sexta-feira, 29 de abril de 2022

Programação

 

Mecanização, robotização e mais sinónimos, foi sempre o que me pareceu, para justificar tanta submissão a ideais que parecem de justiça e são de puro ódio, mecanizado a esmo, de tão interiorizado. Em “Tempos Modernos”, Charlot bem exprimiu a mecanização – dos gestos, não dos sentimentos – no seu trabalho, em extraordinária cena de atarraxador de roscas, na sua fábrica, e nem admira que, ao sair dela, já na rua, fosse atrás dos botões da senhora, para lhos atarraxar, como se roscas fossem, e foi essa a imagem que me acudiu, ao ler o descritivo poderoso de Paulo Tunhas, a respeito do PC de cá, espécie de robot atarraxador de botões, por confusão nas ideias. Todavia, acabei de ouvir o “Bolero de Ravel”, no Youtube, para me lavar do inferno que sofre o povo ucraniano, que vamos vivendo à distância, em revolta inútil. E o Bolero, que começa surdamente, com uma primeira flauta, vai progressivamente num crescendo de instrumentos musicais vários, de extraordinário efeito que nos trespassa o corpo e a alma. E essa palavra trespasse, me fez comparar delicadamente o PC com o Bolero, embora a música daquele seja outra, mas a sua repercussão mais extraordinária ainda, nos efeitos arrasadores do PC de lá, que não incomodam o de cá, e, pelo contrário, lhe dão mesmo orgulho e justificações, que passam pela responsabilização do ocidente europeu e americano nessa coisa do arrasamento da Ucrânia. Foi assim o PC de cá, começando pelo instrumento de sopro, meio arrepanhado do nosso primeiro espécime ilustre, que para a Rússia se pisgou, em parte a nado, lá de Peniche, mas voltou em propício tempo, e cuja acção – e entoação discursiva cautelosamente virulenta - se repercutiu, como rosca ou cunha que se enterrou por cá, nos discursos erosivos de idêntica entoação contida, dos seus continuadores … Mas leiamos antes Paulo Tunhas, cuja análise é de racionalidade, pesquisa e seriedade. Sem música de nenhuma espécie, que o caso a não merece.

O solipsismo colectivo do PCP

Este amor pela conquista do poder, saudoso da velha virilidade bolchevique, que desprezava os bons sentimentos, como Lenine aconselhava, manifesta-se também caseiramente.

PAULO TUNHAS

OBSERVADOR, 28 abr 2022, 00:1930

Há coisas que não nos deveriam em caso algum surpreender, porque intelectualmente estamos preparados para elas, e que, no entanto, nos surpreendem sempre um bocadinho quando acontecem. Sabemos, por exemplo, que um louco é louco. Mas, face a um particular acto de loucura, encontramo-nos subitamente desprevenidos. A distância entre a expectativa mental e a reacção emocional adquire proporções inesperadas. Convém vivamente, nestes casos, pôr as coisas na ordem. Quer dizer, proceder à rememoração das causas passadas das nossas expectativas mentais e perceber que elas são perfeitamente compatíveis com a situação presente que nos provoca alguma surpresa. Mais: que a situação presente quase delas perfeitamente se deduz.

Vem isto, é claro, a propósito do PCP e da sua actual posição face à invasão russa da Ucrânia. Muita gente proclamou o seu desmesurado espanto com o facto de o PC adoptar como boa a interpretação russa dos acontecimentos e insistir que os principais fautores da guerra são os Estados Unidos e a NATO, que não passa de um seu braço armado. A própria palavra “invasão” queima os lábios e Jerónimo de Sousa – muito debilitado, é verdade – contorce-se para a evitar, permitindo-se apenas falar de “guerra”, e mesmo isto fazendo remontar a sua existência ao ano de 2014, deixando entender que a culpa da dita guerra cabe aos ucranianos pelos conflitos no Donbass. A líder parlamentar do PC, Paula Santos, diz, como não podia deixar de dizer, o mesmo. As sanções contra a Rússia e a cedência de armamento à Ucrânia representam o imperialismo em acção, num novo episódio da sua constante luta contra a paz, que desta vez se acompanha de um “pensamento único” engendrando uma “nova censura” e constantes “tentativas de intimidação”. Citei dois comunistas. Mas poderia acrescentar outros: Miguel Tiago e António Filipe, por exemplo. Mais: poderia – e isso é que é verdadeiramente interessante – citar todos sem excepção. Como se o PC possuísse uma única cabeça, uma mónada psíquica colectiva, que por todos pensa e cuja coerência pétrea se exprime numa linguagem invariável e inflexível, sem interstícios por onde entre a sombra de um pensamento que não esteja pré-programado desde o início.

Foi sempre assim, admito que com ligeiras variações que cabe aos historiadores estudar. Tomemos, por exemplo, a negação da invasão russa e do carácter voluntário desta. O PC passou toda a sua história a negar a existência do Gulag na defunta U.R.S.S. Ainda não há tanto tempo assim, a ex-deputada Rita Rato, agora directora, por ironia e amizade do PS, do Museu do Aljube, pretextava falta de informação sobre o assunto para não se pronunciar na matéria. Bernardino Soares não via nenhum sinal óbvio de totalitarismo no regime da Coreia do Norte. Digam-me o nome de um comunista e eu responderei imediatamente com a lista de vários factos históricos indubitáveis que ele passou toda a sua vida a negar. Em tempos em que a palavra “negacionismo” anda na boca de tanta gente, é surpreendente que o PC não se torne num caso de estudo privilegiado.

O PCP acompanha Putin na denúncia da natureza nazi do presente regime ucraniano. Nada de novo também aqui. O PC sempre usou a palavra “fascista” com uma extraordinária liberalidade. Do PS para a direita ninguém lhe escapou. E, à sua esquerda, os “aliados objectivos” do fascismo eram todos e mais alguns. Perguntem a quem andou pela extrema-esquerda nos anos 70, logo a seguir ao 25 de Abril. Na altura, o PC gozava de um estatuto autónomo face à extrema-esquerda: dizia-se “o PC e a extrema-esquerda”. Esta última, sobretudo a maoista, definia-se também contra o PC (os trotskistas, pelo seu lado, sonhavam ainda em servir de força casamenteira entre o PC e o PS, um casamento que os guindaria ao invejável estatuto de guias espirituais da revolução, através, por exemplo, da chamada técnica do “entrismo” – no PS francês, o caso mais célebre foi o de Lionel Jospin). Mas, fosse qual fosse a pinta do esquerdismo, ele era aliado objectivo do fascismo. Resumindo: toda a gente era fascista em Portugal fora do PC. Qual a surpresa de, por estes dias, os ucranianos serem, aos seus olhos, nazis?

O PC continua a celebrar a “revolução russa” de Outubro de 1917 como o maior acontecimento da história da humanidade, porque daí data o nascimento do “Sol da Terra”, para usar as palavras célebres de Álvaro Cunhal. Hoje em dia, o Sol murchou e o PC assegura-nos que a Rússia se transformou num regime capitalista. Algo, no entanto, sobrevive do velho amor, e não é apenas o anti-americanismo que mobiliza as paixões. É difícil esquecer o lugar e o tempo em que fomos felizes e há uma velha chama que ainda arde e aquece o coração neste presente inóspito, mesmo que ela tenha a forma de Putin. Simplesmente, esta doce história repousa numa mentira fundadora. Não houve revolução alguma em Outubro de 1917. Houve uma, efectivamente, em Fevereiro desse ano – que foi destruída pelo putsch bolchevique de Outubro, que mergulhou a Rússia num dos mais gélidos universos totalitários de que há memória. Como Max Weber previu, a partir do ambiente sentido em 1919, “não é o florir do Verão que nos espera, mas, antes de tudo, uma noite polar, glacial, sombria e rude. Com efeito, aí onde nada existe, não foi unicamente o imperador, mas também o proletário, que perdeu os seus direitos. E, quando esta noite lentamente se dissipar, quantos viverão ainda, de todos aqueles que viveram a actual Primavera, de rosto tão opulento?”. Weber, segundo o relato por Karl Jaspers de uma tempestuosa conversa num café de Viena entre Weber e Schumpeter, via Outubro como conduzindo a “uma miséria humana sem equivalente e a uma terrível catástrofe”. Com um erro tão duradouro carregado às costas, com a participação na maior impostura histórica do século XX, como não perceber a consequência quase lógica, embora superficialmente paradoxal, do afecto do PC por Putin?

Este amor pela conquista do poder, saudoso da velha virilidade bolchevique, que desprezava os bons sentimentos, como Lenine aconselhava, e cuja última exótica encarnação foi Che Guevara, manifesta-se também caseiramente. Assim, quando o PC celebra o 25 de Abril – com um pezinho de dança poético: “viver Abril”, “respirar Abril”, etc. –, não é verdadeiramente celebrada a liberdade que o 25 de Abril propriamente dito, na sua híbrida génese, e quase involuntariamente, nos trouxe e que é uma causa justa da celebração da maioria dos portugueses. A liberdade que o 25 de Novembro de 1975 repôs no centro da nossa vida política. É sim aquilo que se lhe seguiu: o chamado PREC, isto é, a tentativa, felizmente frustrada, de instaurar uma ditadura comunista em Portugal. É o “processo revolucionário em curso”, o PREC, não o 25 de Abril, que os comunistas, como um todo, celebram: celebram, mais uma vez naquela linguagem que julgam poética, “o Abril que falta cumprir”. E tal é a diferença entre as duas celebrações que, num mundo ideal, elas deveriam ser objecto de distintas comemorações por distintas pessoas, a bem do pluralismo democrático.

Dir-me-ão que, particularmente no que respeita à invasão da Ucrânia, o PC não está sozinho aqui. É verdade. Várias criaturas, em abaixo-assinados ou a título de opinião individual, publicada ou não, andam muito perto da posição do PC. Ao ponto de, de uma maneira que não me lembro de antes ter presenciado, as posições de certa extrema-esquerda e de certa extrema-direita serem, para todos os efeitos, indistinguíveis.

Mas o caso do PC é de longe o mais interessante. E isso por uma razão que brevemente indiquei antes. Essa razão é que o PC funciona, no seu todo, como um autómato, uma espécie de mónada psíquica sem portas nem janelas por onde entre algo do mundo. E, como nenhuma harmonia pré-estabelecida organiza uma correspondência do seu ponto de vista com o conjunto dos outros pontos de vista sobre este mundo, tudo aquilo a que temos direito é a uma forma de solipsismo colectivo que persiste numa actividade pré-programada necessária, onde tudo se sucede sem frincha por onde entre a reflexão e a liberdade. No fundo, os que a eles se opõem ou os contradizem não passam de sombras irreais. Por mais que se dotem da aparência da realidade, são uma realidade falsa, sem pensamento – o que a história, pensam os comunistas, se encarregará de demonstrar. E esta convicção não esmorece face à ameaça do seu próprio desaparecimento. Pelo contrário, fortifica-se, com a força toda do desespero.

Sempre foi assim. Sempre teve, aparentemente, de ser assim. A um regime de mentira permanente, respondem, para o servir, com a prática da cegueira permanente. É nisto que temos de pensar quando cedemos à tentação humana da surpresa. Não há, de facto, motivo para que a ela cedamos.

POLÍTICA  VLADIMIR PUTIN  RÚSSIA  MUNDO  COMUNISMO

COMENTÁRIOS

João Alves: Quanto a mim, está a aparecer, insidiosamente, um movimento de ‘compreensão’ e de ‘convivência’ com os objectivos geoestratégicos do imperialismo de Putin. O PCP situa-se explicitamente nesse movimento, como explica Paulo Tunhas. Implicitamente, conformam-se com esse movimento os comentadores, militares e civis, que aplicam a estratégia de desinformação russa de aterrorizar as opiniões públicas ocidentais com as ameaças de uma guerra nuclear, para desmoronar o apoio unânime à luta do povo ucraniano. O facto do PM e o governo não terem aplaudido, inexplicavelmente, o discurso de Zelensky na AR, quando todos os presentes o fizeram, também pode não augurar nada de bom. Será que o PM estará a cultivar uma imagem europeia no caso de uma vitória de Putin nesta luta contra a NATO, por interposta Ucrânia? Do ponto de vista do PCP, o PREC foi apenas uma aparente tentativa de instaurar um regime comunista em Portugal, para distrair as atenções do povo português do objectivo que Moscovo lhe tinha imposto de orientar a descolonização de modo a satisfazer os interesses da URSS em África, o que efectivamente aconteceu. Instaurar um regime comunista em Portugal em 1974/75 não era compatível com a divisão da Europa em duas esferas de influência que estava a ser formalizada, finalmente e por iniciativa da diplomacia soviética, na Conferência de Helsínquia, que decorreu durante esses anos e que terminou com as assinaturas das Actas de Helsínquia. Por isso, o 25 de Novembro não foi um golpe contra o PCP, mas uma acção militar congeminada pelo próprio PCP e por sectores do Grupo dos Nove para, aparentemente, travar o ímpeto revolucionário daquele partido, e assim salvar a sua face em relação aos seus militantes, que enganosamente mobilizara para atingir esse fim, e derrotar a extrema-esquerda, civil e militar, que essa sim, sonhava com esse objectivo. Tanto assim é que o 25 de Novembro só ocorreu dias após a última independência se concretizar, a de Moçambique.           David: O comunismo não é um sistema: é um dogmatismo sem sistema — o dogmatismo informe da brutalidade e da dissolução. Se o que há de lixo moral e mental em todos os cérebros pudesse ser varrido e reunido, e com ele se formar uma figura gigantesca, tal seria a figura do comunismo, inimigo supremo da liberdade e da humanidade, como o é tudo quanto dorme nos baixos instintos que se escondem em cada um de nós. O comunismo não é uma doutrina porque é uma antidoutrina, ou uma contradoutrina. Tudo quanto o homem tem conquistado, até hoje, de espiritualidade moral e mental — isto é de civilização e de cultura —, tudo isso ele inverte para formar a doutrina que não tem. Fernando Pessoa, in 'Ideias Filosóficas'             Mario Guimaraes: Não vale a pena bater no ceguinho. O PC está em extinção e em processo de suicídio na praça pública.               josé maria: É sempre oportuno relembrar o solipsismo existencial e o relativismo ético de Paulo Tunhas: As forças de Israel fazem todo o possível para reduzir ao mínimo a morte de civis (um acto de crença que se encontra bem justificado pela história passada) Paulo Tunhas, Observador, 30/7/2014: Este amor pela hipocrisia filosófica, saudoso da velha virilidade bolchevique, que desprezava os bons sentimentos, como Lenine aconselhava, manifesta-se também caseiramente e Paulo Tunhas é o seu profeta... Como são elevados e superiores os bons sentimentos do colunista pelos guetizados da faixa de Gaza ou os martirizados de Aleppo...            Hipo Tanso: Os artigos de Paulo Tunhas enobrecem o Observador. E o Observador bem precisa, pois a qualidade da informação prestada nem sempre satisfaz o nível a que estávamos habituados. E nem é bom falar no desprezo com que certos escribas tratam a língua portuguesa.             Fernando Prata: Excelente artigo      Eduardo Manuel Sá Gouveia > Utilizador Removido: Senhor Alberto: O doutor António Costa está talhado para um futuro brilhante, talvez até como monarca, se Portugal deixar de ser uma república ou se unir a Espanha, desde que 1640 seja esquecido. Trata-se de uma personalidade com uma elevação moral que não encontra paralelo na actual geração de líderes europeus nem em qualquer outra, diga-se de passagem: um homem incapaz de jogos de bastidores, de sabujices ou trapaças, que tem apenas um objetivo na vida - desprezar os bens materiais e servir o povo português. Até a escrever e a falar nos dá bons exemplos de como tratar bem a língua portuguesa, com a sua dicção perfeita e total ausência de pontapés na gramática.             Hipo Tanso > Eduardo Manuel Sá Gouveia: Gostei muito do seu comentário. Um primor de ironia.           Luis MartinsEduardo Manuel Sá Gouveia: Dr Costa canonizado já! Dr Costa é um homem santo uma espécie de Gandhi português. Aleluia, aleluia por termos tido tão nobre homem no nosso caminho!             HERMES: Eu votarei sempre no partido que mais aberta e frontalmente ataque o fascismo-Comunista e o PCP, seu herdeiro natural aqui na parvónia.           Cisca Impllit: Para quem julga difícil perceber o estado das coisas - é ler tranquilamente este texto De Paulo Tunhas. Culto, mas fácil de entender!           bento guerra: O PCP tem uma história e vive disso. Agora decadente, não vale a pena bater mais o bombo, para encher uma página           Cisca Impllit > bento guerra: Decadente, decadente mas alcandorou o Costa, e este já de picareta na mão a derrubar muros!!! Mas, mutatis mutandis, aplica-se, abrangentemente, a quem subsuma o tipo!          Luis Martins > bento guerra: Mas mesmo decadente, continua a ter um poder graças à CGTP que atormenta qualquer governo. Costa teve a sorte de os ter colocado na geringonça (e nós um enorme azar com isso), pois tal levou a que praticamente nunca houvesse uma única manif contra o desgoverno do campeão da propaganda e trafulhice (imagino a badernaria que teria sido se fosse um governo de direita a lançar tanta palha para dar de comer a carneiros, eram manifs em loop). Agora o jackpot saiu novamente ao Costa pois o PCP com esta situação da guerra na Ucrânia tem-se fragilizado e acaba por se auto-condicionar.          Andrade QB: A perda do direito à individualidade seguida da perda de identidade de cada um em que o comunismo se alicerça é, de facto a sua característica distintiva face aos outros grupos de extrema-esquerda ou da extrema direita. Com isso, o direito do colectivo persegue até à morte todos os que entende como infiéis e que são todos os que não estejam, a bem ou a mal, acomodados no colectivo. Não é por acaso que as purgas nos partidos comunistas são frequentes, nem os assassinatos. O comunismo é algo pra temer e para combater.         Luis Martins > Andrade QB: O comunismo (na verdade em vários estados não se passou do socialismo que é um caminho para se alcançar o comunismo) é "só" a corrente política que mais mortes e miséria provocou no mundo. Se o fascismo tem de ser (e bem) combatido, a verdade é que o comunismo também o tem de ser pois não é nem nunca foi melhor que ele. Duas correntes políticas absolutamente horrorosas.             José Tomás: Excelente, como sempre. Apenas não partilho a surpresa do autor com "as posições de certa extrema-esquerda e de certa extrema-direita serem, para todos os efeitos, indistinguíveis", pois, se há coisas que os une são o anti-americanismo (pois os EUA são o berço das ideias liberais, que ambos combatem, e qualquer salazarista lhe dirá que os EUA, mais do que a URSS, foram o factor decisivo, quer na eclosão da guerra colonial, quer na queda do "antigo regime") e o culto da força (e não há maior personificação de caudilho nacionalista que Putin).             Fabio Oliveira > José Tomás: A URSS foi o grande instigador das guerras coloniais, a portuguesa como as outras, mas isso não impediu os EUA de apanharem uma boleia hipócrita para fazerem os seus joguinhos de geo-política económica armando terroristas em Angola, como Holden Roberto, inclusive as comunicações do seu departamento de estado manifestavam na altura preocupações com as reacções dos seus aliados em caso de descoberta destas manobras, aconselhando os seus agentes em África a disfarçar melhor sem contudo deixar que a delicadeza da situação afectasse os seus interesses locais.            José Tomás > Fabio Oliveira: Certamente. E dado que os EUA eram vistos como "aliados" de Portugal (e eram-no, na NATO), naturalmente o rancor que a sua actuação causou junto dos adeptos do "antigo regime" - e que persiste, é só ler os (estimáveis) artigos, neste jornal, de Jaime Nogueira Pinto - é muito maior do que aquele que a URSS, que era declarada inimiga. E acresce que seja Humberto Delgado, seja Botelho Moniz (golpe de 61), seja Costa Gomes tiveram as suas "epifanias democráticas" pela mão de Washington e não de Moscovo.             Fabio Oliveira > José Tomás: Penso que é natural odiar mais alguém que se diz amigo e nos trai descaradamente do que alguém que sabemos que nos odeia. Desde que Nixon chegou à presidência dos EUA, coincidindo com o acidente que colocou Salazar na reforma, que os EUA passaram a olhar com desconfiança para o governo português. Mas de facto a interferência já vinha de trás.     José Tomás > Fabio Oliveira: Ser amigo de Portugal não era necessariamente ser amigo do "antigo regime". E Kennedy, em especial, não era nada amigo do "antigo regime". Tendo em conta o modo como a história se desenrolou - que vejo como uma inevitabilidade, dado o "bloqueio" do regime face ao evoluir das mentalidades nos anos 60 - creio que os receios americanos tinham razão de ser. Sem uma evolução política (que, claro, também teria enormes riscos), o colapso brusco era inevitável, e determinaria a perda de Angola e Moçambique para a esfera soviética, apesar da escassa relevância militar e social (em especial em Angola) dos movimentos marxistas de libertação. Por isso, parece-me desajustado o "rancor" aos EUA (ou à URSS, ou aos "capitães"), pois, a meu ver, o "antigo regime" caiu por "culpa" inteiramente própria.            Jose Oliveira: Caro dr. Tunhas Bom texto. Apenas uma sugestão de quem o lê: Dê preferência a análises sobre coisas sérias e não dê tanta importância a grupos socialmente marginais (6 em 230) tipo "PCP", que acabam por ir desfrutando de palco sempre que o nome deles é referido aqui ou ali. Vai mantendo no imaginário "colectivo" a ideia errada de que eles ainda representam ou valem alguma coisa. Ora nem uma coisa, nem outra. Cordialmente.       Dr. Feelgood: " SoliPSismos " à parte, alembrei-me de repentemente dos solilóquios em solidão sozinha. E assim se cristalizam.........Agora mais a sério: - quando o partido cãomunista se evaporar faço outro 25 d'Abril de regresso a 24. A Bem da Nação.         Carlos Quartel: Espero que muita gente leia e aprenda. Perfeitamente caracterizado o PCP, o seu funcionamento, e o seu sonho. A realidade não é para ali chamada, a narrativa está escrita, é só debitá-la. Não está muito longe de uma religião, com os seus dogmas, que não se discutem, por não estarem ao nosso alcance. Talvez lhe tenha faltado um elemento importante: O PC é russo, sempre foi russo, os seus militantes são russos. Numa qualquer guerra que tivéssemos com a Rússia, eles saberiam muito bem o lugar onde deviam estar. Mais vincado quando mais velhos, mas este sentimento é abrangente. Por isso, de facto, esta posição nada tem de surpreendente, o mal está identificado, O capital, os americanos, a liberdade, a discordância sem censura, o pluralismo, a alternância, tudo isso forma um pacote insuportável.            Pobre Portugal:  “no que respeita à invasão da Ucrânia, o PC não está sozinho aqui.” Pois não. Todo o BE e parte do PS pensa como o PCP. Porque é que ignora isso? Por ser demasiado terrível?!          Zeca Demo > Pobre Portugal: Acrescente a essa corja, muitos apoiantes do Chega, alguns dos quais apoiam descaradamente Putin, nestas caixas de comentários.          Paulo Silva: Caro Paulo Tunhas, e o PCP assina, ‘Orgulhosamente Nós’. Quando Chávez assomou ao poder o insuspeito Bolsonaro disse que ele seria uma esperança para a América Latina, e que gostaria que o seu pensamento chegasse ao Brasil. Quando lhe chamaram a atenção de que era apoiado pelos comunistas respondeu que não era anti-comunista, e que não havia nada mais parecido com o comunismo do que o meio militar. Tinha toda a razão. Serve este curioso episódio para vincar o unanimismo dos comunistas, qual corpo do exército às ordens do seu General porque, como Lenine preconizava, equiparam a Política à Arte Militar. Por isso também não eram de estranhar expressões belicosas e belicistas como: “inimigo do povo”, “luta de classes”, “correlação de forças”, “guerra de posição”, “guerra de movimento”, etc. Tudo isto parece entrar em contradição com as retóricas da Paz da tradição da Esquerda clássica. Sim, é verdade, tanto que hoje entraram um pouco em desuso, mas as contradições são o motor e o combustível da Dialéctica, e essas podem continuar lá, veladas. Estão na capacidade dos comunistas fazerem discursos completamente alheados da realidade usando significantes que conhecemos bem, ‘Liberdade’, ‘Democracia’, ‘Paz’, mas cujos caminhos para os significados nos perdem da verdade... Uma novi-língua. Parafraseando a resposta a Jesus Cristo de um possesso por um demónio colectivo:“O meu nome é Legião, porque somos muitos.” E é Religião, porque acreditam muito.

 

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