domingo, 10 de abril de 2022

Tudo se reduz


A Sua Majestade o czar Putin”.

O mito do isolamento russo

Os 82 estados que não expressaram a sua posição contra a Rússia estão a mandar um sinal claro a Moscovo: podemos não gostar da invasão da Ucrânia, mas não estamos na disposição de isolar o Kremlin.

Diana Soller Colunista do Observador

 Observador, 09 abr 2022, 00:1154

Uma das notícias desta semana foi a suspensão da Rússia do Conselho para os Direitos Humanos das Nações Unidas. O Ocidente congratulou-se com mais um passo em frente no “isolamento internacional” da Rússia. No entanto, parece-me que esta suposta vitória diplomática tem pés de barro. Um olhar mais atento ao resultado da votação mostra uma realidade diferente.

Comecemos por recordar a votação da Resolução da Assembleia Geral de 2 de março que condenava a Rússia por invadir a Ucrânia. Apenas cinco países votaram contra (a própria Federação Russa, a Bielorrússia, a Coreia do Norte, a Eritreia e a Síria). Houve 35 abstenções, algumas de peso, como a da China, mas, mais importante, 141 países votaram a favor. Foi um protesto muitíssimo expressivo – histórico até – que indiciava de vontade internacional de que o conflito terminasse o mais depressa possível.

Volvido pouco mais de um mês essa maioria desfez-se. Não só o número de países que votaram a favor da suspensão da Rússia do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas diminuiu significativamente (foram 93 votos a favor) como as abstenções (58) e os votos contra (24) configuram uma nova distribuição de vontades na política internacional. Os 82 estados que não expressaram a sua posição contra a Rússia estão a mandar um sinal claro a Moscovo: podemos não gostar da invasão da Ucrânia, mas não estamos na disposição de isolar o Kremlin, como os países do Ocidente julgam que é necessário.

Entre esses estados estão a China (que votou contra), a Índia, o Brasil, a África do Sul e a Indonésia (que se abstiveram). Por um lado este grupo de estados é simbólico: se excluirmos Pequim os restantes estados foram tidos como democracias ascendentes nos anos 2000 e 2010, que alinhariam com o Ocidente. Lembram-se da ideia de que as democracias não lutam entre si e unem-se contra as agressões dos estados autocráticos como parecia provar a Tese da Paz Democrática? Por outro lado, estes países constituíram as alianças sul-sul que os uniram à Rússia nos anos 2000. Lembram-se dos BRICS? A tensão entre estas duas lealdades, quando elas têm realmente de se definir – e nada mais importante que uma guerra para que isso aconteça – não estão a pender para o lado das democracias. Afinal o “Ocidente Alargado” parece não ter tanta força como parece.

Agora examinemos os dois países que mais contribuem para o não-isolamento da Rússia: a China e a Índia. Pequim celebrou um tratado com Moscovo declarando uma “parceria ilimitada” exactamente 20 dias antes da invasão da Ucrânia. Já é pouco credível a versão de que Putin não tenha informado Xi Jinping dos seus planos. De uma forma ou de outra a “neutralidade pró-Russa” da China – para usar uma expressão de Evan Medeiros, professor em Georgetown – está a tornar-se cada vez menos neutra como mostra este voto. E enquanto a China apoiar a Rússia, Moscovo tem condições para continuar a sua ofensiva contra a Ucrânia.

a Índia – entre os Estados Unidos, dos quais se aproximou desde que Narendra Modi se tornou primeiro-ministro e a Rússia com quem tem um relação privilegiada desde os anos 1970 – não tem tido grande hesitações em apoiar, também discretamente, Moscovo. Não tem grande alternativa, aliás. Não só a Rússia é o único país com quem tem uma aliança permanente (e a memória histórica na Ásia conta muito), como a Rússia fornece cerca de 70 por cento do seu armamento. No pensamento indiano, é preciso uma Rússia forte para contrabalançar a China. Os Estados Unidos não são suficientes. Como escreveu Kenneth Waltz em 1967, as democracias até podem ter políticas externas diferentes de outros estados, desde que a sua sobrevivência não esteja em questão.

A China e a Índia tornam-se assim aliados importantesmesmo que por omissão de condenação – da Rússia. O que mostra que não se trata apenas da quantidade de países que não estão dispostos a abandonar a Rússia (a maioria deles de perfil mais autocrático que democrático), mas a importância de alguns deles no sistema internacional em mudança. E ao contrário do que se veicula no Ocidente, não é certo que o equilíbrio de poder que vai sair desta guerra favoreça a liberdade.

Joe Biden referiu muitas vezes que havia uma batalha entre democracias e autocracias que não competiam apenas pelo poder e influência no sistema internacional, mas também pelos valores que regem as relações entre os estados. Parte do diagnóstico de Biden está certo: as autocracias apoiam a Rússia. Parte está em questão: nem todas as democracias apoiam o Ocidente, nem todas se afastaram de Moscovo. É fundamental, por isso, que se acabe com dois mitos. O mais importante entre eles é que a Rússia está isolada. Não só não está, como tem parceiros de peso. O segundo é o mito é que a ordem liberal prevalecerá. É possível e, do meu ponto de vista desejável, mas não é certo. Especialmente porque a abstracção de Biden se tornou uma realidade: a China e a Rússia unidas contra um inimigos comum, os Estados Unidos, são uma força internacional que não se pode, de forma nenhuma, desprezar.

NAÇÕES UNIDAS   MUNDO   UCRÂNIA   EUROPA   GUERRA NA UCRÂNIA   RÚSSIA

COMENTÁRIOS:

Maria Odete Coutinho: Estava na altura de alguém dizer isto. É desejável que a realidade seja conhecida de diversas perspectivas,  e não alienada da análise que fazemos do Mundo.  Nada pior que tomarmos os nossos desejos por adquiridos, e esta divisão primária entre os "bons" e os " maus" em que vivemos mergulhados nas últimas semanas é totalmente descabida, e até perigosa...            Filipe Costa: A Alemanha vai investir 100 mil milhões em defesa, comparem isso com 3 triiões dos USA, dá que pensar.           João Ramos: O mundo está incerto e portanto perigoso, esperemos que a Europa aprenda alguma coisa com isso e que não continue, por questões menores, a desunir-se e isto muito por culpa das suas próprias organizações!!!       Emanuel Lopes: Claro nunca se deve isolar o agressor. Como na violência doméstica. Pode agredir que nada ou pouco acontece ao agressor. Coitadinho do agressor. Direitos Humanos é um problema mercantil onde o principal é o economicismo.            pedro dragone: Não me parece correcto, ou intelectualmente honesto, inferir a evolução do desejo que os países têm, ou não, de isolarem a Rússia, comparando aquilo que é incomparável, ou seja, duas votações que têm naturezas bastante distintas. Efectivamente, para países com conflitos de interesse como é o caso da China, ou de países com ligação tradicional à Rússia, via ex-URSS, como são os casos de Cuba, da Venezuela ou de Angola, para estes países será sempre mais fácil/confortável votar favoravelmente à condenação da invasão do que à expulsão do Comité de direitos. Parece óbvio; até pelo facto de se tratar de países que têm telhados de vidro no que concerne à questão do respeito pelos direitos humanos. O racional é o mesmo para as abstenções. Parece pois natural que tenha existido menos severidade em relação à Rússia na 2a votação (questão dos direitos) que na 1a (condenação da invasão). Tentar inferir da variação um menor desejo de isolamento da Rússia é que me parece um total disparate. Como disse, são votações com naturezas distintas, com um impacto completamente diferente no "à vontade" com que se hostiliza um parceiro estratégico, ou um velho amigo ou aliado.          Francisco Tavares de Almeida: As relações internacionais não são, não podem e não devem ser baseadas em ideologias. Nesse aspecto, Biden é um completo retrocesso em relação a Trump. Nesse aspecto, realço. E o preço do erro pode ser caro. Biden foi pedir à Arábia Saudita que aumentasse a produção de petróleo em 1 milhão de barris por dia e Mohammed bin Salman recusou. Mas o curioso é que a Arábia Saudita precisaria de cerca de 2 meses para conseguir esse aumento de produção enquanto Biden, recorrendo ao "fracking" poderia obter o mesmo resultado em 15 dias. Só que teria contra si os "verdes" e a ala esquerda dos democratas. Ou seja, Mohammed bin Salman, com um Biden ideologicamente peado e a fazer discursos para si desagradáveis, preferiu manter o acordo de preços com a Rússia. Como os verdadeiros estadistas sempre reconheceram, relações entre estados subordinam-se a interesses e são mais fáceis os acordos nessa base. (disclaimer) Isto não é um argumento pró-russo, muito pelo contrário. É de interesse primordial para a Europa preservar a liberdade e não estar dependente, energeticamente ou economicamente, da Rússia e da China. Só que falar de alianças de países democráticos contra autocracias, faz perder aliados e ganhar adversários. É má política.          Pontifex Maximus > Francisco Tavares de Almeida: Claro que política internacional é interesses de cada um dos estados, a ideia peregrina de que as relações internacionais se baseiam nos princípios da democracia ocidental e da sua visão dos direitos humanos (que seriam os dos respectivos países) é um absurdo de todo o tamanho (nunca assim foi nem será) e custará cada vez mais ao Ocidente.    Elvis Wayne > Francisco Tavares de Almeida: Só que falar de alianças de países democráticos contra autocracias, faz perder aliados e ganhar adversários. É má política. Porque mais não seja pelo simples facto de que as autocracias estão em maior número e detêm boa parte daquele líquido negro, que tanto nojo causa aos "verdinhos".          Vou ali e já volto > Francisco Tavares de Almeida: Do que sei, o Mohammed recusou como uma forma de pressão para que o tal processo Khashoggi fosse abafado, já que corria o risco de, caso pusesse os pés nos EUA, receber mandato de prisão emitido por um juiz qualquer. Do que sei, parece que funcionou: o tal processo foi enviado da Turquia para as autoridades árabes. A ser assim, interesses conciliados, entretanto haverá petróleo.           Francisco Tavares de Almeida > Vou ali e já volto: O que sabe parece interessante. Ainda não encontrei informação nos locais que frequento mas vou ficar atento. Faço contudo notar que a Arábia Saudita precisa de dois meses para aumentar a produção e, no imediato, só poderá ter algum efeito nos preços se for anunciada a decisão. Até agora não foi. Há outros interesses pendentes que poderão ou não ter ditado a mudança de jurisdição do processo. Por exemplo a venda de armamento negociada pelo genro de Trump e que não está completa. Biden suspendeu a venda aos Emirados e poderia ter atrasado à Arábia Saudita (é uma hipótese, não sei). Outra questão (que já me tinha despertado a curiosidade) é que as relações dos EUA com a Turquia não estavam famosas e, para a Turquia abrir mão do processo, que era evidentemente um trunfo político, também terá negociado alguma contrapartida.          Jose Barros: É preciso grande coragem para escrever um artigo destes nos tempos que correm.         Isabel Gomes: O mito do observador…confundir liberdade de expressão e democracia com conluio e promiscuidade russa. Esta Diana é paga em rublos. Realmente esses países são um portento económico 🤣. Ah espera... abstiveram-se, mas segundo este maravilhoso artigo💩, constituem, não obstante uma minoria, uma maioria???🥳          Jose Barros > Isabel Gomes: A eterna propaganda pro-nazi desta senhora.          J Sm: Tenho assistido ao seu zig zag na televisão nomeadamente no crédito que dá ao actor que por estes dias encanta o dissoluto ocidente. Pois é, o ocidente não é o mundo e no mundo há milhões de pessoas que não se deixam enganar pelo big brother americano nem pelas suas marionetes. Como dizia Pessoa numa célebre ode - o Oriente donde nos vem tudo, o dia e a fé…          advoga diabo: O silenciar desta realidade indesmentível pelo poder no "ocidente", consequente furioso encarneirar da opinião publica e publicada, são paradigma da sociedade, ilusão e fuga para a frente. Cuidado!          Gabriel Pensador: Esta crónica baseia-se numa leitura  muito simplista e pouco argumentada. Mesmo aqueles que se abstiveram,  se lhes perguntasse fora dos holofotes se estão a favor ou contra  a guerra, muitos diriam que são contra a guerra e que o que a Rússia está a fazer não é  correcto.  Diriam depois que devido às suas dependências para com a Rússia não poderiam votar contra.  Este tipo de votação  dá  para  todo o tipo de leituras.  Assim a opinião da colunista  vale o que vale.     Jose Barros > Gabriel Pensador: A sua opinião é que vale o que vale e não tem lógica nenhuma.         Gabriel Pensador > Jose Barros: Argumentos  querem-se, por favor ……          HEROD: Na recente votação na ONU da moção para suspensão da Rússia da CDH os resultados têm outra leitura. Os poucos que manifestaram apoio à Rússia são praticamente todos países de regime comunista. Nem sequer são as autocracias — essas abstiveram-se. E quem se absteve sabia que — na prática — estava a votar contra a tirania russa, e portanto a favor da moção EUA/Ucrânia para banir a Rússia.           Jose Barros > HEROD: Tentativa de outro comentador pro-nazi de inverter o sentido das coisas.           Alberto Rei: Diana, a questào está como diz no último parágrafo : Biden diz que há uma batalha entre as democracias e as autocracias. 1º Porque é que tem de haver? acaso já perguntaram aos povos que vivem nas "autocracias", se querem mudar ? ; .. e essa luta era pelos valores que regem as relações entre os estados. What ? os EUA ? aqueles que só dão um presunto a quem lhes der um porco? os EUA, e os outros, querem é ter vantagens para influenciar as respectivas políticas externas (a seu favor, claro !), ou não é verdade ? veja-se o caso da relação entre os EUA e a Europa! EUA, com a Austrália, que fizeram os australianos rasgar os acordos militares com a França, foi ou não verdade? a questão começa por aí. Ou suponhamos que a Ucrânia entra para a UE, e … Nato, queira Deus que não. Seria para quê? só poderia ser para os EUA, estarem lá, ali no quintal da Rússia. Nesse caso a política externa ucraniana seria livre e autónoma? todos sabemos a resposta. Porque é que os EUA, estão no Mar da China? para "defender a democracia de Taiwan", uma ilha que é parte inalienável da China? eles estão-se nas tintas para isso. querem é pôr um porta-aviões ali, e mais uns submarinos para controlar aquela zona do globo. relações entre os estados uma ova. isso é conversa para parolos. É por causa disso que existem estes tais mitos que a Diana falou, porque estes senhores mundiais controlam a opinião pública e as narrativas                 klaus muller > Alberto Rei: És tão básico Para ti, desde que seja para defenderes as autocracias, i.e, desde que seja para atacares os States, não te importas de inventar, de ser incoerente, nem de fazer figuras tristes pública e quotidianamente. Enfim ...          Jose Barros >klaus muller: Comentário vergonhoso, e com ataque pessoal, de outro pro-nazi descarado e que aparentemente é apreciador das políticas hegemónicas, assassinas e imperialistas dos USA.  ,,,,        PortugueseMan: A coisa está muito além dos BRICS. ...Volvido pouco mais de um mês essa maioria desfez-se... Muitas teorias vão sendo postas em causa e ainda apenas temos mês e meio de conflito. Não têm combustível Não têm mísseis. Não tem economia Os planos de Putin e a teoria da meia dúzia de dias A queda do rublo ... As novas sanções não se atrevem a tocar no gás, quando mais no petróleo. E quanto ao carvão... apenas começa em Agosto (os ucranianos esperam). E a India já se prepara para receber esse carvão, que cada vez se torna mais fácil com a estabilização da Ásia Central. Muitos países aguardam com grande expectativa poder fazer novos negócios de gás, petróleo, carvão, cereais, etc. E dispostos a pagar em rublos. Ou no caso da China em Yuans. Ou no caso da India em rupias que o acordo deve estar mesmo a rebentar. Nós os europeus nunca mais acabamos com os contratos energéticos. Há outras nações que aguardam impacientes. Esperar por agosto pelo carvão? Assim nunca mais lá vamos...       klaus muller > PortugueseMan: Man, só não vê quem não quer que esta invasão não está a correr como a Rússia esperava.        PortugueseMan > klaus muller: Klaus, Queres esclarecer-me de como é que a Rússia esperava que esta invasão corresse?       Elvis Wayne > PortugueseMan: Achavam que estavam a invadir a Chamusca, pensavam que era chegar, ver e pilhar. Enganaram-se... ……….. Elvis Wayne > Antonio Marques Mendes: A ONU é uma fantochada, demos graças por pessoas como a Diana começarem a aceitar a realidade.            bento guerra: Alguns ainda sabem História e o que foi e é a Grande Rússia no concerto das nações. Alguns até se podem lembrar do que foi dito e feito na Ucrânia, desde 2014, quando foram assinados os Acordos de Minsk           HEROD >  bento guerra: No concerto das Nações? São uma espécie de párias — com um PIB nominal ao nível de Espanha mas armados até aos dentes. Um modelo copiado à Coreia do Norte, que nem com uma sobre-exploração de recursos naturais não renováveis consegue um nível de vida acima da miséria para grande parte da sua população.          4 anos depois ....: Boa análise, mas infelizmente neste quadrado ninguém entende e será tratada de pró-russa, e vão pedir que vá para Moscovo, etc

 

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