sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Cada vez mais na mesma


Na questão do assumir pontos de vista diferentes dos do rebanho da modernidade actual, que todo este se debruça sobre o papaguear das novas devoções anti-racistas, ou anti- cientistas, impugnando conceitos de que a ciência e a normalidade provam a consistência. Sim, já nem sequer podemos ter confiança no que separava os partidos em termos de ideologias ou preconceitos, que nos faziam pender para os partidos de pensamento próximo do nosso. Não, pelos vistos já não há disso, prova-o este texto e alguns comentários, como de resto o provaram atitudes de risonha subserviência de Montenegro e comparsas, quer ao Costa quer ao PR, acompanhando-o nas passeatas olímpicas, a exibir presença, quando se pede que se tente destrinçar a meada de inépcias cometidas pelos Costas e ventres anteriores, e não começar a percorrer o mundo, como todos os demais fizeram, que assim se passearam, por conta da nação. Sim, cada vez mais na mesma, para ventura do Ventura que gosta definitivamente de se ouvir e já ninguém suporta ouvir, ambicioso e pequeno, como os demais… Não, não há ninguém que ponha ponto final na festa, encolhido Passos Coelho na sua indiferença altaneira… ou desiludida, talvez.

Estará o PSD a abarrotar de wokes?

Seria importante que alguém com posição cimeira no Governo e no PSD — eventualmente, o próprio Luís Montenegro —, viesse dizer aos portugueses o que pensam os seus líderes a respeito do wokismo.

JOÃO PEDRO MARQUES Historiador e romancista

OBSERVADOR, 23 ago. 2024, 00:1611

A polémica estalou de imediato quando, no passado mês de Julho, a Direcção-Geral da Saúde utilizou, numa campanha para investigar as características da menstruação, a expressão “pessoas que menstruam” quando pareceria mais óbvio e consensual — e razoável, digo eu — usar a palavra “mulheres”. Escreveram-se artigos, ouviram-se pareceres científicos, os cidadãos tomaram posição nas redes sociais, agitaram-se as bancadas parlamentares. Em consequência disso o PSD pediu explicações à Ministra da Saúde, o Bloco de Esquerda pediu-as à Ministra da Juventude e Modernização, Margarida Balseiro Lopes, e foi esta última que, agora, mais de um mês após a polémica de Julho, respondeu, dando o seu aval à expressão “pessoas que menstruam”, preconizando a “utilização de linguagem neutra do ponto de vista do género para se referir aos produtos menstruais” e desencadeando uma segunda onda da mesma polémica.

Essa polémica, que vai remexer mais fundo do que parece, interessa-me, desafia-me a tomar posição e, sobretudo, inquieta-me. Trata-se de uma inquietação dupla que é, aliás, antiga. Há, por um lado, o problema desta novilíngua que nos querem impor, problema sobre o qual já escrevi vários artigos e que continua a preocupar-me não apenas pelo que representa, mas também pelo que promove em termos de subversão de conceitos e de atitudes. Não tenho a veleidade de, nesta questão concreta da menstruação, trazer aos que me lêem ideias inéditas ou, sequer, importantes. Expliquei, no facebook, a minha aversão ou oposição à expressão “pessoas que menstruam” — e a minha decepção com a posição da ministra da Juventude e Modernização —, e várias pessoas vieram comentar e exprimir ideias mais interessantes, elaboradas e inteligentes do que as minhas. Há, todavia, uma segunda coisa que me inquieta nesta questão e foi ela que me levou a escrever este artigo. Falo da posição do PSD e do governo da AD, que, nestes mares encapelados parecem navegar sem rota certa ou perceptível por quem os observa de fora.

É verdade que houve vozes dentro do PSD — com destaque para a do deputado Bruno Vitorino — que vieram contestar a ministra Margarida Balseiro Lopes, sugerindo que ela estaria a falar apenas em seu nome próprio e não no do governo, e pedindo-lhe que se cingisse ao que está no programa desse governo em vez de se lançar em largos voos woke por coisas que lá não estão. Mas logo outras vozes no partido vieram respaldar a ministra, fazendo-o em termos para mim surpreendentes. Foi o caso do ex-eurodeputado Carlos Coelho, alguém que foi (ou é) politicamente próximo de Luís Montenegro, e que afirmou que “qualquer reacção contrária” à posição da ministra “é uma reação desagradável, com sabor do antigamente, de exclusão, de preconceito.” Acontece que essa “reacção contrária” à posição da ministra tem sido evidente em muitas centenas, provavelmente muitos milhares, de pessoas que apoiaram a AD — como é o meu caso — e que se manifestam contra a fraseologia de que a ministra, Carlos Coelho e outros/as gostam.

Há aqui, portanto, uma zona de contradição (e de atrito) entre os rumos do partido do governo e a sua base social de apoio, e há sobretudo perplexidade e incerteza quanto ao que, no plano da ideologia e dos valores, serão esses rumos. Ora isso não é bom. É verdade que, os partidos políticos democráticos e, por maioria de razão, os que agregam muita gente, albergam no seu seio várias correntes de opinião. Isso é inescapável. Contudo, neste caso estamos a falar de correntes opostas e, para além disso e acima disso, de uma inquietante indefinição ou pouca clareza da direcção do partido (e do governo) na área das chamadas guerras culturais. O problema é que não está clara a posição do partido relativamente à agenda woke. A sua falta de nitidez nessa matéria ou, pior, a frequente emissão de opiniões e decisões políticas de cariz woke vindas da gente que está ou esteve nas suas fileiras, de gente que lá milita ou militou, desgosta todo um sector da opinião pública que se considera não-woke ou anti-woke, empurra-o para propostas políticas mais claras e assumidas e terá contribuído, e muito, para o crescimento exponencial do partido Chega.

Em tempos, tendo em mente a questão das exigências de pedidos de desculpa e de reparações por factos ligados à nossa história colonial, pedi ao PSD e ao PS que esclarecessem o que tencionavam fazer naquilo a que chamei a Era da Expiação”. Ambos os partidos preferiram ficar em silêncio. É justo reconhecer que o governo do PSD quebrou, e muito adequadamente, esse seu mutismo no dia 27 de Abril de 2024. Recordemo-nos que, no dia anterior, num jantar com jornalistas e correspondentes estrangeiros, Marcelo Rebelo de Sousa achara por bem comprometer o país em “reparações” por factos ocorridos na sua história colonial, ou seja, por crimes ou comportamentos/actividades que agora consideramos crimes. Reagindo rapidamente, o governo de Luís Montenegro veio assegurar que não existia da sua parte qualquer plano para proceder a reparações, e assim mostrou aos portugueses que não alinhava nas intenções e promessas woke do Presidente da República.

Ora, da mesma forma que, no final do mês de Abril, o governo sentiu necessidade de cortar o mal da incerteza pela raiz, talvez fosse agora importante que alguém com uma posição cimeira dentro desse governo e do partido — eventualmente, o próprio Luís Montenegro —, viesse dizer aos portugueses o que pensam os seus líderes a respeito do wokismo, da chamada linguagem inclusiva ou, mais simples e prosaicamente da substituição da palavra “mulher” pela expressão “pessoa que menstrua.” Não o fazendo poderá crescer a suspeita em muitas das pessoas que apoiaram a AD de que, debaixo dos seus silêncios, este PSD estará a abarrotar de wokes.

PSD      POLÍTICA       IDENTIDADE DE GÉNERO     SOCIEDADE

COMENTÁRIOS (de 11)

Maria Cordes: Esta hipocrisia das chefias do PSD, fingindo que não pasa nada, é insuportável. É assim que uma minoria, que ou menstrua, ou não menstrua, tenta impor sobre uma maioria, que nada quer ver com a cultura woke, os seus doentios pontos de vista e a sua cultura de expiação, nouvelle cuisine. Preparem-se, não vamos deixar que este assunto fique por esclarecer. Se n for a bem, é a mal, nas urnas. Em bicos de pés, querendo parecer muito modernos, não passam de figuretas jolis, bem representadas no piroso, e tenebroso espectáculo, projectado em Paris.              José Neto: Desengane-se quem pensa que este PSD ainda é o partido de Sá Carneiro, de Cavaco Silva ou de Passos Coelho. Não, este PSD é a "direita de que a esquerda gosta", sendo que a própria "esquerda" já não é a esquerda democrática que resistiu à deriva comunista do PREC. A esquerda de hoje, não só cá, mas também em muitos outros países do mundo ocidental, segue uma agenda woke, em que tudo se desconstrói, a ponto de se substituir a noção clara e simples de sexo (há dois, masculino e feminino) pela ideia de género - que ninguém consegue definir e ainda menos contabilizar. Quem está ao comando deste processo? Parece-me que está a cumprir-se a proposta de Gramsci: o maravilhoso mundo novo não será uma iniciativa da classe operária (isso ainda existe?), mas sim do mundo universitário. É das universidades, e também da comunicação social, que vemos surgir as ideias e as propostas que visam pôr este mundo em pantanas. O elementar bom-senso sente-se atordoado, não sabe reagir e vê-se, de repente perante uma proposta de lei sobre um qualquer "tema fracturante". E assim, por via da introdução de um palavreado estranho - a tal novilíngua -, vemos de repente que o aborto foi consagrado como direito da mulher, a eutanásia como direito universal, a fronteira de um país parece um conceito ultrapassado e um grupo terrorista pode ser equiparado a um estado de direito. Matérias que me davam que pensar já estão legisladas - a liberdade que tínhamos para discutir foi-nos roubada. Estamos a entrar numa ditadura? Também este Luís Montenegro já não é o líder parlamentar do tempo de Passos Coelho. Este é o Luís Montenegro fraco, que pediu ao PS que o deixasse governar, prometendo-lhe que nunca faria entendimentos com o Chega. Este é o Luís Montenegro tonto, que se fartou de esbracejar para levar António Costa a presidir ao Conselho Europeu. Caríssimo João Pedro Marques, sou leitor assíduo dos seus artigos, com os quais tenho aprendido muito. Desta vez, porém, não estou na mesma onda. Este Luís Montenegro foi quem escolheu a ministra woke.                 Lourenço de Almeida: É o 1984 all over again! Já tivemos a URSS, o maoismo, o trotskismo e o nazismo, todos a inventar novilínguas e a impor sociedades como tão bem descreve o Orwell. Infelizmente a ignorância e a estupidez continuam enormes e se as monstruosidades daqueles regimes já quase não permitam que mesmo os mais imbecis continuem a louvá-los, os mesmos estão sempre prontos para inventar uma nova monstruosidade!                 Pertinaz: O ps dois está “entalado” pelo chega, o que os empurra para o colo da esquerdalha depois de terem caído na armadilha dos jornaleiros avençados… “não é não”… aguentem…!!!            Antonius Caucasianus: Nem é preciso ler o artigo de J. Pedro Marques, para responder positivamente. Sim, o Psd está a abarrotar de defensores da "teoria crítica/marxismo cultural/wokismo". A prova dos nove está declaradamente na sua militante (?) ministra da Juventude e Modernização (que deveria ter ido pastar para o Bloco de esterco) com as declarações identitárias de género, que fez;  nas declarações de outro destacado Psd, Carlos Coelho, coordenador da Academia de Formação (esta malta está sempre com algum tacho!) e antigo director de campanha de Montenegro, o tal que deu a entender que quem afirme que os Humanos (e a regra geral de todos os seres vivos), se dividem em macho e fêmea, Homem e Mulher, é do "antigamente, d(a) exclusão (e) d(o) preconceito", ou seja retrógados e atrasados! Como é que este senhor e outros/as como ele adquiriram em tão pouco tempo e já entradote na idade, uma tal elasticidade de pensamento para a aceitação de tantas irracionalidades!? O sinal mais claro de que o Psd tem as pernas abertas a estas correntes de ar da cloaca identitária, é que este partido é um lobo com pele de cordeiro (símbolo inicial dos fabianos) que pretende enganar os Portugueses com as suas oposições e alardeadas destruições fictícias do socialismo em Portugal, anunciadas por Montenegro e apaniguados, durante a campanha! Pura aldrabice e show "p'ra boi dormir"! Como poderia um partido da área do socialismo (democrático, dizem-se...) querer acabar com o socialismo? Pura demagogia! Este partido, assim como todos os da área socialista, com o reboque do dito conservador e cristão CDS, há 50 anos que andam a "mijar fora do testo" e a sacanear os Portugueses com toda a espécie de mentiras e traições. O sistema tem de ser refundado, com novos partidos e parlamento mais controlados pelo povo e mais vigiado pelas instituições próprias, sujeitos a duras penas legais se praticarem erroneamente a democracia (liberal). Agir como nos países de leste que foram sujeitos aos crimes socialistas e proibir constitucionalmente a sua existência. Estes cancros identitários só serão extirpados de todas as leis e instituições, quando não houver sombra de socialismos neste país e na Europa ocidental!                Rui Pereira: Partilho da sua inquietação e tb espero uma clarificação do PSD.

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