sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Ternura real mas nem sempre


O Menino Jesus do “Hino de Amor” do João de Deus também safou um passarinho de ser comido por uma serpente de olhar penetrante, e o passarinho ficou-lhe para sempre, grato, como por aqui se vê, no poema da “Cartilha Maternal”, postado na Internet, - e assim se compreender a sensibilidade do PAN, nas suas frentes de combate, que incluem natureza, animais e pessoas, mas em que MARGARIDA BENTES PENEDO, positiva e arguta – mesmo em psicanálise - não alinha, provavelmente considerando de requinte snob esses pareceres um tanto artificiais do PAN, como causas angariadoras de sobrevivência, ditadas paradoxalmente pelos ódios – afinal não democráticos - do fervor doutrinário que se supõe exclusivo. Que o poema de João de Deus os abrande, em preciosa expectativa de equiparação com o Menino Divino, tão docemente descrito:

Andava um dia
Em pequenino
Nos arredores
De Nazaré,
Em companhia
De São José,
O bom Jesus,
O Deus Menino.

Eis senão quando
Vê num silvado
Andar piando
Arrepiado
E esvoaçando
Um rouxinol,
Que uma serpente
De olhar de luz
Resplandecente
Como a do Sol,
E penetrante
Como diamante,
Tinha atraído,
Tinha encantado.
Jesus, doído
Do desgraçado
Do passarinho,
Sai do caminho,
Corre apressado,
Quebra o encanto,
Foge a serpente.
E de repente
O pobrezinho,
Salvo e contente,
Rompe num canto
Tão requebrado,
Ou antes pranto
Tão soluçado,
Tão repassado
De gratidão,
De uma alegria,
Uma expansão,
Uma veemência,
Uma expressão,
Uma cadência,
Que comovia
O coração!
Jesus caminha
No seu passeio,
E a avezinha
Continuando
No seu gorjeio
Enquanto o via;
De vez em quando
Lá lhe passava
À dianteira
E mal poisava,
Não afroixava
Nem repetia,
Que redobrava
De melodia!

Assim foi indo
E foi seguindo.
De tal maneira,
Que noite e dia
Numa palmeira,
Que havia perto
Donde morava
Nosso Senhor
Em pequenino
- (Era já certo) -
Ela lá estava
A pobre ave
Cantando o hino
Terno e suave
Do seu amor
Ao Salvador!

Os alvos das atenções do PAN

No fundo o PAN não faz política, faz sentimentalismo. E um sentimentalismo perverso, porque usa em seu proveito os sentimentos que as pessoas desenvolvem pelos animais de estimação.

MARGARIDA BENTES PENEDO Arquitecta e deputada municipal

OBSERVADOR, 01 ago. 2024, 00:1626

Na semana passada, última sessão plenária antes da pausa para férias, a Assembleia Municipal de Lisboa discutiu um Voto de Protesto apresentado pelo PAN contra o Festival de Yulin, na China. Não sabemos ao certo quando se tornou regular esta barbaridade anual: a maior parte das fontes aponta para 2009, algumas apontam para a década de 1990. Sabemos que durante o festival as pessoas celebram o solstício comendo carne de cão – entre outras “tradições” aberrantes que o documento do PAN, com um pé no sadismo e outro na pruriência, descreve detalhadamente. Para todos os efeitos, a declaração óbvia: o Festival de Yulin é repulsivo. Não conheço ninguém que pense o contrário, nenhum grupo municipal mostrou pensar o contrário, e já isto é sintomático: se uma ideia política não contraria ninguém, ela não é política nem é uma ideia. Aproxima-se de um facto, ou de um desejo. O PAN representa na política portuguesa o papel daquele sábio para quem mais vale ser rico e feliz do que pobre e doente, e apresenta nos órgãos da democracia Votos de Protesto contra a pobreza e o sofrimento. Isto mostra uma parte da demagogia do PAN, se não quisermos reconhecer nele a personificação do populismo.

Mas há mais, e por isso o episódio merece mais umas linhas de relevância. Ele mostra o fanatismo animalista do PAN. É curiosa a maneira como o PAN recusa limitar o espectro potencial dos seus eleitores, decretando sobre si próprio “nós não somos de esquerda nem de direita”. Mas não vemos o PAN apresentar Votos de Protesto pela maneira como os cidadãos são tratados na Coreia do Norte, ou em Cuba, na Venezuela, ou nos outros países comunistas. Não vemos o PAN apresentar Votos de Protesto pela maneira como os homossexuais são tratados na Rússia do sr. Putin, ou no Irão, ou na confusão islâmica da Palestina. Nem sequer vemos o PAN apresentar Votos de Protesto pela maneira como os animais são tratados nas tribos primitivas de África ou da Amazónia, onde o PAN não tem repórteres de teclado nem representação municipal, e onde suspeito que os animais não serão respeitados como se respeitam aqui, nos países ocidentais.

Olhamos a toda a volta, com minúcia e atenção, e não vemos o PAN mexer um dedo por nenhuma destas abominações. Mas vemos o PAN esgravatar a actualidade à procura de maus-tratos animais escolhidos a dedo, os mais mediáticos, divulgados em vídeos pelos adolescentes e pelas celebridades, para o PAN se juntar à procissão.

O PAN nunca arrisca nada. Não enfrenta nem desafia os poderes instalados do pensamento dominante. No fundo, o PAN não faz política, faz sentimentalismo. Um sentimentalismo de má qualidade e um sentimentalismo perverso, porque usa em seu proveito os sentimentos que as pessoas desenvolvem pelos animais de estimação. O PAN faz o pior tipo de sentimentalismo, numa sociedade empobrecida e envelhecida, onde o desespero das pessoas solitárias as transforma em alvo apetecível das atenções do demagogo. O PAN não se interessa pelos animais, interessa-se pelos votos dos donos dos animais.

Para se defender, dirá o teórico do PAN, com o seu arzinho de seminarista inter-espécies, que esta é uma visão antropocêntrica. Tem razão. É, de facto, uma visão antropocêntrica do mundo e, ao contrário do que lhe convém a ele, nós devemos continuar antropocêntricos a pensar as coisas da política e do mundo. Porque a alternativa é descermos à civilização dos animais irracionais.

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P. S.: Farei uma pausa nas próximas semanas. Desejo a quem estiver de férias umas boas férias, e a todos um bom mês de Agosto. Regresso em Setembro.

ANIMAIS      NATUREZA      AMBIENTE      CIÊNCIA      PAN       POLÍTICA

COMENTÁRIOS (de 26)

Pedra Nussapato: Na verdade, o "problema" desta posição do PAN é uma certa incoerência ou falha ideológica. Tanto quando julgo saber, os cães são criados para este festival tal como são criados outros animais que consideramos "normal" serem usados na alimentação. Nesse sentido, tanto é criticável (ou não) este festival da carne de cão como é o festival da carne barrosã ou o festival do leitão.          João Floriano: Tinha-me esquecido completamente de que ainda existe um grupo de amigos que dá pelo nome de PAN. De certo modo até nem seria mau de todo haver eleições antecipadas para correr de vez com a Dra. Inês.              Carlos F. Marques: o pan é apenas mais uma agremiação de chico espertos.                   JOSÉ MANUEL: Tb parece que não se incomodam muito com a forma como uma certa etnia trata os seus animais...até correram imediatamente com a única pessoa que falou do assunto.                Tim do A: Nem mais! O PAN não se interessa pelas pessoas nem pelos animais. Só pelos tachos.                  João Floriano > Pedra Nussapato: O PAN já se pronunciou sobre o mistério aqui na margem sul de colónias de gatos de rua que desaparecem da noite para o dia? Eu já avisei a Lolita e o Milo para não irem ao quintal depois do anoitecer, porque nunca sabemos quem se esconde atrás do muro. Prefiro partidos que se interessam pelos problemas dos locais, em vez de andarem a propor votos de protesto na China. Por acaso já estive em Guilin. Pescam com o cormorão. O PAN já se insurgiu contra esta forma de trabalho escravo em que ainda por cima apertam o gasganete do trabalhador?               Coxinho: Tem razão a autora do artigo, como de resto quase sempre naquilo que publica neste jornal. Mas gostaria de acrescentar a minha perplexidade em relação a... ao próprio PAN ! Serão vegetarianos todos os membros do PAN ?? Suspeito que não -- o que me parece uma falha muito grave de coerência.

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