De um evento poderoso passado num país
que tem todos os motivos para se sentir, como sempre, totalmente orgulhoso de
si e dos seus – farol de um mundo que com ele tanto aprendeu. E continua.
O palco sempre foi deles. Hoje, não
saíram de lá: a "gaffe" mais aplaudida de uma luta de bandas com
muita luz entre Paris e LA
LA recebe os Jogos do entretenimento,
do espectáculo, da new wave. Antes, Paris disse adeus a uns Jogos que foram
para si uma trégua olímpica e que acabaram com uma boa "gaffe" entre
a melhor música.
Bruno Roseiro (em Paris, França):Texto
OBSERVADOR, 11 ago. 2024, 23:25
Enviado especial do Observador em
Paris, França
Podia
ser do compreensível cansaço, podia ser daquela moleza de quem andou o dia todo
ao sol com calor, podia ser apenas por ser domingo se não quisermos ir mais
além no rol de possibilidades. Não é normal que, 15 minutos antes do
arranque da cerimónia de encerramento, não tenha existido qualquer indício
sequer de festa vinda das bancadas, ainda a meio gás pelas longas filas que se
viam no exterior (provavelmente, “vendo” de dentro de estádio, pelas preocupações
com segurança que se voltaram a adensar esta noite). Não é normal,
aconteceu, quase num sentido oposto ao que se tinha visto em Londres-2012 nos
últimos Jogos na Europa. Quer isso dizer que havia menos interesse? Não.
Nada. França ganhou esta aposta a todos os níveis e até a própria
temperatura foi dando esse sinal, de um evento à chuva para outro com o melhor
do verão.
Há coisas que não se esquecem porque
fazem parte de uma vida quotidiana que não tem cerimónias e muito menos
encerramentos. A forma fria como o Stade de France reagiu quando Emmanuel
Macron e o presidente do Comité Olímpico Internacional, Thomas Bach, deram
início a uma cerimónia que começou fora do recinto onde está a chama olímpica,
talvez com o aplauso menos sonoro e convicto da noite, é bom exemplo nisso.
No entanto, e num plano social e provavelmente económico (além do desportivo,
com o sonho de entrar no top 5 do medalheiro a ser mesmo concretizado pela
primeira vez), era isto que Paris mais precisava. Não era uma questão de ser bom, de contribuir para algo, de ajudar
para determinado bem – era uma necessidade. Os dias que antecederam a abertura
ainda tinham muito receio e ansiedade, nos dias que se seguiam havia também a
readaptação dos parisienses às mudanças, no final ficou a ideia de um país
unido na desunião.
Os problemas que existiam, existem. As
questões vitais a breve prazo que se discutem, vão continuar agora a ser
discutidas. As tensões que foram enraizando continuarão em surdina enraizadas. Pode não ter existido a trégua olímpica
que parasse a guerra na Ucrânia ou o conflito israelo-palestiniano, houve uma
trégua mais do que olímpica entre franceses pelo menos em Paris. Os Jogos
fizeram o que nenhum político conseguiu ainda neste último sufrágio. Uniu.
Recuperou orgulho patriótico. Deu algo que juntasse razões para celebrar. Nos
recintos, eram vitórias atrás de vitórias; cá fora, era festa, alegria, elogios
que às vezes até podiam ser críticas por alguma coisa pequena que falhasse na
organização mas que depois eram elogios. França soube receber
a família olímpica, a família olímpica fez com que a França se soubesse
reencontrar e as imagens na Praça dos Campeões ou na Praça da Concórdia, com
milhares e milhares de pessoas, ficarão para a eternidade.
Quase num último forcing, a cerimónia
de encerramento era quase uma espécie
de coroação entre a habitual passagem a quem se segue, Los Angeles.
Aqui, ao contrário da abertura, era uma cerimónia para atletas e demais
elementos das comitivas, para o público no estádio, para o mundo em geral. Pode
gostar-se mais ou menos mas os números impressionavam: 205 delegações com respectivos
porta-estandartes (alguns países não tinham e foi um voluntário que levou a
bandeira), 9.000 atletas, técnicos e staff no relvado, 2.400 metros quadrados
de palco, 1.040 projectores, 270 artistas entre 35 dias de ensaios, mais de
9.000 pessoas envolvidas em toda a preparação. Quando
chegámos e durante largos minutos ouviam-se apenas aspiradores enquanto se
faziam ensaios (que nos ecrãs não estavam a correr da melhor forma) mas pensar
que há menos de 24 horas estavam a ser feitas finais de atletismo neste
recinto mostra a amplitude do que foi montado.
E se dúvidas existissem para perceber que muitas vezes o mais
simples é o mais eficaz, bastou começar a cerimónia para as bancadas se
levantarem, aplaudirem e cantarem o nome do novo herói nacional a par de Teddy
Riner e Antoine Dupont: no centro do Jardim das Tertúlias, onde permaneceu
sempre a chama ao longo dos Jogos, uma interpretação musical lírica foi
acompanhada por um momento em que o campeão olímpico Léon Marchand, de fato e
gravata numa versão semi James Bond, agarrava numa luz e seguia na direção
do Stade France. Cá, no recinto, tocou-se A Marselhesa pela Maîtrise de
Fontainebleau com a Orquestra Divertimento e entraram os grandes protagonistas
do maior fenómeno desportivo a nível global, os atletas, entre os
porta-estandartes e depois as delegações ainda presentes (19 atletas no caso
português, entrados às 21h32). Há batalhões como França, Austrália, EUA,
Alemanha ou Países Baixos, há grupos que são mais do que reduzidos com uma,
duas ou cinco representantes, há de tudo. Foi assim até às 22h15.
Os
franceses puxavam pelo público, os portugueses iam andando de telefone na mão e
bandeira nas costas, todos apresentavam aquela cara de dever cumprido qualquer
que tenha sido o resultado final. Esta também é a cerimónia que
homenageia o trabalho desenvolvido ao
longo de três anos num ciclo mais curto que veio virar a página dos Jogos em
pandemia de Tóquio e ali já não se encontra nada que não seja um sentimento
bom. De alegria, de alívio, de satisfação, de irmandade, de cooperação, de
amizade. O resto virá depois, na preparação ao longo de mais quatro
anos para uma presença que é por si a concretização de um sonho.
Seguiu-se
uma cerimónia artística com um viajante desta vez dourado que desceu dos céus
ao palco colocado no centro do recinto (mas aquele cavaleiro misterioso da
abertura também andava por cá), num regresso aos início dos Jogos Olímpicos que
ganharam outra percepção nas bancadas quando apareceram os aros olímpicos antes
do primeiro espectáculo de pirotecnia na pala do Stade de France. Aquele
tinha sido o momento mais “trabalhado” do evento. Com mais pessoas, mais horas,
mais investimento. Acabou por ficar secundarizado da forma mais natural
possível por uma “gaffe” que passou despercebida na transmissão mas
que fez as maravilhas de todos pela espontaneidade com que aconteceu e pela
magia que conseguiu oferecer.
A certa altura, os voluntários que iam
fazendo uma delimitação à zona do palco para que as comitivas de atletas não
fossem para ali abriram alas para a
invasão pacífica. Algumas delegações levaram a coisa mais a sério, com
a norte-americana a correr como se ainda houvesse medalhas por disputar, mas todos puderam ir para uma zona mais
próxima. Deveria ser apenas isso, foi muito mais do que isso. Um
primeiro vai ao palco, um segundo vai ao palco, depois começaram a ser dezenas,
a seguir iam nas centenas. Tudo a
assumir um palco que devia ser seu, que foi tudo menos seu na cerimónia de
abertura, que agora era apenas seu nesta cerimónia de encerramento.
“Por favor caros atletas, desçam do palco”, ouviu-se em francês e inglês três
vezes. Alguns ainda cumpriram, a maioria não e assim se criou um momento
ainda melhor do que estava programado, com os Phoenix, primeira banda a
tocar, a ter à volta atletas olímpicos aos saltos.
Era altura das pulseiras brancas que
tínhamos há mais de duas horas começarem a dar luz, era momento de haver um
autêntico despique de bandas e músicos. Primeiro em Paris, com Phoenix, Air e
Vampire Weekend num espectáculo de fazer inveja a muitos cartazes. Depois em
Los Angeles, com Red Hot Chili Peppers, Billy Eilish e Snoop Dog. Pelo meio,
Simone Biles recebeu a bandeira dos Jogos, ouviu-se o hino norte-americano
e lá apareceu o tão falado número que de “Missão Impossível” não teve
propriamente muito em que Tom Cruise (que à tarde já andava aí em ensaios) saiu
de mota rumo a um filme que só pararia nos EUA. E o que se percebeu já para daqui a quatro anos? Que vai haver um
toque de entretenimento, de magia e de espectáculo muito próprio de Hollywood,
que se vestiu a rigor com um cartaz com os aros olímpicos. Agora, só em 2028 é
que todos se reencontram em LA. Até lá, existe uma viagem muito longa a
percorrer.
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