terça-feira, 13 de agosto de 2024

Já agora


O tempo falta e a disponibilidade de o usar in loco. Prefiro o sofá, que nos mostra os caminhos da Terra nossa, através das deslocações dos nossos locutores televisivos. Nossos e alheios, hoje até já percorri partes do nosso país e pouco depois fui parar aos espaços islandeses, com justificações dos inícios terráqueos, feitas por um cientista do grupo. Tudo bom e cómodo, sem as maçadas nem as despesas das viagens – boa prova de velhice – de pelintrice também - mas dantes, a vida também não proporcionou muitas passeatas, a não ser as ocasionais, das curiosidades e eventuais disponibilidades, a da bolsa de estudos a Paris, de combóio, e as de avião, dos tempos de Salazar e Marcelo Caetano – ao e do Ultramar - pagas pelo Estado, a quem fiquei para sempre grata… Quanto às histórias empresariais, é o costume, entre nós, estas lutas capitalistas entre os donos do capital, a tempo inteiro ou na oportunidade dos cargos. Sou leiga e destituída de consciência e precisão de dados, a ironia do articulista e dos comentadores elucida-me, e sem estranheza, hélas! Mas prefiro as imagens viageiras da comodidade televisiva, proporcionada pelos respectivos actores das deslocações e explicações adequadas, para o nosso conhecimento do mundo – afinal bem rigoroso, por vezes, para o nosso encanto, ou a nossa parcimónia espiritual.

A república dá-te asas

Melhor do que pagar uma companhia aérea pública para competir com os privados, só mesmo pagar duas companhias aéreas públicas para competirem uma com a outra.

ALEXANDRE BORGES Escritor e argumentista

OBSERVADOR, 08 ago. 2024, 06:0325

Em Agosto, um açoriano caminha para casa. É o cumprimento daqueles magníficos versos de Ruy Belo, com mais algum rigor espácio-temporal: “Mesmo que não conheças nem o mês nem o lugar / Caminha para o mar pelo Verão”. É um tempo de reencontro, de recomeço… e de um tipo se lembrar que é dono de duas companhias aéreas. Ou três.

Sim. Em princípio, você também é. Não estamos aqui entre pessoas quaisquer, não senhor; isto é conversa entre empresários da aviação, dois Howard Hughes da ocidental praia lusitana. Não se impressione com o descapotável do seu amigo, nem com o cargo de CEO-C-3PO Founder Specialist Strategist Little Buddha Analyst do seu cunhado. Eu e você somos doutro gabarito: donos da TAP, da SATA e da Azorean Airlines.

Eu sei. Uma pessoa em Portugal tem tanta coisa que até se esquece – televisões, bancos, companhias de transportes, distribuidoras de papel – mas garanto-lhe: tente comprar uma viagenzinha sentimental, dentro do nosso território e a bordo de um dos nossos aviões, e rapidamente tudo voltará à memória. Funciona assim: você tenta comprar um bilhete entre, por exemplo, Lisboa e a Ilha Terceira ou o Porto e São Miguel, pedem-lhe 400, 500, 600, 700, 800 euros, e instantaneamente você dirá: “então, mas eu não era dono desta m****?!”

Certo. Era e é. Relativamente à TAP, temos todos a memória reavivada pela recente comissão de inquérito. Sabemos que a vendemos e recomprámos para a voltar a pôr à venda e que, de caminho, pusemos lá quatro mil milhões de euros que serviram, entre outros, para pagar indemnizações milionárias a administradores amuados, despedimentos por whatsapp e bicicletas pelo ar. Trata-se de uma companhia “de bandeira”, que não só não discrimina positivamente os passageiros que a financiam através dos seus impostos, como na verdade os despreza, dirigindo-se-lhes em inglês, quando precisa de os contactar com informações importantes acerca dos seus voos (quando até as companhias privadas estrangeiras se dão ao cuidado mínimo de aplicar um software de tradução automática às mensagens que enviam). Mas do grupo SATA falamos menos e é uma pena. Porque melhor do que pagar uma companhia aérea pública para competir com os privados, só mesmo pagar duas companhias aéreas públicas para competirem uma com a outra.

Sim. Se o/a meu/minha amigo/a ainda estiver nessa de vir aos Açores este Verão (a água anda a 26 graus, posso confirmar-lhe), pode meter-se num avião da TAP ou num da SATA/Azorean Airlines. São ambos seus – e ambos lhe vão exigir centenas de euros para voar duas horas dentro do seu país. Mas tem ainda outra hipótese: se não se importar de viajar com menos bagagem e só para uma das ilhas mais populosas, pode conseguir um voo mais barato através da Ryanair, empresa privada subsidiada pelo Governo Regional dos Açores para fazer 2000 voos por ano e, assim, também competir com as nossas companhias.

Ou seja, na prática, sucede o seguinte: pagamos a três companhias aéreas para fazerem em boa medida as mesmas rotas e, depois, ainda pagamos outra vez quando queremos usar uma dessas companhias. Mas há mais. O grupo SATA é composto por duas transportadoras: a SATA Air Açores, que efectua os voos entre as ilhas açorianas, e a Azorean Airlines, que efectua as ligações entre as ilhas e o resto do mundo porque, claramente, ainda não havia companhias áreas que chegassem para isso – não exactamente daquela cor. Depois de muitos anos de protestos dos açorianos e de promessas dos sucessivos governos, lá se arranjou um preço especial para os residentes no arquipélago, que eram, obviamente, quem mais sofria com os custos da insularidade: um máximo de 134 euros para ligações de ida-volta entre os Açores e o continente.

Tudo certo, certo? Errado. Porque, a partir desse dia, os voos que já eram invulgar e consistentemente caros – cerca de 300 eurosdispararam para os 400, 600, 800, 900 – aqui, o céu é mesmo o limite. O açoriano residente paga o preço exigido pela companhia, e depois é reembolsado pelo Governo na diferença entre esse preço e os 134 euros máximos que garantiram que lhe seriam exigidos. E assim, o açoriano residente cala-se e só resmunga a maçada de ter tido de avançar com o dinheiro e ir aos CTT levantar o reembolso, distraído do facto de que andamos todos, açorianos e não açorianos, residentes e não residentes, a bancar reembolsos de 400, 500, 600, 700 euros por cabeça, para fazer dois voos de duas horas.

E sabe o que é mais notável? Apesar de todas estas receitas, todas estas nossas companhias têm dívidas do tamanho de Boeings 747. Não era fácil, mas elas conseguiram. Consistentemente e ao longo de muitos anos, mesmo que as actuais administrações se esforcem por mudar o rumo.

Sim, cara leitora, caro leitor. Não faça por menos: doravante, apresente-se como dono de duas companhias aéreas – ou três, já nem sabe.  O ar de inveja do seu cunhado, o olhar de admiração da colega da amiga da sua prima, são mesmo a única coisa que ainda vamos lucrar com isto.

Agora, com licença. Vou só ali dar um mergulho e ler o meu Ruy Belo. Uma pessoa precisa de descansar a cabeça de tantas responsabilidades de gestão.

COMPANHIAS AÉREAS      AVIAÇÃO       MUNDO      DÉFICE     ECONOMIA

COMENTÁRIOS (de 25):
bento guerra: Esperemos que a Ibéria compre a TAP e leve a SATA como prémio. Com operação em Madrid, não será necessário novo aeroporto, em Lisboa (nem TGV ,nem Ponte, nem PPP com a Mota-Engil)

José B Dias > Mário Rodrigues: Os governantes que conduziram à corrente situação não vieram de Marte e não se auto-elegeram ... e foram até reeleitos vezes sem conta pelos mesmos que pagaram, pagam e continuarão a pagar.

José B Dias > João Floriano: O eleitor médio assemelha-se ao adepto de futebol típico ... é do mesmo clube desde pequenino, já o pai e o avô "torciam" pelo mesmo, o clube é sempre o maior e só perde por culpa de factores exógenos, como árbitros a altura da relva ou o azar, todos os outros são piores e quando ganham é por manifesta sorte ou compadrio. É este tipo de "pensamento" - chamemos-lhe assim à falta de melhor ... - que leva a que quase 50 depois sejam os partidos mais votados nas primeiras eleições da III República que continuam a ser os mais votados hoje.  E estando a vista de todos, sem necessidade de grande esforço - se algum - o resultado das suas acções e omissões, o compadrio, a corrupção, o enxamear de "boys & girls" por lugares criados apenas para lhes dar rendas e, em súmula, o marcar passo de um país e de toda uma população. Mas como sempre foram (escolher o partido) desde pequeninos e o pai e o avô já o eram também e o novo líder é tão mais (escolher qualidade) que os dos outros... vão escolher o que sempre escolheram.

Filipe Costa: Podiam oferecer essas companhias com um laço e tudo, é só embrulhar, aposto que nem dado querem aquilo, Satas e Azores airlines, tudo falido.

João Floriano > José B Dias: O José B Dias tem toda  a razão: não são marcianos, nem se auto elegeram. Contudo o eleitor médio tem acesso a uma parte ínfima da informação e não tem tempo, nem vontade de passar horas do seu dia a tentar perceber os pormenores. Fica-se pela generalidade. No meu caso já sabia que os Açores têm  condições especiais para viagens aéreas (compensação da insularidade) mas não me tinha apercebido da competição entre vários prestadores de serviços. Mas é fácil de observar que visitar os Açores se torna de ano para ano cada vez mais caro e que na época alta, os preços equiparam-se a outros destinos bem mais distantes. Os Açores estão na moda devido à sua beleza impar, mas creio que a pressão dos preços vai afastar muitos visitantes.

Mário Rodrigues: Além de descansar a cabeça também era bom podermos descansar a carteira...

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