Propícia ao atropelo constante
das injustiças sociais, que nos faz situar entre os últimos dos europeus, mau
grado tanto da sua magia de povo alegre e simpático. E afinal bem capaz de proezas,
apesar das astúcias dos enroladores com os poderes instituídos à má fé das
conveniências superiormente permitidas, mau grado as advertências como a do estudo que segue…
Por LUÍS SOARES DE OLIVEIRA.
HISTÓRIA. general. D.O. . VI fascículo B
A hierarquia
antiga
A cultura tradicional tinha habituado as gentes a um modo de vida em que o
rico esbanjava e o pobre rezava.. As virtudes
heroicas dos antepassados serviam de capa a estes desmandos e para que não
houvesse dúvidas sobre quem manda, de quando em vez, os trauliteiros valentes e
fiéis aos seus patrões varriam as feiras a varapau. Os filhos da nobreza
exibiam-se nas arenas públicas a pegar touros. Reservado para os mais ricos
ficava o privilégio do toureio a cavalo. Em teoria, o
soberano defendia a nação e, pelo serviço, o trono recebia o imposto sobre a
terra; a aristocracia servia o soberano e dele recebia prebendas; a Igreja
colectava a esmola e servia Roma; o povo que servia a todos ficava com as migas
e os farelos.
OS NOVOS RICOS
Na Província, a imutabilidade da hierarquia social local devia-se em grande parte a uma
instituição muito portuguesa - as Misericórdias,
- que permitiu conjugar interesses paroquiais com os dos latifundiários. Empreendedores privados havia apenas merceeiros, padeiros, barbeiros e
tecelões e urdidores. E porque eram mesquinhos, o produto económico não
crescia. No vinho do Porto, tiraram
partido os ingleses que souberam criar o mercado. Como notou Beckford,
que aqui se demorou uma temporada no final do século XVIII, "em Portugal até os latifundiários são
pobres" e isto porque não cuidam de extrair rendimento das suas
propriedades. O português considerava a riqueza pecaminosa, sobretudo a alheia.
O escasso
progresso tecnológico permitiu que começassem a surgir ainda, que
minguadamente, fortunas privadas, produto do trabalho e não da herança ou de
sinecura. Entre estas sobressaíam os cabedais esclavagistas acumulados em Africa,
sobretudo em São Tomé, e um pouco em Moçambique, não contando as de capital
estrangeiro:- Sena Sugar e a Companhia de Moçambique, ambas de capital
britânico, e a poderosíssima Companhia dos Diamantes, esta de capital belga.
Estas empresas - tanto nacionais como estrangeiras - operavam no Ultramar e
traziam consigo as sementes do capitalismo internacional que haveria de marcar
o século XX. Em Lisboa, começou a surgir uma classe de ricos com ligações ao
ultramar e estes trouxeram a preocupação estética. Porém, o sentimento de que enriquecimento era pecaminoso estava já tão
profundamente enraizado que até Afonso Costa se permitiu condenar e
ridicularizar no Parlamento o destino de uma família que tendo partido tempos
antes para São Tomé, "de pé descalço e saco às costa", vivia hoje em
Paris num luxuoso palacete nos Campos Elísios, "usufruindo rendimentos
superiores a 500 contos de reis anuais que lhe são pagos por banco londrinos".
A verdade é que surgiu em Portugal , nos primórdios do século XX, uma
classe esclavagista que vivia no luxo e seguia regras de etiqueta e padrões de
consumo estrangeiros. Ainda conheci uma dessas famílias. A ostentação, o mostrar riqueza e requinte, era para esta gente
compulsório e contagiava os janotas do tempos. Há que reconhecer contudo que foram eles - janotas e africanistas -
que trouxeram até nós a Art Nouveau e outras modernidades. Foi aí e então que a estética começou a
substituir a ética. A grande influência dos dois critérios verificar-se-ia um
pouco mais tarde, no pós I Guerra Mundial, e enterraria definitivamente Júlio
Dantas para proclamar Almada Negreiros - morra o Dantas pim -…", Ferreira
de Castro, Sousa Cardoso, Santa Rita, Aquilino Ribeiro, José Régio e
postumamente Fernando Pessoa que continuaram e multiplicaram o esfoço de Eça de
Queiroz no sentido de actualizar a sociedade lisboeta:"
A casta de
herdeiros ociosos manteve pois a sua influência. Vinham do que chamavam "o
ermo da província", onde "sufocavam", em busca de horizontes
estreitos que os deslumbravam. Instalavam-se perto do Chiado, de preferência
com vista para o Tejo e para o Aterro. Mas... "sem ricos, os pobres não podem viver". Esta era uma verdade que até Afonso Costa reconheceu.
A politica do
tempo
Eleições havia,
mas eram garantidamente fraudulentas. O direito de voto era selectivo. Apesar
da contestação interna, o Partido Republicano ganhava sempre. A ausência de
alternância provocou a dificuldade das forças da oposição em aceder aos órgãos
do Poder e privou de representatividade e de participação política grande parte
da população o que não reforçou a estabilidade do novo regime republicano.
Os antigos partidos monárquicos foram dissolvidos
imediatamente após o 5 de Outubro. Ficaram
activos apenas os políticos republicanos históricos e os que aderiram,
popularmente designados por arrependidos e adesivos. Ninguém queria ficar
ligado ao passado. Aos políticos do tempo sobrava formação jurídica e faltava
cultura económica. Diferentemente das democracias nórdicas que formam
criadas e orientadas por empreendedores habituados a colaborar entre si para
criar produto, a portuguesa foi, através dos tempos, dominada por gente que não
favorecia o crescimento. Seguiam o conselho do Sermão da Montanha.
Os
revolucionários republicanos tinham por lema: "isto agora é nosso: também
queremos comer". Começavam então a alargar a sua actividades às cidades e
vilas provincianas através dos "comités de vigilantes" da Carbonaria-Formiga Branca. ali,
perseguiam os reaccionários e prometiam aos locais ««acreditaram e a violência
instalou-se os bandos armados multiplicavam-se: era a guerra de todos contra
todos em que levavam vantagem os mais
violentos e imunizados contra a lei, ou seja os sicários da Carbonária.
Para o político e para o burocrata do tempo, defraudar
o estado era prática aceite, Quanto tiras? era a pergunta a quem conseguia
emprego no Estado. Este procedimento
tornou-se hábito da cultura política nacional que lamentavelmente haveria de
perdurar. Esta teria sido a justificação que levou a República a não
combater a cleptocracia estabelecida. "Se
fôssemos fazer política apenas com gente séria, ficávamos reduzidos a meia
dúzia", dizia o probo José Luciano ainda nos tempos da Monarquia.
Domingos
d'Oliveira nunca aceitou tal vício e manifestava a sua repulsa ao designar o
Ministério da Finanças por Ministério das pinanças.
• A MISÉRIA
O único factor de igualdade era, na época, a maldita
tuberculose. Esta tocava a todos e
impiedosa reduzia os anos de vida de muitos. Só poucos muito poucos tinham a
sorte de ser acolhidos em estabelecimentos hospitalares. A rainha Da Amélia
tinha iniciado uma obra como esse propósito, mas D. Amélia partiu e a obra
ressentiu-se. Segundo relatos que ouvi em casa de meus avós e pela leitura de
alguns trabalhos isentos, o Portugal
anterior a 1910 proporcionava um quadro de imensa pobreza a que os liberais não
souberam pôr fim.
Em Lisboa, no Aterro, - obra de engenharia inaugurada
ainda por D.Luís e que ia do Cais das Colunas até Algés -, podia observar-se o espectro de miséria, do
tempo. Por ali vagueavam aos milhares desempregados à espera de uma
oportunidade de trabalho. Ainda vi lembranças deste triste quadro na Ribeira,
ali para as bandas do Cais Sodré. Peixeiras e os sem emprego amontoavam-se
sempre prontos a empregar seus braços, assim aparecesse quem os quisesse. Os
que não eram contratados não regressavam logo a casa de mãos a abanar, suma
vergonha. Sentavam-se no chão, deitavam-se pelos passeios, gozavam a sombra das
árvores e dos quiosques mas por ali passavam o dia sempre na esperança de um
chamado que lhes assegurasse umas escassas moedas para custear a janta... Como
disse Raul Brandão, "ali estavam os homens, centenas, milhares, à espera,
à espreita, naquele jogo do azar-sorte, do fortuito acaso, hora feliz ou sina
malvada". Tal gente parecia aceitar que a miséria é para todo o sempre.
Mas não era assim.
O operariado e as sufragistas seriam as questões
sociais mais obsessivas dos primórdios do século XX, em todo o mundo ocidental.
A primeira dizia respeito à remuneração do trabalho e a segunda ao direito de
voto. A primeira
internacionalizou- se rapidamente e assumiu logo à partida inflamado cunho
violento; a segunda não. Porquê a
diferença? Talvez porque o elemento feminino não aprendeu a causar estragos
além dos da linguagem. Facto é que enquanto a primeira se fazia sentir
entre nós, cada vez com mais intensidade; a segunda ficou restrita ao âmbito
jurídico e movimentou pouca gente.
Aos poucos, surgiram os
sindicatos e os movimento socialistas de vária denominações. Gradualmente, a Igreja alterou o
seu modo tradicional de reagir aos contestatários e decidiu doutrinar nesta
matéria em vez de torturar e matar. Ao fazê-lo, abençoou - sem o mencionar - o
capitalismo, atribuindo-lhe a virtude de promotor do crescimento económico e,
como tal, protector da sociedade. Os pontífices romanos pensavam talvez
que deste modo ganhariam um aliado útil e travariam a fuga de adeptos, mas, na
realidade, o que aconteceu foi que a Igreja acabou por tomar partido numa
questão social, sem a resolver.
No caso do
sufrágio feminino, em Portugal, o embaraço foi muito menor, excepto para Afonso
Costa. Na Constituição de 1911 por ele elaborada o direito de voto era
reconhecido aos chefes de família sem distinção de sexo. Tendo posteriormente
constatado que o voto das viúvas não favorecia os objectivos políticos do seu
partido, Afonso Costa, sem mais delongas, introduziu (1913) uma emenda à
Constituição que restringia o reconhecimento deste direito aos chefes de
família do sexo masculino
SINDICALISMO
O sindicalismo em Portugal não era em 1910
significante em números e menos ainda estava preparado para fomentar a
violência nas ruas. Mas já prometia. Conforme
inquéritos promovidos então pelas associações de classe revelaram que os
efectivos do operariado quase duplicaram entre 1907 e 1917 (86 600 em 1907 e
142 600 em 1917) e continuaram a crescer exponencialmente até 1930 (217 900 em
1924 e cerca 300 000 em 1930). Em
1909, data do primeiro Congresso Sindicalista, cerca de 27 000 operários
estavam associados. O sindicalismo limitava-se a registar e a
propagandear. Até então não servia de agente da prosperidade da classe. O
Congresso, que já tinha dito que sim à primeira versão, disse também que sim à segunda e as
senhoras teriam que esperar vinte anos, até ao governo de meu avô, para
recuperarem o direito de voto. Poucas protestaram. Afonso aproveitou esta
passividade para retirar aos militares o direito de voto também a estes. São
todos iguais, mas há uns que são mais iguais do que os outros, diria George
Orwell.
Ensino e
nível de conhecimento
A situação do ensino público
no tempo da Monarquia não era brilhante, A taxa de analfabetismo entre as
pessoas com mais de 7 anos diminuiu de 73 % em 1900 para 69 % em 1910. A República trouxe consigo
algumas inovações: foram criados em 1911 a primeira escola de enfermagem e um
magistério; a educação oficial e livre para todas as crianças foi instituída
por decreto. A escola primária continuou a ser violenta. As 5 500 que existiam
em 1910 subiram para 6 500 em 1916, 6 900 em 1920 e cerca de 7 000 em 1925.
Mas não foram atingidos resultados significativos. A
taxa de analfabetismo apenas diminuiu de 69 % em 1910 para 64% em 1920. O Governo explicou esta escassa
diminuição com a falta de professores e outras dificuldades, sobretudo
financeiras. A escolaridade entre as crianças com idade compreendida
entre 10 e 18 anos subiu de 0,8% em 1910 para 1,5% em 1917 e 2%em 1925. A taxa
de alunos por professor pouco variou: de 17 em 1913 para 16 em 1923. Nas
escolas superiores verificou-se um aumento de alunos de 3223 em 1911 para 4227
em 1923, A participação dos estudantes nos cursos técnicos foi respectivamente
de 545 e 796. Muito se
interrogavam «Para quê mais ensino técnico se não há mais actividades
produtivas significativas? De qualquer maneira, novas reformas foram introduzidas
e criadas novas escolas. Se analisarmos a situação da mulher, as cifras serão
ainda mais baixas. A taxa de analfabetismo entre as mulheres com mais de 7
anos, que era de 71 %em 1910,apenas decresceu para 61 % em 1920, enquanto os
mesmos números para a população masculina eram de 68 % e 57 %,respectivamente.
No ensino secundário, a escolaridade das crianças do sexo feminino entre os 10
e os 18 anos de idade era 0,2 % em 1910 e 0,8 % em 1930. A percentagem de
homens na universidade manteve-se constante: - 95%. A mulher continuava inculta.
A comunicação
Embora o ensino
não tenha tido expansão digna de nota, o interesse pela informação política
aumentou consideravelmente. Em 1912,foram fundadas as chamadas Universidades
Livres e em 1913 as Universidades Populares, abertas ao público e onde os
trabalhadores participaram activamente. O número de jornais aumentou de 450 em
1908 para 600 em 1923. Este aumento ficou a dever-se aos jornais políticos, de
tal modo se multiplicaram que alguns observadores estrangeiros chamaram a
Portugal «escola de democracia». Foi lançado no Porto o movimento cultural da
Renascença Portuguesa encabeçado por Leonardo Coimbra, António Sérgio, Augusto
Casimiro e João de Barros. Alguns intelectuais portugueses opõem ao positivismo
importado do centro da Europa o “saudosismo” naturalista de Teixeira de
Pascoaes. António Sérgio desligar-se-ia mais tarde do movimento para regressar
ao racionalismo que inspirou a Seara Nova.
Os industriais
deram-se conta da importância da imprensa e apressaram-se para a controlar. Os
da moagem para quem o preço do pão era vital apoderaram-se do Diário de
Notícias que tinha caído no goto dos lisboetas e este passou a militar do lado
liberal- capitalista: sempre a favor do governo, qualquer governo.
Os republicanos,
uma vez no poder, trataram de silenciar os jornais monárquicos mas não
recorriam á censura. Invasão de populares que escaqueiraram móveis e máquinas
da redação dos jornais, desterro do /quadro jornalístico foram os métodos
escolhidos para o caso. Livres eram todos, mas alguns eram mais livres do que
os outros.
No post Grande
Guerra deu-se um choque cultural de consequência, sobretudo ao nível da massas:
- a chegada do animatógrafo. Outros mais classistas se seguiriam,
designadamente o Jazz, o modernismo, a Art Deco, etc. O sufragismo porém
continuou a não cativar o espírito feminino português.
(CONTINUA NO
PRÓXIMO SÁBADO)
Todas as reacções:
44
Mario Curveira Santos: Para quando o livro que
eternize esta maravilhosa prosa e melhor partilha de uma certa visão de um
certo Portugal por umas certas pessoas (isto até podia ser o título ) Para além da
brincadeira, muito obrigado pela partilha connosco Um abraço amigo
Joaquim Morais: Muito grato ao Senhor
Embaixador por este texto!
GOSTO.
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