Com muita unção, como Alexandre Guerreiro merece, em oposição ao ponto de vista de
Luís Rosa, que ocasionou
cerca de 300 comentários, grande parte dos quais de apoio belicoso ao Guerreiro. Assim
sendo, como diria João Gil a respeito de
ser poeta, também Guerreiro define, está
visto, o seu estatuto de comunista, a respeito da destruição de Bucha, que ele considera
- no rasto de alguns russos, entre os quais o irado Putin, vilmente acusado -
como montagem ucraniana de enganadora realidade:
Ser comunista
«é
ser mais alto
É ser maior do que os homens
Morder como quem beija
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do reino de Aquém e de Além-Dor
É ter
de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja
É ter cá dentro um astro que flameja
É ter garras e asas de condor
É amar
assim, perdidamente
É ter alma, e sangue, e vida em si
E
dizê-lo cantando a toda a gente.
Julgo que Alexandre
Guerreiro se sentirá definitivamente definido, numa de
compreensão pela sua sensibilidade a respeito dos matadores que ele tão bem
defende – ou ataca, segundo um ponto de vista que me baralha a mim também, tal
como a Luís Rosa, mas que faz
flamejar Guerreiro com extrema potência – quer de
virilidade, quer de animalidade alada, da bem forte nas asas e nas garras, cujo
auxílio Putin agradecerá, indubitavelmente – mais lá
do que cá, com certeza. Mas nessa não cai Guerreiro, conservador da distância,
julgo, nos casos belicosos não
metafóricos.
O massacre de Bucha e Alexandre Guerreiro
É absolutamente repugnante ouvir um
comentador, exemplo da desinformação e da propaganda russa, colocar a hipótese
de militares ucranianos terem executado, violado e mutilado os seus
concidadãos.
Luís Rosa , Redator Principal e colunista do
Observador
OBSERVADOR, 04 abr 2022, 03:58284
1As imagens e as descrições que nos chegam de Bucha, uma
pequena cidade da região de Kiev, remetem-nos para o lado negro da humanidade. Execuções
sumárias, corpos de homens, mulheres e crianças mutilados (de forma macabra e
animalesca), mulheres violadas, valas comuns com mais de 200 corpos, crianças levadas em
tanques como escudos humanos e dezenas de cadáveres espalhados pelas estradas de Bucha.
Vários testemunhos
de residentes em Bucha ligam um regimento tchecheno das forças
russas à atrocidade de atar as vítimas ucranianas com panos brancos antes de
lhes dar um tiro de misericórdia como se fossem gado.
O
massacre de Bucha só confirma os muitos e variados indícios de crimes de guerra
por parte da Rússia de Putin na Ucrânia — por exemplo, já tinham sido detetadas
situações semelhantes em Irpin a 28 de março. O ditador russo está a repetir no
coração da Europa a estratégia que já tinha seguido na Síria: bombardeamentos
massivos de alvos civis e destruição total das cidades para forçar um êxodo
migratório. Se não há rendição, o ditador prefere matar através da fome e da
falta de água.
Estas
atrocidades podem fazer lembrar o massacre de Srebrenica ou outros semelhantes
das diversas guerras da Jugoslávia no início dos anos 90. Contudo, o que a
Rússia de Putin está a fazer é a repetir as tácticas do horror comunista
soviético — que se limitou a mimetizar os crimes do nazismo.
2No
dia em que se começaram a conhecer as primeiras imagens das atrocidades em
Irpin, um conjunto de 20 “personalidade” publicaram no Expresso uma
carta-aberta intitulada “Pela Paz Contra a Criminalização do Pensamento” na
qual tentam atacar uma espécie de alegado pensamento único sobre a Ucrânia que
terá criado raízes na opinião pública portuguesa. E, enfatize-se, sem ainda
terem conhecimento das atrocidades em Bucha.
O manifesto tem um propósito claramente
aceitável: protestar contra o encerramento de
canais de TV russos, como o “Russia Today” (RT). Mas começa
a descambar quando classifica a informação da RT, de forma manifestamente
desproporcionada, como “isenta e plural”. Sendo uma ironia que os signatários
argumentem que as verdades oficiais têm de ser combatidas (porque o “poder
político” não é dono do pensamento), ao mesmo tempo que defendem a emissão no
Ocidente de canais russos controlados pelo regime de Putin.
Contudo,
e deixando de lado essas incongruências, pode-se discutir se a liberdade de
expressão está a ser respeitada. É um debate válido, como já escrevi aqui.
O que já não faz sentido — nem mesmo a
título de exagero retórico — é falar em “criminalização da pluralidade do
pensamento”, num alegado “ambiente tóxico” de “crescente intolerância” que
assombra e “censura” quem pensa de forma diferente. No lugar dessas vítimas da democracia “ocidental”,
“temos opiniões irrelevantes e banais, sem referências éticas e uma maneira de
ser flexível e fútil”. “Pode-se mudar mil vezes de princípios”, proclamam as
“personalidades”.
Esta é mais uma ironia de um manifesto
que é assinado por um mix de conhecidos militantes do PCP e do Bloco
de Esquerda e de figuras da extrema-esquerda com vários independentes que fazem
uma espécie de papel de idiotas úteis dos antigos comités pela paz tantas vez
promovidos pelos comunistas europeus para executarem objetivos políticos.
3O
manifesto tenta servir de escudo a outras “personalidades” que têm tido grande
generosidade das televisões para se fazerem ouvir com muitos pensamentos
pró-russos. Aliás, até é assinado por uma desses comentadores: o major-general Raul Cunha.
Alexandre
Guerreiro, contudo, é
o alvo principal da medida de defesa da carta-aberta. Curiosamente,
Guerreiro foi chamado à SIC Notícias na manhã deste domingo. Sem pôr em causa a
veracidade das imagens que chegam dos subúrbios de Kiev, e apesar de defender
uma investigação criminal internacional, Alexandre Guerreiro afirmou que não
há “nenhum facto nem nenhum elemento que nos diga quem foi o autor deste tipo
de massacre”.
Ou
seja, tanto pode ser “Rússia” ou a “Ucrânia”. “Qualquer uma das partes pode
ter feito uma atrocidade destas”, afirmou.
Como é possível pensar uma coisa
destas quando se trata de uma cidade ocupada pelos russos há mais de um mês?
Como é possível Alexandre Guerreiro afirmar que os militares ucranianos são
capazes de executarem sumariamente, de violarem e mutilarem os seus próprios
concidadãos? E como é possível não valorizar o facto de as imagens e os
testemunhos terem sido recolhidos por vários órgãos de comunicação social
internacionais após a reocupação da cidade por parte da Ucrânia?
É
extraordinário ouvir Alexandre Guerreiro, um ex-espião do Serviço de
Informações Estratégicas de Defesa com uma narrativa predominantemente
anti-ocidental, desvalorizar
tudo o que represente um escrutínio factual da Rússia de Putin. Como também desvaloriza
os relatórios de ONG’s como a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional —
entidades que, segundo Guerreiro, “têm interesses políticos.” Quais? Não se
sabe.
O papel de Guerreiro é distorcer,
desinformar e criar confusão entre a opinião pública. Será essa a liberdade de
expressão pela qual os fundadores do regime democrático tanto lutaram?
4Como
escrevi há 15 dias aqui,
e como sempre defendi ao longo de toda a minha carreira, sou a favor do
pluralismo e da liberdade das direções editoriais para promoverem debates de
ideias. E admito que a liberdade de expressão até possa comportar, em certa
medida, o absurdo e a mentira.
Agora esse pluralismo não é algo que
possa ser construído administrativamente, nem pode ser imposto por uma espécie
de igualdade de armas e de tempo de antena para todas as opiniões que existam
na sociedade. O pluralismo nasce da liberdade editorial dos meios de
comunicação social. Não nasce de uma obrigatoriedade dos meios de comunicação
em ouvir tudo e todos com o mesmo peso e relevância.
O caso da invasão da guerra da
Ucrânia é um ponto de viragem para a União Europeia precisamente porque a reacção
espontânea das diferentes opiniões públicas à invasão e aos argumentos da
Rússia obrigou os governos nacionais a darem uma resposta conjunta. Se é claro que uma esmagadora maioria dos europeus
defendem duras sanções à Rússia, tal não obriga a que os media tenham de dar o
mesmo tempo e espaço a outras ideias.
O
pluralismo também nasce das diferentes visões dos próprios órgãos de
comunicação social. Por exemplo, os jornais devem refletir as diferentes
correntes de pensamento da sociedade, tentando respeitar a proporcionalidade de
cada uma delas. E é da visão de grupo dessas diferentes correntes que o público
forma a sua opinião.
Resumindo e concluindo: Alexandre Guerreiro tem
direito à sua liberdade de expressão mas caberá à SIC Notícias avaliar o
momento em que a sua presença em antena ameaça a credibilidade da própria
estação.
GUERRA NA
UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO
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