sexta-feira, 22 de abril de 2022

Tempo psicológico

A referência a José Pacheco Pereira, a propósito das ideologias próprias, por vezes tendenciosas, como explicou ontem o Dr. Salles da Fonseca, tem a ver com a leitura de uns “Públicos” de oferta fraterna dominical, de prazo ultrapassado, é certo, mas que me permitem rever os bons cronistas a que deixei de ter acesso on-line. Num desses artigos, de 26 de Março – “O tempo não passa da mesma maneira” – compara Pacheco Pereira os 48 longos anos da ditadura fascista com os 48 da democracia posterior, que vamos celebrar brevemente, mas que os canais televisivos vão repescando antecipadamente em evocação de canções, heróis ou outras variações em forma de reportagem há muito ultrapassadas, mas necessárias ao regozijo próprio, - de proezas, todavia, bem diversas das que um povo inocente e corajoso actualmente pratica, (contra um outro povo, ou os seus chefes, impunemente criminosos) - e que bem pequenos nos faz sentir, no contraste entre essa nossa efusão gloriosa de uma pequenez arrogante e a tal coragem e sentimento pátrio reveladas pelo povo ucraniano. O tal artigo de Pacheco Pereira de 26/4 vem sofisticadamente adornado com o quadro de Salvador DalíA Persistência da Memória”, de simbolismo oportuno para o paralelo que P.P faz entre a lentidão pasmacenta desses tais 48 anos anteriores ao 25 de Abril, próprios para derreter a paciência - à maneira dos oportunos relógios surrealistas do Dalí - e a rapidez dos 48 anos pós-salazarismo, que, pelos vistos, passaram num ai, merecendo um outro quadro, todavia, em que os relógios retomassem uma estrutura de retorno temporal mais firme, a equiparar-se à virilidade retomada a partir de 74, pelos Pachecos Pereiras da nossa praça, onde, não se percebe bem porquê, aquele escolheu o PSD como partido da sua posição no tablado da sua estabilidade nacional actual.

Sim, o texto de PP ressuma o habitual ardor crítico contra Salazar, figura inerte e impotente, estendida no chão do quadro, representando o próprio pintor apático - se não o mesmo Salazar, segundo o pensamento desfeiteador de PP, cujo tempo psicológico varia, como o de toda a gente, condição que Salvador Dalí traduziu magistralmente, como bem o fez sentir Pacheco Pereira, no seu rancor habitual contra um regime onde só encontrou flacidez, ignorando propositadamente os condicionalismos a que o sujeitaram as inépcias da primeira República, justificativas de uma contenção necessária, que não significou necessariamente menor realização nacional – só que honestamente tratada, pagas as dívidas anteriores e altivamente efectivada, com a contenção da sábia honestidade e da ordem indispensável.


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