A primeira fora a de 1580, que durou 60
anos. As seguintes – já republicanas – tripartidas, fizeram / fazem - o que
podem, com o respectivo donaire, de alcance vário. O texto é de LUIS SOARES DE OLIVEIRA que o
escutou do seu avô, que o viveu, na primeira fase radical. Com dor, certamente.
Aprouve-nos ler. Com dor vivemos a terceira, tudo se repete nesta vida, pesem
embora outros diversos pareceres, mais repetitivos ainda. Para a estabilidade e
a boa consciência educativa dos nossos afectos mundanais.
3 D ·
«Ao meio-dia de
4 de Outubro de 1910, oficiais e praças do regimento de Lanceiros da Rainha,
sob comando do coronel Alfredo de Albuquerque bivacaram em Monsanto, Luneta dos Quartéis, onde
aguardaram ordens para atacar os revolucionários republicanos barricados na
Rotunda. Competia-lhes descer a
Palhavã, cruzar o Parque Eduardo VII sob fogo inimigo e, por fim, expulsar os
revolucionários - não mais de 50 entre militares e civis, insuficientemente
armados acicatadas por Machado Santos, Mendes Cabeçadas - do estaleiros de
obras da estátua do Marquês, tudo de Moras, Ladislau Parreira e José Carlos da
Maia. O almirante Cândido dos Reis, o principal cabecilha, tendo
pensado que o golpe falhara, suicidara-se. Outros republicanos Sá
Cardoso e o capitão Pala fugiram.
Entre os
oficiais fiéis ao rei figurava o agora capitão Domingos
d'Oliveira. Embora
servindo no regimento dos Lanceiros da Rainha, Domingos d'Oliveira só tinha
tido um encontro com a Rainha e este fora acidental. Aconteceu na Tapada da
Ajuda. O avô tinha mandado fazer arreio e cabresto para um burro no qual
montava seu filho Augusto, então com 8 anos de idade, vestido a rigor de chapéu
alto, jaqueta, calção e botas de equitador de circo. Assim enfarpelado, Augusto acompanhava o pai nos seus passeios a
cavalo pela Tapada. Dª Amélia, que por ali fazia o seu passeio pedestre com
reduzido séquito, cruzou-se-lhes no caminho e parou para felicitar o garoto
garboso no seu traje. Meu avô de tão emocionado ficou que se esqueceu de
desmontar e fazer a vénia à Rainha, como mandava a etiqueta. Teria sido esta a
primeira e última vez na vida em que Domingos d'Oliveira se sentiu embaraçado.
No dia 4,em
Palhavã, o Regimento formou em coluna com Infantaria 1 e o Grupo de Artilharia
a Cavalo, de Queluz. A coluna ficou
sob o comando do general Malaquias de Lemos. Porém, as ordens que ali
receberam não foram as esperadas. Mandaram a coluna seguir para Arroios e daí,
já ao cair da tarde, recolher ao quartel do Carmo, onde se instalou Malaquias
de Lemos, sempre distante da Praça do Marquês de Pombal. A voz de carregar sobre a barricada nunca chegou. Na manhã de 5,
ainda no Carmo, a coluna assistiu ao arriar da bandeira azul e branca,
substituída por um lençol branco sem as armas reais. Era a rendição.
«««»»»
Teria havido ou não um intervenção pessoal do cônsul
da Alemanha porém, segundo Jules Pabon a ordem de rendição foi dada na
madrugada do dia 5, pelo general Carvalhais, então governador militar de
Lisboa. Este ter-se-ia limitado a olhar para os soldados da coluna esfomeados
pela fome e fatigados pelo falta de sono e comentou: «com esta gente já se não
pode aqui fazer nada».
Paiva Couceiro
ainda tentou atacar a Rotunda. O general Malaquias de Lemos, comandante da
Guarda Municipal, recusou-se contudo a sair com a sua coluna do Carmo. Entretanto, os marinheiros da Mendes Cabeçadas
começaram a desembarcar e o povo saiu à rua a festejar antecipadamente a
vitória dos revoltosos. Logo os generais do rei içaram um lençol branco. Era
a rendição Às 7 da manhã cessaram as hostilidades.
Depois veio o
"regressar a quartéis";. Domingos
d'Oliveira chorou mas nada podia fazer. Manter-se-ia para sempre reservado sobre tão melindroso assunto.
«««»»»
Discutia-se ao tempo se tinham sido traidores os
chefes militares da Monarquia- por terem deixado triunfar um movimento que saiu
para rua com tão pouca gente - na Rotunda estariam uns cinquenta -,com poucas
armas e, pior, sem vintém. O jornalista Raul Brandão, debruçou-se sobre a
matéria e concluiu que os visados não tinham sido traidores, mas apenas tinham
sido "burros"; e isto porque, quando rebentou a revolta, não cortaram
a liberdade de movimentos aos cabecilhas da mesma. Ficou a dúvida; com efeito, os burros não são
obedientes.
Do pouco que ouvi a meu1 avô sobre o assunto, fiquei a
saber que o filho do conde de Sabugosa, seu vizinho em Alcântara, tinha
cavalgado no dia 4 de Outubro, até Mafra para se inteirar da vontade régia. No
regresso, parou em Queluz e falou com Paiva Couceiro - então capitão e
respeitado herói de África - que ali aprontava a Bataria de Artilharia para
seguir para o alto de Campolide com o objectivo de varrer as barricadas da
Rotunda. Foi Paiva Couceiro quem, ao chegar a Palhavã, comunicou à restante
oficialidade, muito à sua maneira:- «Nada a fazer. O filho da puta fugiu».
Referia-se ao rei. Não foram portanto os próceres políticos e militares que
decidiram não combater. Terá sido a própria Rainha Dª. Amélia - a quem o seu
filho, então com 20 anos, pedia conselho e obedecia - a pessoa que optou pelo
desterro.
"Do
desterro não há retorno," foi o último comentário que lhe ouviram.
Como princesa da Casa de Orleães ela sabia de que estava a falar. Entendeu - como escreveu no seu diário
- que nenhum Rei ou Rainha pode reinar com medo do seu próprio povo. Já antes
perdera o marido e um filho em defesa da Monarquia; não tinha agora vontade de
perder ou sacrificar mais ninguém.
Consta que a última despedida feita à Rainha foi a de
uma garota, filha de pescadores, que, já no cais da Ericeira, se atravessou no
caminho e ajoelhou á sua frente para lhe beijar a mão. Pode ser lenda,
mas talvez não seja. A gente do mar
não vai atrás de atoardas e sabe quem é seu amigo. Artesão pescador não
alimenta ódios e isto, em grande medida, porque o mar não tem dono. A propriedade da terra, o uti possidetis,
criou o ódio entre os homens. No mar, tal não aconteceu. Lá, é o próprio mar e
não uma qualquer pessoa quem rege o sofrimento humano.
A monarquia
de1910, sem D. Carlos, era um vazio. (Até mesmo com D.Carlos já era uma vazio).
A rainha compreendeu aquilo que Paiva Couceiro - que a insultou - não
compreendeu:- o uso da violência no caso só poderia servir - se servisse - para
interromper momentaneamente o curso automático e previsível da história.»
(CONTINUA AOS SÁBADOS)
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