sexta-feira, 22 de abril de 2022

Os pontos nos ii com restrições


Um texto sério e honesto, de Rui Ramos, sobre a festa muito previamente preparada para a tal comemoração do cinquentenário do 25 de Abril, decididamente merecedor de amplitude de festejos e espaventos, sendo, como somos, apegados aos gozos ruidosos da materialidade que tão bem nos define, ainda que sob o elo da ajuda económica externa, que de modo algum nos preocupa nem envergonha, como incompetentes para singrar por nós, e nem a desordem de um país arrasado a leste nos detém nessas manifestações perfeitamente vazias de sentido, embora amplas de provocação palavrosa. Rui Ramos aponta bem as fragilidades conceptuais desses partidos da esquerda brincalhona, embora, quanto a mim, caia igualmente na esparrela de enegrecer a acção portuguesa em África, ao afirmar que «Quando comemoramos a nossa liberdade, deveríamos lembrar sempre aqueles que nada tiveram para comemorar, a não ser a variação de algemas e de mordaçasDe facto, não me parece que o povo africano tenha vivido algemado ou amordaçado, nem sequer tratado com a altivez de superioridade com que os povos de intelectualidade superior trataram, por exemplo, os emigrantes portugueses, nos bidonvilles da sua inferioridade intelectual de serviçais submissos. Mas, sim, eu lamento os criados que por lá deixei, que estimei e julgo que na sua maioria, o povo africano era estimado e não destratado, como faz sentir Rui Ramos, com a sua expressão que, além do mais põe em dúvida a seriedade governativa dos naturais de hoje, que substituíram a governação portuguesa, usando algemas e mordaças nos seus governos. Mordaças e algemas… nem sequer têm a ver com as atrocidades que os civilizados Russos estão a cometer hoje, contra os civilizados Ucranianos…

25 de Abril: comemoração a mais, história a menos

Aos 50 anos, o 25 de Abril merecia melhor: ser tratado como matéria de conhecimento, e não de apropriação facciosa.

RUI RAMOS, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 22 abr 2022, 00:22

Ontem, o comissário das comemorações oficiais dos cinquenta anos do 25 de Abril deixou de ser um comentador socialista das televisões, entretanto promovido a ministro, e passou a ser uma historiadora, autora de várias publicações sobre a matéria. Foi um passo no bom sentido. Falta agora dar outro, igualmente importante: acabar com a tutela governamental das comemorações, que se mantém. Se é preciso que a comissária responda perante um órgão de soberania, porque não a presidência da república? É uma questão de decoro.

Vamos ser claros: há muitas razões para desconfiar desta comemoração. Eis duas dessas razões: é governamental, quando, como toda e qualquer comemoração séria, deveria ser nacional; e é promovida por este governo, cuja equipa já se celebrizou por ser uma das mais exclusivistas e facciosas da história deste regime. Mas além dessas, há esta razão, que talvez seja a maior de todas: é mais uma comemoração, e há muito tempo que comemorar o 25 de Abril tem significado pouco mais do que distorcer o 25 de Abril, ao ponto de hoje ser a história mais mal contada do nosso passado. Os cinquenta anos eram uma ocasião para limpar a estrebaria. Mas é pouco provável que assim seja.

Comemorar o 25 de Abril foi sempre, para a esquerda comunista, um meio de identificar o 25 de Abril de 1974 com a sua tentativa de tomada do poder em 1975, o chamado PREC. Por isso, precisaram de apagar muita gente da foto. Apagaram, por exemplo, o general Spínola, sem cuja ruptura com Marcello Caetano nunca teria havido “movimento dos capitães”, e apagaram a direita liberal, que forneceu a maior parte do pessoal político da nova situação pós-ditatorial em 1974. O 25 de Abril não resultou simplesmente de uma revolução da esquerda, mas da ruptura da maior parte da direita, já liberal e europeísta, com o governo de Marcello Caetano, quando se convenceu que, dentro da ditadura, seria impossível o fim das guerras em África e a transição para uma democracia de tipo europeu ocidental. Que isto foi assim, vê-se por uma simples enumeração de quem ocupou os cargos a seguir ao dia 25. É verdade: Mário Soares e Álvaro Cunhal entraram no governo. Mas o presidente da república era o general António de Spínola; o primeiro-ministro era Adelino da Palma Carlos, um republicano conservador; o seu braço-direito, como ministro-adjunto, era Francisco Sá Carneiro, fundador do PPD-PSD; no conselho de Estado, estava Diogo Freitas do Amaral, fundador do CDS e um dos autores do programa do primeiro governo provisório. Nas manifestações do dia Primeiro de Maio de 1974, não foi apenas a esquerda que fez a festa, foi toda a gente, porque muito pouca gente em Portugal, da direita à esquerda, tinha qualquer nostalgia da censura à imprensa e da polícia política do Estado Novo.

No entanto, há mais de quarenta anos que todos os anos a esquerda e particularmente a esquerda comunista aproveita o feriado para contar mais uma vez a história como se os únicos militares envolvidos no golpe tivessem sido aqueles que depois se filiaram na esquerda e na extrema-esquerda, ou como se os únicos movimentos populares depois da revolução tivessem sido aqueles que eram dirigidos pelos partidos de esquerda e de extrema-esquerda, ou como se desde o princípio o objectivo da revolução tivesse sido a imposição de uma autocracia militar colectivista, à Terceiro Mundo, de modo que a evolução no sentido de uma democracia pluripartidária e de uma economia social de mercado de tipo europeu ocidental parecesse uma traição ao “espírito de Abril”. É assim que temos uma história em que há Otelo Saraiva de Carvalho, mas não há Spínola; em que há sindicatos e manifestações de esquerda em Lisboa, mas não há a Igreja Católica e as grandes manifestações populares que no norte do país, durante o “Verão quente” de 1975, obrigaram o poder comunista a recuar; em que há o fim da guerra em África, mas não há a imensa tragédia de populações entregues à repressão e à pilhagem de bandos alinhados com a União Soviética e a China Comunista.

O ascendente que a esquerda, e especialmente a esquerda comunista, pôde alcançar em Portugal nos meses a seguir ao 25 de Abril não teve a ver com a sua influência na sociedade portuguesa, onde depois houve força suficiente para lhe resistir, mas com a protecção que aos partidos de esquerda concederam umas forças armadas determinadas em acabar rapidamente com a guerra em África, o que só se pôde conseguir nos termos da esquerda, isto é, através de um simples trespasse de poder para as guerrilhas marxistas. Daí, o PREC. E daí, também, a história horrível dos cerca de 15 milhões de habitantes das antigas colónias: foi-lhes retirada a cidadania portuguesa, sem direito de opção a menos que fossem descendentes de portugueses europeus, e nunca puderam votar livremente sobre o seu destino. Quando comemoramos a nossa liberdade, deveríamos lembrar sempre aqueles que nada tiveram para comemorar, a não ser a variação de algemas e de mordaças.

A maior e mais importante comemoração do 25 de Abril ocorreu no seu primeiro aniversário, em 1975. Nesse dia, houve eleições para a Assembleia Constituinte. Portugal já estava no meio de uma conspiração para a tomada do poder pelo Partido Comunista, patrocinada por parte dos militares revolucionários. Mas os conspiradores não tiveram força para adiar as eleições, nem para mudar o sistema eleitoral anteriormente definido. As eleições foram assim livres e limpas – as primeiras eleições da história de Portugal em que ninguém contestou o  resultado. A participação foi a mais elevada de sempre. O sentido do voto foi claro: ¾ dos votantes escolheram partidos que, apesar de preferirem modelos sociais e económicos diferentes, defendiam a democracia pluralista de tipo ocidental. Acima de tudo, as eleições revelaram a diversidade do país, que a norte votou à direita e a sul à esquerda, segundo antigas divisões culturais e sociais. Quem quis perceber, percebeu como a democracia pluralista de tipo ocidental era e é, num país assim heterogéneo, a única maneira de coexistirmos sem ditaduras ou guerras civis.

Os caminhos que levaram à democracia foram muitos e contraditórios: passaram por Otelo, mas também por Spínola; pela esquerda, mas também pela direita; pelo que acabou bem, como a democratização de Portugal, mas também pelo que acabou mal, como o horrível abandono das antigas colónias à ditadura e à guerra. Comemorar tudo isso, ao mesmo tempo, não é obviamente possível. Comemorar é, fatalmente, ser parcial, porque ninguém comemora aquilo de que não gosta e aqueles com quem não concorda. Mas aquilo de que não gostamos e aqueles com quem não concordamos também fizeram parte desta história. A esquerda tem negado isso, e usado as comemorações para, contra os factos, se declarar autora e portanto dona da democracia em Portugal, numa tentativa patética de menorizar e de excluir quem pensa de outra maneira. Infelizmente, é improvável que o actual poder socialista, apostado no controle do Estado e da sociedade, veja na comemoração outra coisa senão outra oportunidade de controle, desta vez da memória histórica.

É possível contrariar esta dominação sectária, claro. Por exemplo, promovendo outras comemorações, focadas nos acontecimentos e personagens que o actual poder socialista já disse querer esquecer: é o caso do movimento de 25 de Novembro de 1975 que levou à neutralização da chamada “esquerda militar” e viabilizou a transição democrática. Talvez faça sentido, como uma questão de equilíbrio. Mas faria muito mais sentido se, entre todos, nos puséssemos de acordo para deixar o 25 de Abril ao cuidado da história, isto é, tratá-lo como matéria de conhecimento, e não de apropriação facciosa. Seria a maneira de compreendermos o que aconteceu. Mais ainda: seria a maneira de despertar interesse por um acontecimento fundamental e fascinante, mas há demasiado tempo escurecido pelo tédio e pela monotonia das mesmas deturpações de sempre. O 25 de Abril, aos cinquenta anos, merecia melhor.

25 DE ABRIL  PAÍS

COMENTÁRIOS:

José Pinto de Sá: Perfeito: O 25 de Abril será de todos quando para o comemorar se puder pôr um cravo branco na lapela. É que, foi contado pelos próprios, no dia 25 de Abril a vendedora de flores que distribuiu cravos aos militares tinha-os brancos e vermelhos. O facto de depois nas fotos a cores da revolução só terem aparecido cravos vermelhos foi uma escolha dos jornalistas, e não um retrato dos factos. A mentira, portanto, começou logo aí.        bento guerra: Muito esclarecedor o documentário de António Pedro de Vasconcelos, apresentado ontem à noite na RTP1" A voz e os ouvidos do MFA". Sendo a nova comissária uma historiadora, poderemos conhecer melhor o "milagre" da transformação de salazaristas em "socialistas"          Alberto Borges de Sousa: Excelente análise!          Pedromi: Muito bem. De facto estamos entregues aos ditadores/fascistas do 25 de abril...no mínimo, curioso!          FME: Sem o 25 de Novembro não há 25 de Abril. O 25 de Abril não representa liberdade. Os povos não são libertinos, têm responsabilidades cívicas, sociais e financeiras, designadamente o pagamento de impostos. A liberdade conquistada com o 25 de Abril foi a de exprimir publicamente ideias políticas sem o receio de ser preso. Com o 25 de Abril não se conquistou a liberdade de roubar ou de matar sem o receio de ser preso. A liberdade de pensamento político é talvez a característica principal das democracias. O 25 de Abril foi a conquista da transição de um regime autoritário de pensamento único para um regime democrático de pensamento diversificado, mas sem o 25 de Novembro não o teríamos conseguido. Porque é que nunca se explicou na história do país, designadamente nas escolas, que o 25 de Novembro faz parte do 25 de Abril, que sem o 25 de Novembro não haveria liberdade de pensamento? A razão está no masoquismo. Além de pobres e velhos também somos masoquistas e não conseguimos romper com a veneração à seita de comunistas que vai pairando pela AR. 

 

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