segundo o relato por
Karl Jaspers de uma tempestuosa conversa num café de Viena entre Weber e
Schumpeter, via Outubro como conduzindo a “uma miséria humana sem equivalente e a uma terrível catástrofe”.
Com um erro tão duradouro carregado às costas, com a participação na maior
impostura histórica do século XX, como não perceber a consequência quase
lógica, embora superficialmente paradoxal, do afecto do PC por Putin?
Este amor pela conquista do poder, saudoso da velha
virilidade bolchevique, que desprezava os bons sentimentos, como Lenine
aconselhava, e cuja última exótica encarnação foi Che Guevara, manifesta-se
também caseiramente. Assim, quando o PC celebra o 25 de Abril – com um pezinho de dança
poético: “viver Abril”, “respirar Abril”, etc. –, não é verdadeiramente
celebrada a liberdade que o 25 de Abril propriamente dito, na sua híbrida
génese, e quase involuntariamente, nos trouxe e que é uma causa justa da
celebração da maioria dos portugueses. A liberdade que o 25 de Novembro de
1975 repôs no centro da nossa vida política. É sim aquilo que se lhe
seguiu: o chamado PREC, isto é, a tentativa, felizmente frustrada, de instaurar uma
ditadura comunista em Portugal. É o “processo revolucionário em curso”, o PREC, não o 25 de
Abril, que os comunistas, como um todo, celebram: celebram, mais uma vez naquela
linguagem que julgam poética, “o Abril que falta cumprir”. E tal é a diferença entre as
duas celebrações que, num mundo ideal, elas deveriam ser objecto de distintas
comemorações por distintas pessoas, a bem do pluralismo democrático.
Dir-me-ão que, particularmente no que respeita à
invasão da Ucrânia, o PC não está sozinho aqui. É verdade. Várias
criaturas, em abaixo-assinados ou a título de opinião individual, publicada ou
não, andam muito perto da posição do PC. Ao ponto de, de uma maneira que não me lembro de
antes ter presenciado, as posições de certa extrema-esquerda e de certa
extrema-direita serem, para todos os efeitos, indistinguíveis.
Mas o caso do PC é de longe o mais interessante. E isso por uma razão que
brevemente indiquei antes. Essa razão é que o PC funciona, no seu todo, como um
autómato, uma espécie de mónada
psíquica sem portas nem janelas por onde entre algo do mundo. E, como
nenhuma harmonia pré-estabelecida organiza uma correspondência do seu ponto de
vista com o conjunto dos outros pontos de vista sobre este mundo, tudo aquilo a
que temos direito é a uma forma de solipsismo colectivo que persiste numa
actividade pré-programada necessária, onde tudo se sucede sem frincha por onde
entre a reflexão e a liberdade. No fundo, os que a eles se opõem ou os contradizem não
passam de sombras irreais. Por mais que se dotem da aparência da realidade, são
uma realidade falsa, sem pensamento – o que a história, pensam os comunistas,
se encarregará de demonstrar. E esta convicção não esmorece face à ameaça do
seu próprio desaparecimento. Pelo contrário, fortifica-se, com a força toda do
desespero.
Sempre foi assim. Sempre teve, aparentemente, de ser
assim. A um regime de mentira permanente, respondem, para o servir, com a prática
da cegueira permanente. É nisto que temos de pensar quando cedemos à tentação humana da surpresa.
Não há, de facto, motivo para que a ela cedamos.
POLÍTICA VLADIMIR
PUTIN RÚSSIA MUNDO COMUNISMO
COMENTÁRIOS
João Alves: Quanto
a mim, está a aparecer, insidiosamente, um movimento de ‘compreensão’ e de
‘convivência’ com os objectivos geoestratégicos do imperialismo de Putin. O PCP
situa-se explicitamente nesse movimento, como explica Paulo Tunhas.
Implicitamente, conformam-se com esse movimento os comentadores, militares e
civis, que aplicam a estratégia de desinformação russa de aterrorizar as
opiniões públicas ocidentais com as ameaças de uma guerra nuclear, para
desmoronar o apoio unânime à luta do povo ucraniano. O facto do PM e o
governo não terem aplaudido, inexplicavelmente, o discurso de Zelensky na AR,
quando todos os presentes o fizeram, também pode não augurar nada de bom.
Será que o PM estará a cultivar uma imagem europeia no caso de uma vitória de
Putin nesta luta contra a NATO, por interposta Ucrânia? Do ponto de vista do PCP, o PREC foi
apenas uma aparente tentativa de instaurar um regime comunista em Portugal, para
distrair as atenções do povo português do objectivo que Moscovo lhe tinha
imposto de orientar a descolonização de modo a satisfazer os interesses da URSS
em África, o que efectivamente aconteceu. Instaurar um regime comunista em
Portugal em 1974/75 não era compatível com a divisão da Europa em duas esferas
de influência que estava a ser formalizada, finalmente e por iniciativa da
diplomacia soviética, na Conferência de Helsínquia, que decorreu durante esses
anos e que terminou com as assinaturas das Actas de Helsínquia. Por isso, o 25
de Novembro não foi um golpe contra o PCP, mas uma acção militar congeminada
pelo próprio PCP e por sectores do Grupo dos Nove para, aparentemente, travar o
ímpeto revolucionário daquele partido, e assim salvar a sua face em relação aos
seus militantes, que enganosamente mobilizara para atingir esse fim, e derrotar
a extrema-esquerda, civil e militar, que essa sim, sonhava com esse objectivo. Tanto assim é que o 25 de Novembro só ocorreu
dias após a última independência se concretizar, a de Moçambique. David: O comunismo não é um sistema: é um
dogmatismo sem sistema — o dogmatismo informe da brutalidade e da dissolução.
Se o que há de lixo moral e mental em todos os cérebros pudesse ser varrido
e reunido, e com ele se formar uma figura gigantesca, tal seria a figura do
comunismo, inimigo supremo da liberdade e da humanidade, como o é tudo quanto
dorme nos baixos instintos que se escondem em cada um de nós. O comunismo não é
uma doutrina porque é uma antidoutrina, ou uma contradoutrina. Tudo quanto o
homem tem conquistado, até hoje, de espiritualidade moral e mental — isto é de
civilização e de cultura —, tudo isso ele inverte para formar a doutrina que
não tem. Fernando Pessoa, in 'Ideias
Filosóficas'
Mario Guimaraes: Não
vale a pena bater no ceguinho. O PC está em extinção e em processo de suicídio
na praça pública.
josé maria: É sempre oportuno relembrar o solipsismo
existencial e o relativismo ético de Paulo Tunhas: As forças de Israel fazem
todo o possível para reduzir ao mínimo a morte de civis (um acto de crença que
se encontra bem justificado pela história passada) Paulo Tunhas, Observador, 30/7/2014: Este amor pela hipocrisia filosófica, saudoso da velha
virilidade bolchevique, que desprezava os bons sentimentos, como Lenine
aconselhava, manifesta-se também caseiramente e Paulo Tunhas é o seu profeta...
Como são elevados e superiores os bons sentimentos do colunista pelos
guetizados da faixa de Gaza ou os martirizados de Aleppo... Hipo Tanso: Os artigos de Paulo Tunhas enobrecem o
Observador. E o Observador bem precisa, pois a qualidade da informação prestada
nem sempre satisfaz o nível a que estávamos habituados. E nem é bom falar no
desprezo com que certos escribas tratam a língua portuguesa. Fernando Prata: Excelente artigo Eduardo Manuel Sá Gouveia > Utilizador Removido: Senhor Alberto: O doutor António Costa
está talhado para um futuro brilhante, talvez até como monarca, se Portugal
deixar de ser uma república ou se unir a Espanha, desde que 1640 seja
esquecido. Trata-se de uma personalidade com uma elevação moral que não
encontra paralelo na actual geração de líderes europeus nem em qualquer outra,
diga-se de passagem: um homem incapaz de jogos de bastidores, de sabujices ou
trapaças, que tem apenas um objetivo na vida - desprezar os bens materiais e
servir o povo português. Até a escrever e a falar nos dá bons exemplos de como
tratar bem a língua portuguesa, com a sua dicção perfeita e total ausência de
pontapés na gramática.
Hipo Tanso > Eduardo Manuel Sá Gouveia: Gostei muito do seu comentário. Um primor
de ironia.
Luis MartinsEduardo Manuel Sá Gouveia: Dr Costa canonizado já! Dr Costa é um
homem santo uma espécie de Gandhi português. Aleluia, aleluia por termos tido
tão nobre homem no nosso caminho! HERMES: Eu votarei sempre no partido que mais
aberta e frontalmente ataque o fascismo-Comunista e o PCP, seu herdeiro natural
aqui na parvónia.
Cisca Impllit: Para quem julga difícil perceber o estado das coisas -
é ler tranquilamente este texto De Paulo Tunhas. Culto, mas fácil de entender! bento guerra: O PCP tem uma história e vive disso. Agora
decadente, não vale a pena bater mais o bombo, para encher uma página Cisca Impllit > bento guerra: Decadente, decadente mas alcandorou o
Costa, e este já de picareta na mão a derrubar muros!!! Mas, mutatis mutandis, aplica-se,
abrangentemente, a quem subsuma o tipo! Luis Martins > bento guerra: Mas mesmo decadente, continua a ter um
poder graças à CGTP que atormenta qualquer governo. Costa teve a sorte de os
ter colocado na geringonça (e nós um enorme azar com isso), pois tal levou a
que praticamente nunca houvesse uma única manif contra o desgoverno do campeão
da propaganda e trafulhice (imagino a badernaria que teria sido se fosse um
governo de direita a lançar tanta palha para dar de comer a carneiros, eram
manifs em loop). Agora o jackpot saiu novamente ao Costa pois o PCP com esta
situação da guerra na Ucrânia tem-se fragilizado e acaba por se
auto-condicionar.
Andrade QB: A perda do direito à individualidade seguida da perda
de identidade de cada um em que o comunismo se alicerça é, de facto a sua
característica distintiva face aos outros grupos de extrema-esquerda ou da
extrema direita. Com isso, o direito do colectivo persegue até à morte todos os
que entende como infiéis e que são todos os que não estejam, a bem ou a mal,
acomodados no colectivo. Não é por acaso que as purgas nos partidos comunistas
são frequentes, nem os assassinatos. O comunismo é algo pra temer e para
combater. Luis Martins > Andrade QB: O comunismo (na verdade em vários estados não se
passou do socialismo que é um caminho para se alcançar o comunismo) é
"só" a corrente política que mais mortes e miséria provocou no mundo.
Se o fascismo tem de ser (e bem) combatido, a verdade é que o comunismo também
o tem de ser pois não é nem nunca foi melhor que ele. Duas correntes políticas
absolutamente horrorosas.
José Tomás: Excelente, como sempre. Apenas não partilho a surpresa
do autor com "as posições de certa extrema-esquerda e de certa
extrema-direita serem, para todos os efeitos, indistinguíveis", pois, se
há coisas que os une são o anti-americanismo (pois os EUA são o berço das
ideias liberais, que ambos combatem, e qualquer salazarista lhe dirá que os
EUA, mais do que a URSS, foram o factor decisivo, quer na eclosão da guerra
colonial, quer na queda do "antigo regime") e o culto da força (e não
há maior personificação de caudilho nacionalista que Putin). Fabio Oliveira > José Tomás: A URSS foi o grande instigador das guerras
coloniais, a portuguesa como as outras, mas isso não impediu os EUA de
apanharem uma boleia hipócrita para fazerem os seus joguinhos de geo-política
económica armando terroristas em Angola, como Holden Roberto, inclusive as
comunicações do seu departamento de estado manifestavam na altura preocupações
com as reacções dos seus aliados em caso de descoberta destas manobras,
aconselhando os seus agentes em África a disfarçar melhor sem contudo deixar
que a delicadeza da situação afectasse os seus interesses locais. José Tomás > Fabio Oliveira: Certamente. E dado que os EUA eram vistos
como "aliados" de Portugal (e eram-no, na NATO), naturalmente o
rancor que a sua actuação causou junto dos adeptos do "antigo regime"
- e que persiste, é só ler os (estimáveis) artigos, neste jornal, de Jaime
Nogueira Pinto - é muito maior do que aquele que a URSS, que era declarada
inimiga. E acresce que seja Humberto Delgado, seja Botelho Moniz (golpe de 61),
seja Costa Gomes tiveram as suas "epifanias democráticas" pela mão de
Washington e não de Moscovo.
Fabio Oliveira > José Tomás: Penso que é natural odiar mais alguém que
se diz amigo e nos trai descaradamente do que alguém que sabemos que nos odeia.
Desde que Nixon chegou à presidência dos EUA, coincidindo com o acidente que
colocou Salazar na reforma, que os EUA passaram a olhar com desconfiança para o
governo português. Mas de facto a interferência já vinha de trás. José Tomás > Fabio Oliveira: Ser amigo de Portugal não era
necessariamente ser amigo do "antigo regime". E Kennedy, em especial,
não era nada amigo do "antigo regime". Tendo em conta o modo como a
história se desenrolou - que vejo como uma inevitabilidade, dado o
"bloqueio" do regime face ao evoluir das mentalidades nos anos 60 -
creio que os receios americanos tinham razão de ser. Sem uma evolução política
(que, claro, também teria enormes riscos), o colapso brusco era inevitável, e
determinaria a perda de Angola e Moçambique para a esfera soviética, apesar da
escassa relevância militar e social (em especial em Angola) dos movimentos
marxistas de libertação. Por isso, parece-me desajustado o "rancor"
aos EUA (ou à URSS, ou aos "capitães"), pois, a meu ver, o "antigo
regime" caiu por "culpa" inteiramente própria. Jose Oliveira: Caro
dr. Tunhas Bom texto. Apenas uma sugestão de quem o lê: Dê preferência a
análises sobre coisas sérias e não dê tanta importância a grupos socialmente
marginais (6 em 230) tipo "PCP", que acabam por ir desfrutando de
palco sempre que o nome deles é referido aqui ou ali. Vai mantendo no
imaginário "colectivo" a ideia errada de que eles ainda representam
ou valem alguma coisa. Ora nem uma coisa, nem outra. Cordialmente. Dr. Feelgood: " SoliPSismos " à parte, alembrei-me de
repentemente dos solilóquios em solidão sozinha. E assim se
cristalizam.........Agora mais a sério: - quando o partido cãomunista se evaporar
faço outro 25 d'Abril de regresso a 24. A Bem da Nação. Carlos Quartel: Espero que muita gente leia e aprenda.
Perfeitamente caracterizado o PCP, o seu funcionamento, e o seu sonho. A
realidade não é para ali chamada, a narrativa está escrita, é só debitá-la. Não
está muito longe de uma religião, com os seus dogmas, que não se discutem, por
não estarem ao nosso alcance. Talvez lhe tenha faltado um elemento importante:
O PC é russo, sempre foi russo, os seus militantes são russos. Numa qualquer
guerra que tivéssemos com a Rússia, eles saberiam muito bem o lugar onde deviam
estar. Mais vincado quando mais velhos, mas este sentimento é abrangente. Por
isso, de facto, esta posição nada tem de surpreendente, o mal está
identificado, O capital, os americanos, a liberdade, a discordância sem
censura, o pluralismo, a alternância, tudo isso forma um pacote insuportável. Pobre Portugal: “no que respeita à invasão da Ucrânia, o PC
não está sozinho aqui.” Pois não. Todo o BE e parte do PS pensa como o PCP. Porque
é que ignora isso? Por ser demasiado terrível?! Zeca Demo > Pobre Portugal: Acrescente a essa corja, muitos apoiantes
do Chega, alguns dos quais apoiam descaradamente Putin, nestas caixas de
comentários. Paulo
Silva: Caro Paulo Tunhas, e o
PCP assina, ‘Orgulhosamente Nós’. Quando
Chávez assomou ao poder o insuspeito Bolsonaro disse que ele seria uma
esperança para a América Latina, e que gostaria que o seu pensamento chegasse
ao Brasil. Quando lhe chamaram a atenção de que era apoiado pelos comunistas
respondeu que não era anti-comunista, e que não havia nada mais parecido com o
comunismo do que o meio militar. Tinha toda a razão. Serve este curioso
episódio para vincar o unanimismo dos comunistas, qual corpo do exército às
ordens do seu General porque, como Lenine preconizava, equiparam a Política à
Arte Militar. Por isso também não eram de estranhar expressões belicosas e
belicistas como: “inimigo do povo”, “luta de classes”, “correlação de forças”,
“guerra de posição”, “guerra de movimento”, etc. Tudo isto parece entrar em
contradição com as retóricas da Paz da tradição da Esquerda clássica. Sim, é
verdade, tanto que hoje entraram um pouco em desuso, mas as contradições são o
motor e o combustível da Dialéctica, e essas podem continuar lá, veladas. Estão
na capacidade dos comunistas fazerem discursos completamente alheados da
realidade usando significantes que conhecemos bem, ‘Liberdade’, ‘Democracia’,
‘Paz’, mas cujos caminhos para os significados nos perdem da verdade... Uma
novi-língua. Parafraseando a resposta a Jesus Cristo de um possesso por um
demónio colectivo:“O meu nome é
Legião, porque somos muitos.” E é Religião, porque acreditam muito.
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