Entre o haver e o ser, num país onde não falta o primeiro mas a democracia, sim. Uma análise e difusão de dados históricos, como sempre, impecável, das nossas vagas lembranças. Por JNP, a quem ficamos gratos.
Da maldição do petróleo à bênção do socialismo
Da “maldição” do petróleo – a
Venezuela tem as maiores reservas do mundo – à “bênção” do socialismo
bolivariano, a Venezuela e o seu povo não param de sofrer.
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador
OBSERVADOR, 03
ago. 2024, 00:1814
O anúncio da vitória de Maduro
chocou-me, mas não me surpreendeu. Que
um ditador de esquerda que criou uma cleptocracia autoritária bem apoiada por
“forças da ordem” e por milícias populares saísse pelo seu pé do poder num país
que arruinou, isso sim, seria surpreendente.
As
“Repúblicas Democráticas” instaladas na Europa de Leste nunca primaram pela
democracia. Tinham sido impostas pelo Exército Vermelho na sua
marcha para Oeste, em luta com a Wehrmacht. Depois, os partidos comunistas, com
a cumplicidade dos ocupantes soviéticos e às vezes com interlúdios de aparência
democrática encarregaram-se de tomar o poder – saneando a Direita sob o
pretexto de “colaboração” – e de exercer esse poder pelo terror policial, pela
denúncia e pela repressão sem limites.
Sempre que estes regimes
estiveram em perigo por protestos populares, a intervenção militar soviética
repôs a ordem. Foi assim em Berlim – Potsdam e na Alemanha Oriental
em Junho de 1953, em Budapeste em 1956, em Praga em 1968. Por isso, quando Gorbatchev anunciou a
“doutrina Sinatra”, isto é, o fim da intervenção militar de Moscovo para
segurar os “regimes-irmãos”, as “repúblicas democráticas”, entregues a si
mesmas e ao seu caminho, duraram pouco tempo.
Mas o chavismo chegou depois do fim
da URSS. Chávez
tentou e falhou, em Fevereiro de 1992, um golpe do MBR-200 (Movimiento
Bolivariano Revolucionario 200). Era um golpe contra o segundo governo
de Carlos Andrés Pérez, que fora
presidente de 1974 a 1979, quando nacionalizou as indústrias siderúrgica e
petrolífera, e que voltara a ser eleito em 1989 e lançara políticas de
austeridade.
Ascensão e queda de uma Petroeconomia
A Venezuela é, entretanto, um paradigma da ascensão e queda de uma
petroeconomia: um país que vive de um recurso material, de uma matéria prima –
o petróleo – e que o exporta. Está,
assim, à mercê das flutuações do preço do petróleo nos mercados, sem que tenha
capacidade de o determinar ou sequer de influenciar, ao contrário de gigantes
como a Rússia ou Arábia Saudita.
Com
as petroeconomias vem geralmente o chamado “mal holandês” – a concentração da
riqueza num núcleo
central, a criação de uma elite restrita de beneficiários, o abandono de outras
actividades produtivas, agrícolas ou industriais, a corrupção, a
cleptocracia.
É uma longa e triste história. Em 1922, os geólogos e engenheiros da
Royal Dutch Shell encontraram petróleo em La Rosa, um campo petrolífero na baía
de Maracaíbo com uma produção, ao tempo muito alta, de 100 mil
barris/dia. A produção cresce rapidamente, multiplicam-se as companhias
prospectoras e em 1929 a Venezuela torna-se o segundo produtor mundial de
crude, depois dos Estados Unidos.
Esta ascensão passou-se durante os
governos ditatoriais do general Juan Vicente Gomez (1908-1935). À época, três companhias – a Shell, a Gulf e a
Standard Oil – dominavam o mercado. Em 1943, a nova Lei dos Hidrocarbonetos
obrigou as empresas a entregar metade dos lucros petrolíferos ao Estado.
Em 1958, depois de vários governos
ditatoriais, o último dos quais de Marcos Evangelista Pérez Jiménez, houve uma
democratização das instituições, acompanhada de um pacto entre os três partidos
principais (Acción Democrática, Unión Republicana Democrática e Comité de
Organización Política Electoral Independiente) para a tripartição dos lucros de
petróleo, consoante a percentagem eleitoral de cada um dos três partidos. E
em 1960, a Venezuela, senhora das maiores reservas do mundo, entrou para a
OPEC, Organização dos Países Exportadores de Petróleo.
A partir do Outono de 1973, com o
quadruplicar dos preços do crude a seguir à guerra de Yom Kippur, a
Venezuela tornou-se o país da América Latina com mais alto rendimento per
capita. Foi sob este vento generoso que Carlos Andrés Pérez nacionalizou a indústria, criando a companhia
pública Petróleos da Venezuela AS.
Mas é da natureza do petróleo a
oscilação dos preços, que os grandes países produtores podem usar e controlar,
embora por vezes com grandes desaires. Pérez,
que fora eleito em Dezembro de 1988, tentou impor a austeridade, mas provocou o
descontentamento popular com as medidas do FMI, que levaram a prolongadas e
violentas manifestações.
Com o “Caracazo”, em Fevereiro de 1989, uma onda de motins
em Caracas e noutras cidades importantes da Venezuela que provocou centenas de
mortos, repetia-se o ciclo tradicional – euforia petrolífera, endividamento, queda dos preços do crude,
subida dos preços essenciais, intervenção do FMI, medidas de austeridade,
revolta.
O chavismo e a miséria madura
O chavismo veio daí. Chávez tentou um
golpe militar falhado em 4 de fevereiro de 1992, mas depois, em 1998, ganhou as
eleições. Retomou a ideia do Caudilho das independências latino-americanas,
Simon Bolivar, El Libertador, e do seu
mestre, Simon Rodriguez, de que o subcontinente americano, do México
ao Chile, devia ter a sua própria doutrina política. E essa
doutrina seria um nacionalismo anti-imperialista americano, populista e
socialista.
No rescaldo do triunfo, Chávez accionou mecanismos progressivos
de controlo para chegar a um “socialismo do século XXI”, livre do
anátema do fracasso dos Estados policiais de tipo soviético do século XX. Este novo modelo de socialismo
afirmar-se-ia na Venezuela, com Chávez e com o seu sucessor Maduro, e no
Equador, com Rafael Correa e com Lenin Moreno (cujo nome completo,
Lenin Boltaire Moreno Garcês, era já de si todo um auspicioso programa)
Com o chavismo, a Venezuela mergulhou, não no socialismo idealizado do século XXI, mas
numa modalidade mais branda de Estado socialista policial, que
arruinou o país e levou à emigração de sete milhões de venezuelanos.
Agora, depois da fraude maciça
anunciada por Maduro, o país está numa encruzilhada entre a submissão do povo à
fraude e a instabilidade crescente. Não
havendo submissão, restam dois caminhos: ou há uma intervenção mais ou menos
enérgica da comunidade de nações latino-americanas que convence Maduro e a sua
clique a aceitar uma revisão das actas eleitorais e uma transição negociada em
que saiam pacificamente, dando lugar aos vencedores; ou Maduro não se
deixa convencer, consegue manter a unidade das forças armadas, policiais e
securitárias, e continua a lutar contra “a extrema-direita, os fascistas e os
lacaios dos americanos”, reprimindo a contestação popular pela força das armas. O
resultado será um processo de guerra civil de baixa intensidade, com dezenas de
mortos, centenas de feridos, milhares de presos, dezenas de milhares de
refugiados e milhões de venezuelanos dispersos pelos países vizinhos, rumando
aos Estados Unidos e passando pela Colômbia e pelo Panamá.
Num recente inquérito, 18% dos venezuelanos afirmam que se o
chavismo ganhar as eleições, abandonam o país. De resto, sem escolas para os
jovens nem saúde para os mais velhos, é natural que quem já emigrou para países
vizinhos procure retirar da Venezuela os seus familiares, sobretudo os que
precisam de medicamentos e de tratamentos especiais.
Colectivos
diplomáticos como o G7 e a OEA estão a exercer alguma pressão sobre
o governo de Caracas, manifestando dúvidas sobre a versão oficial dos
resultados eleitoriais e não reconhecendo a vitória de Maduro. O Carter Center
também não a reconheceu.
Da “maldição” do petróleo – a Venezuela
tem as maiores reservas do mundo – à “bênção” do socialismo bolivariano, a
Venezuela e o seu povo não param de sofrer.
A SEXTA
COLUNA HISTÓRIA CULTURA VENEZUELA MUNDO
COMENTÁRIOS (de 15):
Rui Lima: Havia líderes de esquerda na Europa para quem este
regime só merecia elogios, apesar do que se passa na Venezuela nas capitais da
Europa os profissionais das manifestações não vão para a rua protestar, se em
vez de Maduro lá estivesse um Pinochet haveria milhões na rua. Se politicamente ambos são ditadores, no aspecto
económico o Chile com o seu ditador estava várias vezes mais rico já a
Venezuela com o seu ditador está várias vezes mais pobre. Tim do A: Povo burro que votou no socialismo em 1998. Tem o
resultado da sua escolha. Agora não se consegue libertar. É sempre perigoso
votar na esquerda. Dizem que o perigo vem da direita, mas todas as dezenas de
ditaduras espalhadas pelos continentes do mundo são hoje socialistas. Pertinaz: A ditadura
venezuelana é defendida pela escumalha de esquerda europeia porque distribui
muito dinheiro… a corrupção justifica tudo para a esquerdalha… Nuno
Abreu: Muito
obrigado pela recolha da história do petróleo associada à história da Venezuela
dos últimos 100 anos e por a ter disponibilizado aqui.
Hatagani Hatagani: O "mal holandês" pode ser aplicado a
Portugal há 50 anos, sem petróleo. A política Biden e Obama em relação á
produção de petróleo e gás natural através do 1º Decreto Presidencial com a
proibição de produção em "terras federais" e cancelamento do Oleoduto
de Keystone XL depois de contactar Macron PM Canadá Justin Trudeau, do grupo de
oligarcas do Canadá, a família Trudeau, um tipo feito pelo WEF, logo depois da
tomada de posse de Biden já demente na altura, deixaram os USA numa situação de
dependência e de poder na OPEC. A loucura continuará com Harris, mas nos USA a
literacia informática não é comparável à de Portugal por exemplo ou
seja os media "main stream" estão em decadência, como a CNN, CBS,
CNBC, hoje há muito por onde escolher para filtar a informação e não entrar na
lavagem cerebral das TVs em sinal aberto.
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