quinta-feira, 22 de agosto de 2024

O poder cria hábitos


Montenegro tinha um bom mestrePassos Coelho, que não quis seguir, limitado a idênticas manigâncias de benesses governativas anteriores, generalizadas, macaqueando a arte de governar em termos de aproveitamentos compensatórios de muito paleio de mistura, a mão no peito sorridente, angariadora da simpatia, com as distribuições protocolares iniciais buscando améns, como fizeram os anteriores, que naturalmente agora atacam, poupados e clarividentes e amantes “pátrios”, os améns substituídos pela conveniência crítica da respeitabilidade própria. Sempre o mais do mesmo enrolador da “austera, apagada e vil tristeza” da nossa manha agressiva, invejosa e egocêntrica. Decisivamente rasteirinha…

Oposição?

As coisas são difíceis nas oposições mas não era preciso serem tão más: os últimos dias anunciam-nos justamente que o estado da mediocridade é para continuar.

MARIA JOÃO AVILLEZ Jornalista, colunista do Observador

OBSERVADOR, 21 ago. 2024, 00:2137

1 Mal Luís Montenegro acabou de falar uma noite destas no Algarve e logo, como moscas, houve um voo imparável de palavras, aterrando sobre as ouvidas minutos antes, ao líder do PSD. Uma sanduíche de palavras sem nada no meio.

Não que não fosse obrigatório — era — rever criticamente, racionalmente, numa palavra rever politicamente, o aguardado speech. (É melhor dizer semiaguardado: com o país em férias, distraído e distante, e quatro ou cinco écrãs de televisão a bombarem “informação”, falar em “rentrée” será um enigma mas é certamente um equívoco: rentrée de quê?)

Voltando ao sul: teria sido útil, sim, (nacionalmente útil) um olhar avisado sobre alguns passos da retórica política de Montenegro, (já lá vou), mas para começo de conversa fico com as conversas da oposição, ouvidas nessa própria noite e nas horas seguintes. Claro que o país atento já há muito  — não é obviamente deste verão — se apercebera do downgrading ocorrido no espaço público, nas instituições, no debate político e parlamentar. Desceram-se não sei quantos lances de escadas na exigência, na qualidade, na vontade, na liderança; nos comportamentos cívicos, até na decência.  No fundo, no entendimento do que é “servir” politicamente um país (mais que um partido ou uma clientela).

Mas há dias, não sei se devido ao intervalo político que não houve, se a férias, moscas ou calor, as apreciações das lideranças da oposição quanto ao discurso do chefe do governo foram, em vários tons e sons, confrangedoras. Um alinhamento de trivialidades, ressentimento ou pura irresponsabilidade. Foi conforme.

Duplamente imperdoável: 1) teria sido preciso perguntar algumas coisas ao chefe do Governo, entre elas se há algum piloto de contas a bordo ou o que entende ele por “liberalismo”, por exemplo; 2)  Teria porém sido preciso fazê-lo com argumentação séria e não alinhavando frases que, de tanto ouvidas, sempre as mesmas, a propósito de seja qual for o tema, menorizam a oposição, toda ela, dinamitando o seu estatuto. Uma incompreensível auto-desqualificação: há partidos ancorados exclusivamente num bota-abaixismo compulsivo, e tudo compulsivamente exigindo ao governo, e pouco ou nada a eles mesmos; outros a não quererem “ser maçados”, outros ainda achando “pouco” as prendas oferecidas aos pensionistas e desafiando a que o governo seja “mais” generoso.

As coisas são difíceis nas oposições mas não era preciso serem tão más: os últimos dias anunciam-nos justamente que este estado de mediocridade é para continuar. A pobreza argumentativa não  pode ser lida de outra maneira. Da qual é sinal a desfaçatez quase risível, se não fosse tragicamente reveladora, com que o PS deplora o estado da Saúde, passando ao lado dos estéreis oito anos de poder socialista que o país testemunhou ao vivo e em directo:  sim, houve muito dinheiro atirado sobre o sector… e para quê?  (E os outros “sectores”? E os milhões do PRR apenas só aplicados em cerca de 26%…?)

Tudo indica assim que o PS se vai manter na sua maledicência gratuita, insistindo que o “diálogo” e a “cedência” venham apenas do governo, mas sobretudo de um lado que não seja o seu (como se fosse politicamente possível, plausível, democraticamente aceitável uma governação feita pelo Parlamento e à margem do Executivo).

As esquerdas, mesmo que não pareça, seguirão o PS, precisam dele como de pão para a boca.  O orçamento? Até ao fim haverá tudo o que a nobre arte do teatro fornece a uma encenação: hesitações,  aflições, emoções, acusações, negociações. Toda a política parece ter — tem — hoje o seu eixo de gravidade assente na passagem do cabo do Orçamento do Estado, mas que não haja ilusões: a vida política continuará na mesma. Ferida da mesma fragilidade governativa, contaminada pela mesma medíocre oposição, presa à mesmíssima instabilidade. É da natureza do quadro político e partidário que aí está.

Numa palavra: o governo continuará, não sabemos é se durará. (Não é nada a mesma coisa.)

3 Quanto ao primeiro-ministro — sobre quem já discorri sobre as suas qualidades de maestro; a bela escolha de alguns ministros; a preferência pela relação, mais reservada e sobretudo institucional antes do mais, que escolheu ter com o Presidente da República;  a sua serenidade-sobriedade-bom senso,  bom sistema nervoso, no modo como actua ou intervém publicamente — espantaram-me duas coisas: 1) o seu desenvolto à vontade face à despesa pública que (aparentemente) a faz somá-la, em vez do contrário — e mesmo conhecendo-se o saber técnico do seu prudente ministro das Finanças, intriguei-me; 2) o estranho constrangimento de Montenegro face ao “liberalismo”,  não se alcançando de que foge a sete pés no vasto conteúdo e significado da palavra. Claro que o último resultado eleitoral legislativo colocou politicamente o PSD ao centro do xadrez político, mas convém acautelar o centro-direita e a própria direita. Era melhor tratar o “liberalismo “de outro modo, foi à custa destas e de outras que o Chega cresceu.

E finalmente tomei boa nota do selo colocado na morte oficial do passismo. O primeiro-ministro admira Sá Carneiro e inspira-se em Cavaco, está no seu pleníssimo direito, a responsabilidade da escolha política é exclusivamente sua, e é boa. Estranhei apenas que — como quem bebe um copo de água — ele sinalize que já nada lhe dizem os quatro terríveis anos de um combate político que do princípio ao fim também protagonizou e com verve e fibra política (eu lembro-me); e cujo epílogo feliz — na vitória eleitoral, na re-credibilização exterior do país e na herança deixada de contas certas — devia orgulhá-lo mais do que embaraçá-lo.

Não é novo,  mas um dia alguém terá de contar esta história.

LUÍS MONTENEGRO      POLÍTICA      PS

COMENTÁRIOS (de 37)

André Ondine: O PS é um partido sem vergonha e com enorme lata. Abusa da ignorância das pessoas para se procurar perpetuar no poder e assim manter os infinitos tachos dos seus militantes. Foi assim com Passos Coelho, que teve que implementar um programa austero para levantar o país da herança socrática e sujeita-se até hoje às humilhações socialistas sem estes assumirem que foi o seu partido que fez falir o país com consequências devastadoras. E é assim hoje, com Montenegro, que é igualmente alvo da desfaçatez socialista e que está a procurar também levantar o país após a degradação trágica em que o Estado Social ficou depois dos anos habilidosos, que apenas serviram para promover Centeno e o Habilidoso na Europa. E agora o carismático, ajudado por outros comparsas como Ana Gomes e outros que tais, fala sem qualquer vergonha como se o governo tivesse partido do zero. Não partiu. Partiu do muito negativo. De um Estado Social degradado, decadente e delapidado, ainda por cima poluído de camaradas do aparelho socialista. A lata deles é chocante. Mas a cumplicidade dos Media ajuda à festa e o carismático sente-se protegido mesmo quando só diz disparates. O analfabetismo dos anos pre-25 de abril manifesta-se hoje em falta de valores, má-educação e até burrice. E é nesse pântano ético que o PS prolifera                Tim do A > Carlos Chaves: Mais o criminoso erro de não pôr a bitola europeia na ferrovia e continuar apenas a apostar no turismo.                   Carlos Chaves: Mais um tremendo erro político de Montenegro e a sua “entourage”… Rejeitar/Omitir o hercúleo trabalho de Pedro Passos Coelho para nos salvar de uma bancarrota anunciada, criada pelo execrável partido socialista! E mais, pôs o país a crescer novamente! Que a atitude de amnésia por conveniência, esteja novamente a ser ensaiada pelo PS, em relação à destruição do SNS que eles promoveram durante os últimos oito anos, não é de estranhar tamanho comportamento suíno desta agremiação de malfeitores! Mas que a comunicação social lhes dê lastro e escondam tamanho crime, deveria interrogar-nos a todos sobre o que realmente se passa neste mundo da CS, que nos deveria informar imparcial e independentemente, mas está a fazer exatamente o contrário do que seria a sua missão.                        José Carvalho: Volta Passos Coelho!             Carlos Quartel: Montenegro manobrou. Mas o PS é o último com  moral para o censurar. Desde Sócrates que não tem feito outra coisa. Sócrates entrou em bancarrota, Costa fez-se ao poleiro de pois de perder eleições, com o cuidado de nunca exceder as exigências da UE. Deixou apodrecer serviços,  e a actividade normal de esquemas, cunhas e manobras duvidosas seguiu, como sempre. Este bodo aos reformados só nos diz que Montenegro aprendeu depressa e não é boa notícia.  Já temos a nossa dose de habilidosos....                Tim do A: Esta senhora é do PSD como quem é de um clube de futebol. Quando o PSD tem bons dirigentes, como Cavaco Silva ou Passos Coelho, aplaude e quando tem maus, como Montenegro, também aplaude. Assim não serve! Não presta um bom serviço e descredibiliza-se totalmente.             Vasco Esteves: Brilhante como sempre! No entanto lamento dizer que Montenegro parecia inicialmente não servir para primeiro ministro, melhorou algo e quase conseguia mas já não o é desde o populismo do pontal. Pena.       Carlos Real: A Maria JoÃo afirma que o problema resulta da natureza do quadro politico e partidário. O verdadeiro drama e que ele corresponde ao pensamento da maioria dos portugueses. Vejamos, o caso dos encerramentos de serviços hospitalares. Ninguém (salvo raras excepções, como a auditoria realizada em 5 hospitais) se atreve a criticar os médicos, e sobretudo as chefias que permitem que os médicos façam férias em bloco, obrigando ao fecho dos serviços. Seria bonito, se os empregados das bombas de gasolina, os apanhadores do lixo, os técnicos que asseguram a manutenção da rede elétrica, fizessem o mesmo. Na nação do povo manso ninguém se revolta. Todos assobiam para o lado. A começar pelo governo do faz de conta do Montenegro.                José Carvalho André Ondine: De acordo com tudo, incluindo quando diz que Montenegro está a procurar também levantar o país. O problema é que, imitando o PS, não vai conseguir levantar coisa nenhuma.             Filipe Paes de Vasconcellos: A oposição, a mídia e o comentariado foram durante o Costismo alimentados pelo socialismo no bate-papo de banalidades  plantados pela enorme vulgaridade dos políticos que estiveram no poder 8 anos. Acresce que viciados e dependentes destas discussões nas passarelas da televisão como tendo uma genialidade e sabedoria muito acima dos políticos eleitos (o que cá para nós até acontecia frequentemente!) perderam o palco, pois Montenegro deixou a oposição e os ditos seus dependentes a falarem sozinhos. E isto é o que mais lhes dói! Já estou como o outro, “habituem-se !                  Nuno Abreu > André Ondine: Totalmente de acordo. Nada tenho a acrescentar! Obrigado!

Nenhum comentário: