quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Sem palavras

 

Basta o texto de JOSÉ RIBEIRO E CASTRO para explicar tudo, com os antecedentes respectivos. Será que os de hoje - habituados que estamos às facilidades do auxílio externo, e do descarrilamento governativo interno - terão o mesmo rasgo que nos libertou do domínio espanhol com os RESTAURADORES de 1640 e seguintes? Ainda bem que existem pessoas como RIBEIRO E CASTRO para nos alertar sobre essas cobardias! Quando às vezes vejo programas por esses portugueses que nos mostram as belezas do nosso mundo português, ou até mesmo quando acompanho a graciosidade e simpatia de apresentadores televisivos com a sua expressividade própria, não julgo possível tal hipótese “iberiana”, “iberista”, “iberizadora”, iberomedrosa (poderá ser merdosa igualmente) que nos arranque deste solo antigo, de que Ribeiro e Castro refaz a História. Mas nunca se sabe! Às vezes somos apanhados de surpresa. Já aconteceu e foi miserável. Nunca se sabe.

Iberofonia? Não, obrigado

Ninguém fala ibérico. O ibérico não existe, é uma invenção. Sim, há as línguas latinas. Mas houve o latim, de que derivaram. Do “ibérico” não nasceu ninguém. Nem ele sequer. Não existe. Nunca existiu.

JOSÉ RIBEIRO E CASTRO, ADVOGADO

OBSERVADOR, 22 ago. 2024, 00:042

Quando alguém dá um abraço, até forte e apertado, convém ter o discernimento suficiente para distinguir: pode não ser um amigo. Pode ser o urso. O abraço do urso pode ser muito forte, fortíssimo até; mas não é de amigo, antes pelo contrário. O abraço do amigo conforta, o do urso mata.

Como Presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, volto a esta série de crónicas em preparação dos 900 anos de Portugal, série que serve não só para conhecermos e lembrarmos como foi, mas para fortaleceremos a consciência de eixos, pilares e capitais essenciais ao nosso próprio ser. E, hoje, é oportuno focar-nos num dos nossos mais preciosos recursos, sujeito que está a cercos e pressões, desafios e ameaças: a língua portuguesa.

Português: pilar, eixo e perímetro de um Estado-língua

Muitos historiadores definem-nos como Estado-língua, destacando a importância da língua para a nossa existência e independência consolidada. Não havia portugueses antes de haver Reino de Portugal; e o que os fez, além de se reverem no seu rei, foi falarem a mesma língua e fazerem-na uma língua própria, distinta. No seu livro mais recente, “Portugal na História – uma Identidade” (2022), João Paulo Oliveira Costa escreve:

«Quando a monarquia portuguesa ganhou independência, ao longo do século XII, a população do reino, sobretudo a sul do Douro, já comunicava através de uma expressão arcaica da língua portuguesa contemporânea; tratava-se de um idioma claramente diferenciado do asturo-leonês e do castelhano falados a leste, e estava em fase de diferenciação da língua comum do ocidente peninsular, o galaico-português, desde o século anterior. Em 1296, D. Dinis ordenou que a documentação oficial do reino, incluindo toda a comunicação da coroa com os seus súbditos, passasse a ser registada na língua portuguesa, que era falada praticamente por todos os habitantes do reino e por quase ninguém fora dele. Antes de ser um estado-nação, Portugal foi, pois, um estado-língua.» (op.cit., p. 114).

D. Dinis foi, ele próprio, poeta e trovador, cultor dessa língua, deixando-nos «73 cantigas de amor, 51 cantigas de amigo, 10 cantigas de escárnio e maldizer, e ainda 3 pastorelas, num total de 137 textos», segundo a biografia de José Augusto de Sotto Mayor Pizarro, em “D. Dinis” (2008) (p. 322).

Penso que ainda não fizemos suficiente justiça a D. Dinis, que “fez tudo quanto quis” – um dos nossos maiores reis, pela inteligência, visão estratégica e capacidade de governação. Resolveu os conflitos com a Santa Sé, fechou com Fernando IV de Leão e Castela (sendo regente a mãe, Maria de Molina) a última definição da fronteira oriental de Portugal (Tratado de Alcañices, 1297), povoou essa fronteira e equipou a sua defesa, outorgou dezenas de cartas de foral, fundou a Marinha, criou a Universidade e oficializou a língua de Portugal. Mostrou agudo propósito nacional, como aponta António Resende de Oliveira, no “Portugal Medieval” (2023), que escreveu com João Gouveia Monteiro:

«Admitindo que as razões de tal promoção [da língua vulgar do território] não se afastariam muito do enquadramento sugerido por [José Mattoso], poderemos talvez dizer que a medida visou dois objectivos complementares: a assunção da diferença perante as restantes línguas peninsulares, em particular perante o castelhano, e, ao mesmo tempo, a uniformização político-administrativa interna sugerida pela difusão do galego-português por outros documentos saídos da corte  (op. cit., p. 99).

Esta língua evoluiu até ao português moderno, escorou o Estado e moldou a Nação, viajou pelo Mundo com os Descobrimentos, plantou-se nos cinco continentes onde definiu e uniu outros territórios, tornou-se uma língua global, internacional, exprimiu-se em leis, romances, história, ciência, poesia, pensamento, cultura, modo de ser e sentir, identidades, com tantas variantes quantos os seus países, lusófonos. Não esqueçamos o início e o seu porquê: “assunção da diferença perante as restantes línguas peninsulares, em particular perante o castelhano”.

Esta nossa língua celebrou 800 anos em 2014, contados do testamento de D. Afonso II, de 1214. E, colectivamente, estamos a entrar nos 900 anos do país que a gerou: Portugal. São realidades formidáveis. Incontornáveis.

A ameaça da Iberofonia

Em 23 de Julho, o ABC, de Madrid, publicou um artigo de opinião de Frigdiano Álvaro Durántez Prados, intitulado “La Corona y la iberofonía”. O texto conclui com uma frase que é também o lead: «São bastantes os sinais, sem mencionar sequer os muitos que vêm de outras fontes, dirigentes e fóruns como as próprias Cimeiras Iberoamericanas, que indicam que algo importante se está a movimentar em favor da cooperação mais estreita entre o conjunto de nações iberofalantes do planeta, espaço que podemos definir como a nova comunidade histórica de Espanha

O artigo coloca Felipe VI e a Coroa espanhola no lugar central da promoção da Iberofonia. Espero que não seja verdade. Desejo que não passe de um impulso oportunista dos que se aproveitam da figura do rei para dar vento a uma política inadequada, inconveniente, até hostil. Voltarei ao tema em breve. Neste espaço dos 900 anos de Portugal, devo, quanto possível, limitar-me a uma abordagem histórica.

O conceito da Iberofonia – tão engenhoso, quanto ardiloso – é uma ideia que tem vindo a ser soprada e trabalhada, sobretudo no quadro da Comunidade Iberoamericana e seus ramos, desde há cerca de uma década. Basicamente, para nos engolir – e, de caminho, engolir também a CPLP. O conceito mete tudo no mesmo saco, para aumentar e ampliar o poder do miradouro de Madrid – “somos todos o mesmo”. A assinatura “ibérica” é reveladora; e uma nossa velha conhecida.

A iberofonia é o iberismo em modo linguístico e ampliando o compasso pelo mundo fora. Procura capturar por dentro, pela alma e identidade, não escapando os outros países e territórios lusófonos e, talvez para impressionar, até os Estados Unidos da América (contando, aqui, os falantes de espanhol). Por isso, o artigo de Frigdiano Durántez Prados acrescenta: «no âmbito académico já se denomina “espaço panibérico” ou da Iberofonía e inclui o conjunto de países de língua ibérica do mundo que, actualmente, atinge quase a cifra extraordinária de 900 milhões de pessoas, o primeiro bloco geolinguístico do planeta na base da intercompreensão generalizada entre o espanhol e o português

O autor, principal promotor da ideia, apresentou, em 2014, na publicação da sua tese de doutoramento, um Apêndice Cartográfico com a geografia de espaços multinacionais como o da Iberofonia e outros (CPLP, Francofonia, Commonwealth, Império Russo, etc.). O Apêndice tem um pormenor muito revelador: o mapa que antecede os da Comunidade Iberoamericana e do “Espacio Multinacional de Países de Lenguas Ibéricas” é o do “Imperio de la Monarquía Hispánica (1580-1640/68)” – isto é, exactamente o período que chamamos de Dominação Filipina, sendo os anos 1640/68 os 28 anos de guerra que levámos a ver-nos livres do rei espanhol e a consolidar a Coroa de novo em rei português. É sintomático. Consigo imaginar o grito triunfal, em ibérico evidentemente: “¡Felipes! Hemos vuelto. ¡Más allá que nunca!”

Não brinquemos por favor. São memórias e lições históricas que tomamos a sério. Sofreu muita gente.

Iberofonia – balão vazio, mas perigoso

Iberofonia é, em rigor, um conceito falhado, inepto para se impor. Por uma razão simples: ninguém fala ibérico. O ibérico não existe, é uma invenção fantasiosa. Sim, há as línguas latinas. Mas houve o latim, de que derivaram. Do “ibérico” não nasceu ninguém. Nem ele sequer. Não existe. Nunca existiu.

Os textos reconhecem, por isso, a Iberofonia como neologismo, isto é, uma palavra inventada agora, sem densidade, nem antiguidade. Não tem a nossa antiguidade portuguesa; assim como, é claro, não tem também a de Espanha. Mas é inventada para quê? É inventada para alimentar uma miragem mobilizadora, que nos leva ao engano. Para servir o poder de alguém, como todas as miragens políticas. E esta miragem o que procura é uma reorganização política do espaço.

À partida, o espaço geográfico arrebanhado não passa de uma açorda, sem contiguidade geográfica, nem mútua pertença, sem identidade própria, nem base histórica bastante. E sobre essa açorda pseudo-ibérica procura afirmar-se (atentemos bem nas palavras e nos conceitos do artigo no ABC) “o primeiro bloco geolinguístico do planeta” e “a nova comunidade histórica de Espanha.” Nada mais, nada menos do que isto mesmo: o primeiro bloco a nível mundial; ao serviço de Espanha.

Retomemos a postulação inicial de Frigdiano Durántez Prados: «el conjunto de naciones iberohablantes del planeta, espacio que podemos definir como la nueva comunidad histórica de España.» É preciso ser absolutamente claro a este respeito: não fazemos parte da comunidade histórica de Espanha. Tirem daí o sentido.

Continuamos sempre o caminho de D. Dinis. Iberofonia? Não obrigado.

PORTUGAL 900 ANOS      HISTÓRIA      CULTURA

COMENTÁRIOS

JM Azevedo: É isto mesmo! E já pensaram porque raio é que a volta à Espanha começa em Lisboa? Abraço de urso... já não chegava o Vox apresentar mapas da Península Ibérica em que Portugal é uma região de Espanha. Sim, iberismo seja ele qual for, não obrigado! Obrigado JRC pela chamada de atenção pública.

 

NOTAS DA INTERNET

Guerra da Restauração

Após a restauração da independência nacional, em 1640, com o afastamento dos representantes da administração filipina e a tomada do poder por D. João IV, a primeira preocupação do novo rei e dos seus apoiantes foi, naturalmente, consolidar o poder alcançado. Essa consolidação passava por iniciativas em vários domínios. Na ordem interna, D. João IV obteve legitimidade formal sendo reconhecido e prestando juramento perante as Cortes de Lisboa, logo em janeiro de 1641. No plano diplomático, o envio de embaixadores a várias capitais europeias visou obter o apoio de outros monarcas.
Contudo, o principal problema era de natureza militar, pois temia-se, e acertadamente, ataques de Espanha. O governo do reino precaveu-se, preparando exércitos e dispondo os meios para custear o esforço de guerra. Os meios de defesa ter-se-iam certamente mostrado escassos se os espanhóis atacassem de imediato, mas a Espanha estava envolvida na Guerra dos Trinta Anos, que acabou em 1648, e apostou depois em intervenções armadas noutros pontos, de maior importância estratégica para os seus interesses que Portugal. Desta forma, começou por assistir-se a campanhas esporádicas e inconsequentes, que a resistência portuguesa enfrentou sem grandes dificuldades. A primeira investida séria dos espanhóis deu-se apenas em 1663, já no reinado de D. Afonso VI, tendo Portugal perdido então as praças de Évora e Alcácer do Sal. O conflito desenvolveu-se de forma descontínua, com arremetidas irregulares, e de uma maneira geral pendeu a favor dos portugueses, que venceram uma série de recontros importantes, com destaque para a Batalha do Ameixial, em 1663, a Batalha de Castelo Rodrigo, em 1664, e a Batalha de Montes Claros, em 1665.

As batalhas da Guerra da Restauração

A guerra terminou apenas em 1668, com a assinatura de um tratado de paz, em Lisboa, a 13 de fevereiro. Nos termos desse tratado, a Espanha reconheceu definitivamente a independência de Portugal.

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