Para mais, «à la page». De
ELVIRA
CUNHA DE AZEVEDO MEA, aprofundando um assunto – o das razões da existência de Judeus na
península, e as razões dos nomes, além do esclarecimento sobre as relações dos governantes
com essas pessoas de religião diferente e de superiores capacidades mentais.
A marca judaica na construção
de Portugal
Afonso Henriques criou o título de
“arrabi-mor do reino”, a primeira estrutura administrativa independente para os
judeus, tendo Yahia Aben-Yahia ocupado o cargo.
ELVIRA CUNHA DE AZEVEDO MEA Professora catedrática da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto. Sócia emérita da Academia Portuguesa de História tem
publicados mais de uma centena de trabalhos sobre Judaísmo e Inquisição
OBSERVADOR, 08 ago. 2024, 00:1611
A Península Ibérica, denominada Sefarad pelos judeus desde o século VIII, levou a
que estes se chamassem sefarditas, enquanto aqueles alemães foram chamados asquenazis
ou asquenazitas, porque, segundo fontes talmúdicas, identificou-se a Germânia a
Gomer, cujo filho, Achkenaz, surge na Bíblia como descendente de Noé. Entre os séculos XI e XIV, os asquenazis predominavam na França, Inglaterra, Países Baixos,
Suíça e Norte da Itália. Expulsos da Inglaterra (1290) e França (1306-1394),
espalharam-se pelo Leste da Europa.
A chegada dos judeus sefarditas
Ainda se desconhece quando os judeus se
estabeleceram na Península Ibérica, pois, não obstante provas arqueológicas que
remontam aos séculos I ou II, a verdade é que historiadores antecipam essas
datas, ligando-a à expansão
fenícia e respetivas feitorias comerciais; outros atribuem a sua fixação ainda na época do rei Salomão,
identificando a cidade bíblica de
Társis com Tartesso, na Península, ainda por localizar exactamente.
Note-se que, na reelaboração da Crónica Geral de Espanha feita
por um converso toledano,
por volta de 1400, aponta-se a
fixação judaica na Península anterior a Cristo, eximindo assim os sefarditas
dos preconceitos e acusações de deicídio, facto que não consta anteriormente.
Assim, na “árvore da
vida judaica”, surge um
ramo ibérico alimentado sempre pela seiva do grandioso tronco palestiniano,
como refere o Talmud:
“Todos os
povos do mundo, mesmo as naves que deslizam da Gália a Aspâmia, são benditas
graças a Israel.”
A situação é árida e tensa, desde as lutas entre autóctones e
bárbaros até ao avanço do Cristianismo. No
século IV, no primeiro Concílio de Elvira, exige-se a segregação dos deicidas. Houve
tempos aflitivos, como em 613, quando o rei visigodo Sisebuto decreta a
expulsão ou conversão, a grande “perseguição de Sisebuto”, condenada
severamente por Santo Isidoro de Sevilha. Milhares de mortos, milhares de conversões e uma significativa fuga
para o Norte de África, onde os muçulmanos aceitavam judeus e cristãos, pois
era “Gente do livro”, estrangeiros cujas religiões eram também originárias da
Bíblia.
No domínio visigodo, houve fases de
maior ou menor tolerância conforme o estado financeiro, os interesses e a
personalidade dos reis. A tolerância religiosa esteve sempre dependente das
conveniências económicas, como o pagamento de avultadas somas de dinheiro para
evitar a expulsão.
A
conquista árabe e a Reconquista cristã
A partir de 711, com a
conquista árabe de grande parte da península sem qualquer envolvimento judaico,
a situação mudou completamente: o califado de Córdova, num clima de liberdade e
tolerância, aproveita e estimula a presença judaica no campo económico e no
desenvolvimento cultural. Com a avalanche maometana vêm judeus sírios e
palestinianos radicados em África, integrados na civilização árabe, que serão
um suporte sólido no ajustamento judio-mourisco, profícuo para ambos.
Com a paz no século X (929-976),
Córdova torna-se outra Bagdad, um poderoso viveiro cultural, onde a marca
judaica é fulcral na Filosofia, Medicina, Farmacopeia, Astronomia, Poesia,
Narrativa, etc., um tesouro para os séculos vindouros.
Entretanto,
nos vários reinos cristãos – Astúrias, Leão, Castela, Aragão, Navarra e
Catalunha –, ultrapassado o primeiro século de uma reconquista vacilante, em
que se exterminavam os vencidos e sistematicamente se destruía o seu
património, os cristãos vão avançando lenta, mas seguramente. Daí, com o alargamento progressivo dos
reinos e respetiva estruturação, os soberanos, precisando de povoadores e de
empreender a organização do território, de uma sociedade e de um Estado,
passaram a poupar e motivar os habitantes das áreas conquistadas a permanecer,
incluindo os judeus. Existia, então, uma tolerância que permitia o
desenvolvimento do comércio, de uma indústria essencial, da organização
administrativa vital para a formação de um Estado.
Surgem as primeiras obras legislativas. Relativamente ao povo judeu,
estas balançam entre as leis segregativas dos concílios toledanos, o preconceito de conotar o judeu como
criminoso, e o clima de cordialidade e acolhimento. Há uma
certa equivalência em termos de imunidade e direitos, comprovados pelas cartas
de foral e até alguns decretos do Concílio de Leão de 1020, onde, por exemplo,
as avaliações imobiliárias se faziam com equidade.
A política de Afonso VI (?-1109) de
Leão e Castela marca o ponto de viragem. A sua Carta de Foro, com valor de lei para todo o reino de Leão e
sobretudo a Carta inter Christianos et Judeos, de
forus illorum, estabelecem a igualdade de direito entre cristãos e
judeus, aliada a um quadro de liberdade e fraternidade. Consignava-se, por exemplo, que, em
julgamentos entre cristãos e judeus, se faria o juízo de Deus, através da luta
com pértiga e escudo, o único juízo perfeitamente justo, já que Deus seria o
juiz.
Sintomáticas as reacções da Santa Sé: em 1066, Alexandre II
congratula-se com a atitude verdadeiramente cristã, enquanto passada uma década
o seu sucessor, Gregório VII censura o rei.
Cumprem-se, assim, os objectivos reais: uma adesão judaica total, visível na
sua participação nas conquistas de Toledo e Burgos, no desenvolvimento da
administração, estratégia militar, eficiência financeira.
Em
1090, o rei casa a infanta Urraca com Raimundo de Borgonha e, em 1093, a filha
ilegítima, Teresa de Leão, com Henrique de Borgonha. Em 1108, com a morte do
único filho varão, Sancho, Afonso VI, nas cortes de Toledo, transmitiu o trono
a Urraca e os Condados de Portucale e Coimbra a Teresa. D. Teresa prosseguiu a
política de autonomia, povoamento, organização do condado e estratégias de
defesa contra as investidas muçulmanas.
A fundação de Portugal
O século XII foi um século de guerra. Para além do avanço na reconquista, a
nobreza portucalense considerava perniciosa a ligação de D. Teresa à Galiza,
através da relação com Fernão Peres de Trava e com outros nobres e membros do
clero, donde podia provir uma influência perigosa. Assim, D. Afonso Henriques
(1109-1185) fez-se paladino desse descontentamento, culminado na batalha de S.
Mamede, em 1128, passando daí a governar o Condado. Objectivo
principal: a independência de Afonso VII (1105-1157), rei da Galiza, Leão,
Castela e Portugal, coroado em 1135 “Imperador de toda a Hispânia”.
Afonso
Henriques, em 1139, após a batalha de Ourique contra os muçulmanos, passa a designar-se
rei, gerando um conflito parcialmente sanado em 1143 com o Tratado de Zamora,
na presença do legado pontifício, cardeal Guido de Vico. Aí, reconheceu-se a independência do
Reino de Portugal. Afonso VII entrega ao primo o senhorio de Astorga, para o
sujeitar a vassalo.
Afonso Henriques tentou afincadamente
passar a vassalo directo da Santa Sé, libertando-se assim de Afonso VII, o que
conseguiu, em 1179, com o Papa Alexandre
III, que reconheceu a independência do reino com a bula Manifestis Probatum.
Ao mesmo tempo, Afonso
Henriques ia combatendo com êxito os muçulmanos a Sul, enquanto
falharam as tentativas de penetração na Galiza. Santarém, sempre em guerra com Coimbra, foi a primeira conquista
(1147), abrindo acesso à região rica do Tejo e a Lisboa. Usou-se como
estratégia uma mensagem anunciando aos muçulmanos o fim das tréguas daí a três
dias, havendo um ataque imediato de noite. Esta estratégia foi elaborada pelo
judeu Yahia Aben-Yahia, recém-chegado a Coimbra. Pouco ou nada se sabe dele,
apenas o que dois descendentes seus relataram três séculos depois: homem
viajado, próximo do rei, influente na participação dos judeus na reconquista,
povoamento e organização do território.
Afonso Henriques criou o título de “arrabi-mor
do reino”, a primeira estrutura administrativa independente
para os judeus, tendo Yahia ocupado o cargo. Tal como na organização do
concelho, o rabino era a autoridade máxima civil e
religiosa, eleito
pelos membros da comuna, onde ouvidores, procuradores e homens bons tinham a
seu cargo a administração, coadjuvados pelo escrivão, porteiro, chanceler,
tabeliães, tesoureiros e colhedor. A estrutura regida por Yahia
teria sido muito rudimentar, mas já dividida em distritos, com os cargos de
rabi local, sinagoga, tribunal e juízes, prisões próprias, escolas. Toda esta
organização foi-se aperfeiçoando com as Ordenações.
Em Lisboa, os judeus estabeleceram-se
relativamente tarde, pelo que já não puderam instalar-se dentro das muralhas. Com uma
pequena comuna entre os hodiernos Arcos do Rosário e o Largo de S. Rafael, a judiaria (na rua ainda hoje da
Judiaria) ficava então junto às muralhas. Como o sítio da rua do
Terreiro do Trigo estava ainda coberto pelo Tejo, foi impossível alargar-se
muito mais, pelo que a comuna foi para
ocidente, hoje na Baixa, conhecida durante várias gerações como “Judiaria
Velha” ou “Judiaria Grande”, porque posteriormente foi precisa outra. Em outubro
de 1147, Afonso Henriques conquistou Lisboa coadjuvado por uma frota de
cruzados, a quem concedeu terras, senhorios e o privilégio do saque nos
primeiros quatro dias.
Yahia
recebeu o senhorio de Unhos, Frielas e Aldeia dos Negros (Camarate), assim como
a sinagoga de Santarém, a mais antiga do país, onde a comunidade judaica,
anterior à conquista, exercia intensa actividade comercial.
D.
Sancho I, filho e sucessor de Afonso Henriques, continuou a servir-se dos
judeus para o povoamento, dando-lhes representação legal nas cartas de foral,
criando, assim, mais comunas. José Aben-Yahia, neto de Yahia, é então almoxarife-mor,
sendo-lhe permitido construir a sinagoga de Lisboa.
PORTUGAL 900 ANOS HISTÓRIA CULTURA
COMENTÁRIOS (de 11):
hugo Carreira: Pelo menos desde 931 que as terras a sul da Galiza sob
domínio Cristão se chamavam de Terras de PORTUGAL, foi nesse ano que o Rei
Ramiro II de Leão também incluiu no seu título REUNIDAS TERRAS DE PORTUGAL. O condado
de Coimbra deixou de existir em 1017, tendo sido depois incorporado no Condado
de PORTUGAL quando da sua doação ao Conde D.Henrique (o Condado de Portugal foi
fundado em 868 por Vimara
Peres, o
fundador de Guimarães,-daí os naturais de Guimarães serem chamados de
Vimaranenses)
Eduardo Costa: Análise
incompleta e simplista. Durante a ocupação muçulmana de parte da Península
Ibérica, houve períodos de enorme perseguição e violência contra os Judeus por
parte dos Muçulmanos. A ideia de que a ocupação muçulmana foi uma era de
tolerância, de liberdade religiosa, de iluminismo científico, etc., em contraste
com o resto da Europa medieval, é profundamente errada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário