O tempo falta e a disponibilidade de o
usar in loco. Prefiro o sofá, que nos
mostra os caminhos da Terra nossa, através das deslocações dos nossos locutores
televisivos. Nossos e alheios, hoje até já percorri partes do nosso país e
pouco depois fui parar aos espaços islandeses, com justificações dos inícios
terráqueos, feitas por um cientista do grupo. Tudo bom e cómodo, sem as maçadas
nem as despesas das viagens – boa prova de velhice – de pelintrice também - mas
dantes, a vida também não proporcionou muitas passeatas, a não ser as
ocasionais, das curiosidades e eventuais disponibilidades, a da bolsa de
estudos a Paris, de combóio, e as de avião, dos tempos de Salazar e Marcelo
Caetano – ao e do Ultramar - pagas pelo Estado, a quem fiquei para sempre grata…
Quanto às histórias empresariais, é o costume, entre nós, estas lutas capitalistas
entre os donos do capital, a tempo inteiro ou na oportunidade dos cargos. Sou
leiga e destituída de consciência e precisão de dados, a ironia do articulista
e dos comentadores elucida-me, e sem estranheza, hélas! Mas prefiro as imagens viageiras
da comodidade televisiva, proporcionada pelos respectivos actores das
deslocações e explicações adequadas, para o nosso conhecimento do mundo –
afinal bem rigoroso, por vezes, para o nosso encanto, ou a nossa parcimónia espiritual.
A república dá-te asas
Melhor do que pagar uma companhia
aérea pública para competir com os privados, só mesmo pagar duas companhias
aéreas públicas para competirem uma com a outra.
ALEXANDRE BORGES Escritor
e argumentista
OBSERVADOR, 08
ago. 2024, 06:0325
Em Agosto, um açoriano caminha para
casa. É o cumprimento daqueles magníficos versos de Ruy Belo, com mais algum
rigor espácio-temporal: “Mesmo que não
conheças nem o mês nem o lugar / Caminha para o mar pelo Verão”. É um tempo
de reencontro, de recomeço… e de um tipo se lembrar que é dono de duas
companhias aéreas. Ou três.
Sim. Em princípio, você também é. Não
estamos aqui entre pessoas quaisquer, não senhor; isto é conversa entre
empresários da aviação, dois Howard Hughes da ocidental praia lusitana. Não se
impressione com o descapotável do seu amigo, nem com o cargo de CEO-C-3PO
Founder Specialist Strategist Little Buddha Analyst do seu cunhado. Eu e você
somos doutro gabarito: donos da TAP, da SATA e da Azorean Airlines.
Eu sei. Uma pessoa em Portugal tem tanta
coisa que até se esquece – televisões, bancos, companhias de transportes,
distribuidoras de papel – mas garanto-lhe: tente
comprar uma viagenzinha sentimental, dentro do nosso território e a bordo de um
dos nossos aviões, e rapidamente tudo voltará à memória. Funciona assim:
você tenta comprar um bilhete entre, por exemplo, Lisboa e a Ilha Terceira ou o
Porto e São Miguel, pedem-lhe 400, 500, 600, 700, 800 euros, e instantaneamente
você dirá: “então, mas eu não era dono desta m****?!”
Certo. Era e é. Relativamente à TAP,
temos todos a memória reavivada pela recente comissão de inquérito. Sabemos que
a vendemos e recomprámos para a voltar a pôr à venda e que, de caminho, pusemos
lá quatro mil milhões de euros que serviram, entre outros, para pagar
indemnizações milionárias a administradores amuados, despedimentos por whatsapp
e bicicletas pelo ar. Trata-se de uma
companhia “de bandeira”, que não só não discrimina positivamente os passageiros
que a financiam através dos seus impostos, como na verdade os despreza,
dirigindo-se-lhes em inglês, quando precisa de os contactar com informações
importantes acerca dos seus voos (quando até as companhias privadas
estrangeiras se dão ao cuidado mínimo de aplicar um software de
tradução automática às mensagens que enviam). Mas do grupo SATA falamos
menos e é uma pena. Porque melhor do
que pagar uma companhia aérea pública para competir com os privados, só mesmo
pagar duas companhias aéreas públicas para competirem uma com a outra.
Sim.
Se o/a meu/minha amigo/a ainda estiver nessa de vir aos Açores este Verão (a
água anda a 26 graus, posso confirmar-lhe), pode meter-se num avião da TAP ou
num da SATA/Azorean Airlines. São ambos seus – e ambos lhe vão exigir centenas
de euros para voar duas horas dentro do seu país. Mas tem ainda outra hipótese:
se não se importar de viajar com menos bagagem e só para uma das ilhas mais
populosas, pode conseguir um voo mais barato através da Ryanair, empresa
privada subsidiada pelo Governo Regional dos Açores para fazer 2000 voos por
ano e, assim, também competir com as nossas companhias.
Ou seja, na prática, sucede o seguinte: pagamos a três companhias aéreas para
fazerem em boa medida as mesmas rotas e, depois, ainda pagamos outra vez quando
queremos usar uma dessas companhias. Mas há mais. O grupo SATA é composto por
duas transportadoras: a SATA Air Açores, que efectua os voos entre as ilhas
açorianas, e a Azorean Airlines, que efectua as ligações entre as ilhas e o
resto do mundo porque, claramente, ainda não havia companhias áreas que
chegassem para isso – não exactamente daquela cor. Depois de muitos anos
de protestos dos açorianos e de promessas dos sucessivos governos, lá se arranjou um preço especial para os
residentes no arquipélago, que eram, obviamente, quem mais sofria com os custos
da insularidade: um máximo de 134 euros para ligações de ida-volta entre os
Açores e o continente.
Tudo certo, certo? Errado. Porque, a
partir desse dia, os voos que já eram invulgar e consistentemente caros – cerca
de 300 euros – dispararam para os
400, 600, 800, 900 – aqui, o céu é mesmo o limite. O açoriano residente
paga o preço exigido pela companhia, e depois é reembolsado pelo Governo na
diferença entre esse preço e os 134 euros máximos que garantiram que lhe seriam
exigidos. E assim, o açoriano residente cala-se e só resmunga a maçada de ter
tido de avançar com o dinheiro e ir aos CTT levantar o reembolso, distraído do
facto de que andamos todos, açorianos
e não açorianos, residentes e não residentes, a bancar reembolsos de 400, 500,
600, 700 euros por cabeça, para fazer dois voos de duas horas.
E
sabe o que é mais notável? Apesar de todas estas receitas, todas estas nossas
companhias têm dívidas do tamanho de Boeings 747. Não era fácil, mas elas
conseguiram. Consistentemente e ao longo de muitos anos, mesmo que as actuais
administrações se esforcem por mudar o rumo.
Sim, cara leitora, caro leitor. Não
faça por menos: doravante, apresente-se como dono de duas companhias aéreas –
ou três, já nem sabe. O ar de inveja do seu cunhado, o olhar de admiração
da colega da amiga da sua prima, são mesmo a única coisa que ainda vamos lucrar
com isto.
Agora, com licença. Vou só ali dar um
mergulho e ler o meu Ruy Belo. Uma pessoa precisa de descansar a cabeça de
tantas responsabilidades de gestão.
COMPANHIAS AÉREAS AVIAÇÃO MUNDO DÉFICE ECONOMIA
COMENTÁRIOS (de 25):
bento guerra: Esperemos
que a Ibéria compre a TAP e leve a SATA como prémio. Com operação em Madrid, não
será necessário novo aeroporto, em Lisboa (nem TGV ,nem Ponte, nem PPP com a
Mota-Engil)
José B Dias > Mário
Rodrigues: Os
governantes que conduziram à corrente situação não vieram de Marte e não se
auto-elegeram ... e foram até reeleitos vezes sem conta pelos mesmos que
pagaram, pagam e continuarão a pagar.
José B Dias > João
Floriano: O eleitor
médio assemelha-se ao adepto de futebol típico ... é do mesmo clube desde
pequenino, já o pai e o avô "torciam" pelo mesmo, o clube é sempre o
maior e só perde por culpa de factores exógenos, como árbitros a altura da
relva ou o azar, todos os outros são piores e quando ganham é por manifesta sorte
ou compadrio. É este tipo
de "pensamento" - chamemos-lhe assim à falta de melhor ... - que leva
a que quase 50 depois sejam os partidos mais votados nas primeiras eleições da
III República que continuam a ser os mais votados hoje. E estando a vista de todos, sem necessidade de grande
esforço - se algum - o resultado das suas acções e omissões, o compadrio, a
corrupção, o enxamear de "boys & girls" por lugares criados
apenas para lhes dar rendas e, em súmula, o marcar passo de um país e de toda
uma população. Mas como
sempre foram (escolher o partido) desde pequeninos e o pai e o avô já o eram
também e o novo líder é tão mais (escolher qualidade) que os dos outros... vão
escolher o que sempre escolheram.
Filipe Costa: Podiam oferecer essas companhias com um laço e tudo, é
só embrulhar, aposto que nem dado querem aquilo, Satas e Azores airlines, tudo
falido.
João Floriano > José
B Dias: O José B Dias
tem toda a razão: não são marcianos, nem se auto elegeram. Contudo o
eleitor médio tem acesso a uma parte ínfima da informação e não tem tempo, nem
vontade de passar horas do seu dia a tentar perceber os pormenores. Fica-se
pela generalidade. No meu caso já sabia que os Açores têm condições
especiais para viagens aéreas (compensação da insularidade) mas não me tinha
apercebido da competição entre vários prestadores de serviços. Mas é fácil de
observar que visitar os Açores se torna de ano para ano cada vez mais caro e
que na época alta, os preços equiparam-se a outros destinos bem mais distantes.
Os Açores estão na moda devido à sua beleza impar, mas creio que a pressão dos
preços vai afastar muitos visitantes.
Mário Rodrigues: Além
de descansar a cabeça também era bom podermos descansar a carteira...
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