Sobre uma Espanha que amamos como foi, aguerrida e patriótica, que
Cervantes tão singularmente imortalizou, no seu par Quixote-Sancho, que devia ser traço de união eterna igualmente entre
os seus, que tristeza que os da Catalunha e do país basco o repudiem, pese
embora esta visão simplistamente sentimental!
Espanha: A Hungria não é aqui
As mudanças que estão a acontecer em
Espanha resultam meramente da necessidade de sobrevivência de dois actores
políticos: o movimento independentista Catalão e Pedro Sanchéz.
JORGE FERNANDES Doutorado em
Ciência Política pelo Instituto Universitário Europeu, Florença, Investigador
Ramón y Cajal no Conselho Superior de Investigação Científica, Madrid
OBSERVADOR, 15
ago. 2024, 00:2024
A política Espanhola continua a avançar a uma velocidade estonteante. Infelizmente para a salubridade das
instituições democráticas, o PSOE de Pedro Sanchéz não está a deixar pedra
sobre pedra dos equilíbrios de poder dos Pactos da Moncloa de 1978. Depois da longa noite Franquista, os Pactos da Moncloa
permitiram virar a página na sociedade Espanhola. Ao contrário daquilo que é
propalado por muita esquerda, estes pactos não são de esquecimento. Pelo
contrário, são pactos feitos porque a memória do que tinha acontecido na guerra
que abriu caminho ao Franquismo estava ainda demasiado fresca. Não se enterra o
passado quando se pretende esquecer. Enterra-se quando uma geração inteira se
lembra demasiado bem do que aconteceu e quer garantir que as hipóteses de que
volta a suceder são baixas. Infelizmente, desde o consulado
de Zapatero (veja-se, por exemplo, a título de exemplo a Lei da Memória Histórica de 2007),
seguindo, de resto, o ar do tempo internacional, que Esquerda e Direita decidiram politizar o passado e
torná-lo uma arma de arremesso.
A delicadeza dos equilíbrios
políticos em Espanha, especialmente na capacidade de acomodar as tensões da
clivagem entre o centro e a periferia, exige que eventuais mudanças sejam
feitas de forma inclusiva, garantindo que reflectem as preferências de uma
larga maioria da sociedade e não apenas de uma facção, independentemente da sua
importância. Renegociar as regras do jogo é natural numa
democracia e até prova de vitalidade da sociedade. No entanto,
as mudanças que estão a acontecer em Espanha resultam meramente da necessidade de sobrevivência de dois actores
políticos, um colectivo e outro individual: o movimento
independentista Catalão e Pedro Sanchéz. As consequências são graves e os
resultados ver-se-ão a médio e a longo prazo quando houver uma reacção das
forças centralistas mais extremistas.
Em
primeiro lugar, quando perdeu as eleições de 2023, Sanchéz conseguiu negociar
uma maioria política para montar um governo baseada numa lógica negocial que é
absolutamente normal em democracias parlamentares. No
entanto, a amnistia Catalã nunca deveria ter sido feita no contexto da formação
de um governo. Deveria, isso sim, ter sido feita num pacto maior, envolvendo os
dois maiores partidos e afastando fantasmas de que as cedências eram feitas
apenas em nome de uma visão única do país. O pacto que o PSOE, o Junts e o ERC
desenharam foi vendido como uma reconciliação nacional entre separatistas e
centralistas. No
entanto, a reconciliação é apenas uma mistificação. Uma
reconciliação implicaria que ambas as partes concordam com um novo equilíbrio
de poder e com um virar de página: os actores políticos envolvidos na tentativa
falhada de sedição da Catalunha em 2017 eram amnistiados em troca de uma
pacificação política e, no fundo, em meter a ideia de referendo na
gaveta. O problema com esta lei é evidente: a lei da amnistia foi
aprovada, no entanto, as exigências dos independentistas mantém-se inalteradas.
Basta
ouvir o discurso de Puigdemont em Barcelona a semana passada para perceber que
a facção mais radical dos independentistas não se mexeu um milímetro para se
aproximar do espírito da amnistia. Alguém
falou em reconciliação nacional?
Em segundo lugar, a aplicação
da amnistia está a envolver uma fortíssima e flagrante violação da divisão de
poderes. Em todos os países democráticos, existe uma separação
de poderes clara entre os poderes executivo, legislativo e judicial. Esta separação tem um objectivo
claro: garantir
que os poderes se vigiam mutuamente e que, quando um deles toma uma decisão ou
tenta impor uma tirania da maioria, os outros estão lá para garantir que essa
decisão está conforme com o edifício jurídico-institucional do país.
O argumento que PSOE e os
independentistas utilizam é semelhante: foi aprovada uma lei da amnistia a que
todos devem obedecer, inclusive o poder judicial. Quem não obedecer aos termos precisos e exactos da lei tal como foi
desenhada é um actor ao serviço da extrema-direita. O argumento continua
dizendo que o poder judicial está a fazer lawfare e a ser
instrumentalizado por correntes de juízes dominados pela extrema-direita. Sejamos claros: a ideia de que o ramo
judicial se deve simplesmente subjugar a uma lei simplesmente por que esta foi
aprovada no parlamento – mesmo que esta vá contra princípios
constitucionalmente consagrados – é típica de países em avançada erosão
democrática. Em todos os países existem processos institucionais
que organizam o modo como o poder judicial pode ser ultrapassado, tipicamente
através de supermaiorias no ramo legislativo. No entanto, a lei que aprovou a
amnistia resulta de uma coligação de maioria simples na câmara baixa dos
deputados e tem, de resto, uma maioria contra na câmara alta. Os pontos de veto em todos os regimes
políticos existem, precisamente, para evitar a tirania da maioria e garantir
que um qualquer governo não consegue mudar as regras do jogo de forma fácil e
sem ter um amplo consenso na sociedade.
Em terceiro lugar, e
continuando a falar sobre erosão
democrática, a mudança
proposta no acordo de investidura de Salvador Illa como Presidente da
Generalitat constitui, na prática, uma alteração constitucional indirecta e,
naturalmente, uma prática institucional muito grave. Em 1978, quando o
equilíbrio de poder entre o centro e a periferia ficou definido na
Constituição, Navarra e o País Basco
negociaram o poder de recolher toda a receita fiscal (de particulares e
empresas), entregando uma parte ao estado central para contribuir para bens
colectivos como a defesa e os negócios estrangeiros. Em 2024,
Sanchéz acordou com a Esquerda Republicana Catalã que o poder de cobrar
impostos passará a ser da total responsabilidade da região. A Catalunha
pagará, naturalmente, uma contribuição para os bens colectivos e a
solidariedade inter-regional. No entanto, ao contrário de 1978, onde a
definição da distribuição dos poderes foi aprovada por supermaioria no
Congresso e, depois, por referendo popular, esta mudança de uma função central
do Estado acontecerá através de uma lei de maioria simples de uma maioria
transitória cujo principal partido, de resto, nem sequer ganhou as eleições. As
implicações políticas e institucionais são muito graves e profundas. As supermaiorias existem para garantir que a mudança
das regras do jogo tem o apoio de uma parte muito substancial dos eleitores e,
ao mesmo tempo, sendo mais difíceis de conseguir, garantem que nenhuma maioria
conjuntural altera as leis à sua vontade.
A erosão democrática que está a
acontecer em Espanha é muito grave. Bem sei que a democracia, a lisura
institucional e o estado de direito são um tigre de papel quando a esquerda
está ao leme. No entanto, deveríamos ter mais atenção com o que se passa aqui
ao lado.
COMENTÁRIOS (de 24)
José B Dias: Sem surpresa as acusações e penalizações impostas por Bruxelas à
Hungria não se encontram no caso de Espanha ... tal como desapareceram na
Polónia mal o governo virou à esquerda! José
Carvalho: Tem toda a razão o autor ao
chamar a atenção para o que se passa em Espanha: assistir em directo à
transformação de uma democracia em tirania pode ser útil quando chegar a nossa
vez. Tim do A: Muitas vezes não concordo com o autor. Mas desta vez estou de
acordo com o artigo. Tirando a referência à longa noite de Franco. Foi Franco que salvou a Espanha duma ditadura muito pior. A do comunismo que sofreram os países da cortina de ferro.
Não é comparável. A Espanha deve essa gratidão eterna a Franco, para além deste
ter libertado os espanhóis da segunda guerra mundial. Há que ser justo. José
Carvalho > Tim
do A: Franco
causou uma longa noite a Espanha, mas salvou o país da noite tenebrosa e
infernal que seria o comunismo. A Espanha económica e socialmente avançada de hoje deve-se a
Franco, ainda que a cura tenha sido longa e penosa. É sempre assim: quanto mais avança a doença (o socialismo) mais
difícil é a cura. Ronin kaishakunin: Mais atenção ao que se passa aqui ao lado sancionado pela Comissão
von der Leyen, a Hungria vem a propósito de quê? O que é tenta fazer com este
artigo? A
noite franquista? A sério? Depois da noite que os comunistas cá apelidaram de
longa noite fascista, deixou um país com estrutura nos vários sectores
destruídas em cerca de 1 ano pelo PCP e com a permissão do PS, na
descolonização exemplar e nas nacionalizações ou sejam a destruição da economia
pelo socialismo que se mantém. A Espanha desde Zapatero, com Sanchez tem
destruído a economia de Espanha, nem uma única vez cita Adolfo Suarez, faz-lhe
confusão? Tim do AJosé
B Dias: As sanções desaparecem quando é um governo de
esquerda. Assim avança mundo Woke socialista da UE. Tomazz
Man: Bom artigo. Por norma, afasto-me do autor mas, desta
feita, acho que está a fazer uma boa análise e sem falinhas mansas
pro-esquerda. Mas mais importante do que isso é que, de facto, o que se
passa é grave. E mais grave é estar com espanhóis, dos de Madrid (dos
fanáticos catalães já não espero muito) e uns acham todas as brincadeiras do Sr
Sanchez são aceitáveis. Para cada um que pensa assim, haverá outro espanhol que
ainda acredita na Espanha unida e sem cedências ridículas ao separatismo
e que, mais dia menos dia, vai reagir. Ó se vai! Antonio Sennfelt: O señorito Sanchéz conseguiu dar cabo do
pacto de Moncloa e muito dificilmente a Espanha encontrará um novo
Suaréz. Maria
Augusta Martins: Noite é
o actual governo socialista, o franquismo foi um farol que criou a classe média
que estes governantes querem proletarizar, e que combateu com ferro e fogo as
asneiras da frente popular da república Espanhola o demais são tretas. Lily Lx
> GateKeeper: Mil vezes a Hungria de Orban do que a
Espanha de Sanchez. Paulo
Cardoso > Tim
do A: Não esquecendo que
foi o próprio Franco que acautelou a transição pacífica para a democracia, ao
“apadrinhar e preparar” Juan Carlos. Tim do A
> José
Carvalho: Mas como é uma tirania comunista, a UE aceita bem. Tim do A
> Maria
Augusta Martins: Absolutamente
de acordo. A escolha era entre um lado e o outro. Estes comentadores do
Observador são adeptos do comunismo ao estilo da ex-URSS e preferem o
comunismo a um regime autoritário de economia de mercado e de fronteira livre.
Não estudaram História e consequentemente não sabem o que foi o comunismo e
por isso preferem a prisão, a miséria e a verdadeira falta de liberdade do
comunismo. Não estudar é muito perigoso. Hoje não se estuda. Carlos
Carvalho: Bem pior que a Hungria, mas a esquerdalha que domina
os jornaleiros só fala de extrema-direita. Uma vergonha esta Cs Maria
Emília Santos Santos: A UE
quer tudo debaixo da pata dela, tudo esquerdista sem moral nem ética para poder
matar e fazer desaparecer! Quem colabora com a esquerda europeia do poder é
globalista que visa a ditadura e não a democracia! Na Hungria não há
ideologia de género nas escolas, porque os governantes não são doidos como os
portugueses e espanhóis! Só os governantes portugueses é que têm a
hipocrisia de importar LGBTs ucranianos e promovê-los com o nosso dinheiro! Importar
LGBTs é o mesmo que adorar o diabo! A isso os portugueses dizem com absoluta
convicção : Basta de loucura! Portugal é cristão e o nosso Rei é jesus Cristo! Chega
de loucuras perniciosas e devastadoras de quem conseguiu alcançar o poder! Venha
uma direita de verdade que respeite as leis de Deus e todos os Seus
Mandamentos! Gastão
Ferreira: Para que as democracias não se
tornem ditaduras é necessária uma cidadania empenhada em vez de um sociedade
onde cada um se interessa por si e ignora o vizinho. GateKeeper: A ex-Espanha pouco ou nada tem
a ver com Hungria. Mais parece um saco de bacalhau desfiado.
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